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Portugal é um país que muitas vezes nos desconcerta. Um país que uns dias nos surge irremediavelmente atrasado e provinciano, para noutros nos surpreender pela sua energia. Um país que tanto se perde em discussões bizantinas como, apesar de tudo, vai abrindo janelas para deixar ar fresco. Para hoje seleccionei alguns textos que, focando temáticas muito diferentes, são de alguma forma sinais do país que somos.
Abro com um texto de Bruno Faria Lopes no Diário Económico sobre o caso da penhora e venda em hasta pública de uma casapelo fisco por causa de uma dívida proporcionalmente irrisória. Vale a pena conhecer a história em detalhe, porque ficamos logo com vontade de fazer coro com o colunista:
É possível que o Estado que oferece uma multa de amigo às pessoas que ocultaram milhões de euros no estrangeiro, que os isenta de responsabilidades criminais e que ainda tem atenção suficiente para lhes proteger a identidade, é possível, dizia eu, que este mesmo Estado execute penhoras da única casa de quem deve dois mil euros ao Fisco e já tem o magro salário penhorado? É possível - e acontece em Portugal.
Prossigo com uma reflexão de Maria João Marques aqui no Observador sobre esse fenómeno estranhíssimo que é começarem a aparecer queixas por haver em Lisboa turistas… a mais. A colunista não se queixa, bem pelo contrário. E nota, entre outras coisas:
Que tanto turismo é bom para a economia ninguém duvida. Tem sido nos últimos anos de crise um setor em crescimento assombroso, tanto em quantidade como em qualidade (…). A ação dos privados que permitiram este crescimento é protegida pelo único liberal do governo – o secretário de estado do Turismo Adolfo Mesquita Nunes – que tem simplificado licenciamentos, eliminado ou diminuído taxas e resistido a afogar novos negócios (como os tuktuks, os hostels ou os alojamentos locais) em regulamentação como querem, para benefício próprio, os concorrentes já estabelecidos no mercado.
Salto agora para o Diário de Notícias e para um texto – “A beata e o baeta” – de João Taborda da Gama onde este elogia dois portugueses, o Fábio e a Catarina, que têm sido muito atacados nas redes sociais. O Fábio por ter regressado do estrangeiro para abrir em Lisboa um barbeiro só para a homens. A Catarina por ter assumido publicamente o seu catolicismo e uma vida sexual vivida de acordo com a doutrina da Igreja. Eis a sua conclusão:
A Catarina e o Fábio são dois grandes exemplos de quem vive sem temer os apupos da plateia. Vivem de um modo integral, radical, ideias diferentes mas inofensivas para o resto dos mortais, por mais provocadoras ou minoritárias que sejam. Não quero aqui julgar as suas convicções, mas apenas louvar o facto de as terem com tanta determinação. A determinação que queria muito que os meus filhos viessem a ter na defesa das suas próprias convicções.
Perdoem-me agora os leitores do Macroscópio por uma incursão por temas mais próximos da minha profissão e do que se passa no sector da comunicação social, mas não resisto a recomendar-vos também um texto de João Miguel Tavares no Público onde ele trata das incoerências de uma das vacas sagradas de um certo jornalismo português, o colunista Baptista-Bastos. Eis uma pequena passagem:
Custa-me ver um homem que tem tantas, tão profundas e tão apregoadas preocupações sociais manter-se muito caladinho quando dezenas de pessoas são despedidas no jornal onde colabora, para depois rasgar as vestes e perorar contra os “porta-vozes estipendiados” só porque desta vez lhe tocou a ele – sendo que a mudança de colunistas, ao contrário do despedimento colectivo, é um acto banal.
Salto agora para uma discussão que tem andado pelos jornais e pela blogosfera em torno do caso de um doente internado compulsivamente num hospital psiquiátrico. A história apareceu em primeiro lugar num texto de opinião no Público, no início de Outubro – “Voando sobre Um Ninho de Cucos num manicómio de Lisboa” –, teve sequência numa reportagem do jornal i – “Carlos ficou três meses num manicómio onde só ele não estava doido” e suscitou comentários de Vitor Cunha no Blasfémias (aquie aqui) e de Ana Matos Pires no Jugular. É uma discussão com várias componentes, podendo ser apenas “um vergonhoso momento de anti-psiquiatria, alimentado por um doenteparanóide, um advogado idiota e alguns psiquiatras imprudentes" (Ana Matos Pires) ou se “o internamento compulsivo não faz qualquer tipo de sentido se o objectivo é ‘garantir o tratamento adequado’, que não pode ser impingido coercivamente a quem quer que seja, só porque um serviço acha que é melhor para o indivíduo em questão” (Vítor Cunha). Uma discussão a seguir.
Tema que também deverá continuar a suscitar controvérsia é a decisão do diretor do Instituto de Ciências Sociais de mandar retirar de circulação o último número da revista Análise Social por causa de um artigo que não cumpria com os níveis de exigência académica daquela prestigiada publicação. Apesar de parecer mais ou menos evidente que o artigo em causa, assim como as imagens que o acompanhavam, pouco tinham a ver com as características de uma publicações vocacionada para publicar textos de investigação académica originais, houve logo quem viesse com acusações de censura. Acusações que mereceram de imediato o comentário de Gabriel Mithá Ribeiro, colaborador do Observador – “Esquerda e censura: a vítima sem-vergonha”. Eis um dos seus argumentos, que remete para o estado de muitas publicações académicas portuguesas da área das ciências sociais:
Outra característica que espelha o controlo ideológico do pensamento, com reflexo nas revistas científicas, para além de quem pode ou não publicar e como, é a das bibliografias dos artigos, teses e por aí adiante. Existem autores que aparecem vezes sem conta, ou têm de aparecer, e outros que não convém colocar em determinados ambientes. No meio africanista que conheço, Boaventura de Sousa Santos fica sempre bem. Jaime Nogueira Pinto não ajuda. Mesmo que a qualidade do trabalho do último seja muitíssimo superior à qualidade do trabalho do primeiro e não subsidiado nos avultados montantes do primeiro.
Termino recuperando dois textos já da semana passada mas que uma notícia de ontem à noite volta a tornar muito actuais. A notícia é que o Metro de Lisboa vai voltar a fazer greve, agora a 13 de Novembro. Os textos que gostava de vos referir são o “Manifesto contra a greve do Metro” que eu próprio escrevi e “Pela libertação do Metro de Lisboa”, escrito por André Azevedo Alves. Extrato deste último:
No meio desta verdadeiramente deplorável situação – que nenhum Governo parece ter coragem para resolver – a CGTP tem ainda o descaramento de repetidamente invocar que a regular paralisação do Metro de Lisboa é feita em nome da defesa do “serviço público”. Na realidade, o que a CGTP realmente faz é aproveitar a circunstância de basicamente controlar uma empresa estatizada num sector onde é relativamente fácil por razões técnicas bloquear completamente o funcionamento do serviço.
E por hoje é tudo. Boas leituras.
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