Relevo na igreja de
Saint Sernin de
Daumazan-sur-Arize, datado do
século XII e representando o martírio de São Saturnino
São Saturnino de Tolosa (ou de Toulouse) (morto em Tolosa em 257) foi um missionário romano que pregou nas Gálias, Pirenéus e Península Ibérica.[1] É um dos chamados "Apóstolos para os gauleses", que foi enviado para cristianizar a Gália (provavelmente pelo Papa Fabiano) depois das perseguições durante o consulado de Décio e Grato (250-251) terem feito desaparecer todas as comunidades cristãs exceto as mais pequenas. São Fabiano enviou sete bispos de Roma para a Gália para pregar os Evangelhos: São Gaciano para Tours, São Trófimo para Arles, São Paulo para Narbona, Santo Austremónio para Clermont-Ferrand, São Denis para Paris, São Marçal para Limoges e São Saturnino para Tolosa.[nt 2]
Nomes
São Saturnino (do latim Saturninus) é também chamado de São Sadurninho em português e em galego (San Sadurniño), Sarnin em occitano, Saturnin ou Sernin em francês, Saturnino, Serenín, Cernín ou Sernin em castelhano, e Satordi ou Saturdi em basco.[nt 2]
História e lendas
São Saturnino é usualmente considerado o primeiro bispo de Tolosa (Tolosa em latim e em português). A obra perdida Actos de São Saturnino foi usada como fonte histórica pelo cronista São Gregório de Tours (século VI).[2] Segundo a martirologia, Saturnino teria sido filho de Egeu, rei da Acaia, e da sua esposa Cassandra, filha de Ptolemeu, rei dos ninevitas.[carece de fontes] Os Atos referem que Saturnino teria vivido no século I e seria um dos 120 discípulos de Cristo que estava no Cenáculo aquando do Pentecostes (a descida Espírito Santo aos apóstolos). A sua origem seria grega e teria ido para a Palestina atraído pela fama de João Batista, a qual tinha chegado até à região norte do Mediterrâneo. Posteriormente tornou-se um seguidor de Jesus. Depois do Pentecostes partiu para evangelizar as terras a leste da Palestina sob a autoridade de São Pedro, chegando aos territórios dos persas e dos medos e às províncias adjacentes. Neste período curou milagrosamente doentes, leprosos e paralíticos e libertou almas de demónios. Antes de se ir embora, deixou instruções escritas aos novos cristãos sobre como se deveriam comportar e no que deveriam acreditar.
Saturnino foi depois para Roma com São Pedro, que o consagrou bispo e lhe atribuiu como companheiro Pápulo, que depois viria a ser São Pápulo, o Mártir. Além de Pápulo, São Saturnino teve como discípulo Santo Honesto, que os dois companheiros encontraram em Nimes.[3][nt 2]
Outras fontes referem que Saturnino nasceu no século III no seio de uma família romana nobre, que entre outras feitos, converteu o Santo Honesto, um camponês. Saturnino e o seu grupo foram presos em Carcassona pelo prefeito romano Rufino, sendo libertados por um anjo. Já em Tolosa realizou curas milagrosas juntamente com São Marçal de Limoges.[1]
Segundo algumas fontes[1] contestadas por alguns autores,[2] Saturnino teria também pregado no que são hoje as comunas de Auch e Eauze. Um pastor da Biscaia de nome Paterno ouviu falar dele e cruzou os Pirenéus para o ouvir. Paterno mostrou-se rapidamente um fervoroso cristão e foi ordenado bispo de Eauze por São Saturnino, que regressou a Tolosa, de onde voltaria a sair para ir para a Península Ibérica na companhia de Honesto, que lá tinha estado por ordens de Saturnino. Pápulo ficou então à frente da diocese de Tolosa. Em Pamplona Saturnino converteu milhares de pessoas[3] e batizou São Firmino.[1] Regressado a Tolosa, soube do martírio de Pápulo.[3]
Fosse porque já existissem alguns cristãos em Tolosa, fosse porque ele fez com que muitas pessoas se convertessem, Saturnino rapidamente conseguiu ter uma pequena igreja.[2]
Martírio
Os Atos de São Saturnino descreviam o martírio de Saturnino. No caminho para a sua igreja em Tolosa, Saturnino passava em frente ao capitólio (no local onde atualmente se situa a Praça Esquirol),[nt 3] onde havia um templo dedicado a Júpiter Capitolino. Os sacerdotes pagãos atribuíam o silêncio dos seus oráculos à presença frequente de Saturnino.[1][2] Um dia, quando Saturnino passava perto do altar pagão, onde um touro estava prestes a ser sacrificado, um homem na multidão apontou para o santo dizendo: «Eis aquele que prega em todo o lado que os nossos templos devem ser derrubados e se atreve a chamar demónios aos nossos deuses! É a presença dele que impõe o silêncio aos nossos oráculos!». A multidão cercou Saturnino, prendeu-o com cadeias e arrastou-o para o topo do capitólio, onde lhe ordenaram que oferecesse sacrifícios aos ídolos pagãos e renunciasse a pregar Jesus Cristo. Com a ajuda de um anjo que lhe apareceu, o santo recusou firmemente, dizendo «Conheço apenas um Deus, o único verdadeiro; só a Ele oferecerei sacrifícios no altar do meu coração... Como posso eu recear deuses que vós próprios dizeis que têm medo de mim?». Saturnino foi então atado a um touro pelos pés e arrastado pela escadaria do capitólio, tendo ficado com a cabeça e outras partes do corpo despedaçadas.[3]. O corpo só parou de ser arrastado quando a corda que o prendia se partiu.[1][2]
Diz-se que o touro parou no local que passou a chamar-se Matabiau (de "matar", como em português, e "biau", touro). Uma inversão deste martírio, a taurotonia, a "matança do touro", é precisamente o rito principal do mitraísmo, uma religião de mistérios que foi uma das principais concorrentes do cristianismo no Império Romano nos séculos III e IV. O ícone mais importante do mitraísmo nos mitreus, os locais de devoção do mitraísmo, era uma representação de Mitra matando um touro. A taurotonia era pintada ou esculpida em relevo, por vezes no altar.[nt 2][carece de fontes] Duas jovens cristãs (puellae em latim), que ficaram conhecidas como Les Puelles ou SantasPuelles, recolheram devotadamente os restos do santo e sepultaram-no numa "vala profunda", para que não fossem profanados pelos pagãos.[4] Põe-se como hipótese que a "vala profunda" fosse afinal um mitreu; ainda hoje o maior dos muitos sinos de Tolosa é chamado de "Le Grand Taur" (o grande touro). Ainda segundo a lenda as Santas Puelles foram perseguidas pelos pagãos e por isso fugiram para uma pequena aldeia que atualmente tem o seu nome: Mas-Saintes-Puelles.[nt 3]
O lugar onde se diz que o boi parou fica situado na Rue du Taur, que no tempo dos romanos era uma rua que conduzia ao capitólio da cidade, onde atualmente se situa a Basílica de Saint-Sernin.[nt 2]
Nossa Senhora do Touro
A sepultura esteve supostamente esquecida durante um século após a morte do santo, e quando foi descoberta, Hilário, bispo de Tolosa entre 358 e 360, mandou construir uma pequena capela ou oratório em madeira no local para guardar as relíquias[2] sobre o que os guias modernos chama a "cripta romana", onde ele tinha sido enterrado.[carece de fontes][nt 2][nt 1] Essa capela foi também esquecida, tendo sido reencontrada no século VI pelo duque de Leunebaldo, que aí construiu uma igreja dedicada a São Firmino do Taur.[nt 1] Atualmente encontra-se no local a Igreja de Notre-Dame du Taur (Nossa Senhora do Touro), uma construção gótica do século XIV que substituiu edifícios mais antigos.[carece de fontes][nt 2]
No fim do século IV, a afluência de peregrinos que enchiam o lugar da sepultura levou o bispo Silvius a construir uma igreja maior noutro local, a qual foi concluída pelo seu sucessor Exupère em 402. O corpo do santo foi transladado para a nova igreja, que atualmente constitui a cripta da basílica românica que existe atualmente, um dos edifícios que define o estilo românico no sul de França. O corpo do santo esteve sepultado no cruzeiro até 1284. A basílica não é a catedral da cidade, a qual é dedicada a Santo Estêvão.[carece de fontes][nt 2]
Ao mesmo tempo, o bispo pegou nos Actos oficiais de Saturnino, os Passio antiqua e reescreveu-os como um panegírico que substituíram os originais, embelezando-os com detalhes coloridos e lendas devotas ligando Saturnino à fundação das igrejas de Eauze, Auch, Amiens e Pamplona. Essas lendas, contudo, não têm fundamentos históricos.[2][nt 2]
Notas
Referências