A sogra, o marido, o genro, o filho, a nora e o enteado. Família lucrou vários milhares de euros com a Câmara de Cascais
A Câmara Municipal de Cascais fechou mais de uma dezena de contratos públicos, a maioria por ajuste direto, num montante total de cerca de 600 mil euros, com uma empresa fundada pelo marido da atual administradora executiva da empresa municipal que gere o aeródromo de Tires, que chegou a ser adjunta do autarca Carlos Carreiras.
Ao todo são dez contratos públicos por ajuste direto e cinco contratos por consulta prévia celebrados entre a Câmara e diversas empresas municipais e a empresa DualAlarm - Sistemas de Segurança Lda, fundada em 2011 por António Manuel Agostinho Garcia, casado com Maria do Céu Garcia. Os negócios começaram em 2012 e continuaram até 2022, rendendo à empresa, que fornece, instala e faz a manutenção de sistemas de vigilância, 583.064,70 euros.
Em resposta à CNN Portugal, a Câmara Municipal de Cascais diz não ter conhecimento de “qualquer incompatibilidade entre os intervenientes nos contratos referidos e as entidades contratadas”. A autarquia garante que cumpriu a legislação em vigor e que os “procedimentos que precederam à celebração dos contratos foram desencadeados no cumprimento das normas legais aplicáveis, como são todos os contratos e procedimentos deste município”.
Também Maria do Céu Garcia diz nunca ter tido “qualquer intervenção em decisões do município relacionadas com pessoas da minha [sua] família”.
Contrato a contrato, o que aconteceu desde 2011
Entre 2011 e fevereiro de 2013, altura em que a empresa passou a ser detida por António Maria Garcia, enteado de Maria do Céu, e por um sócio, a Câmara Municipal de Cascais fez dois contratos por ajuste direto com a DualAlarm. Ambos foram celebrados em setembro de 2012 e totalizavam 19.927,93 euros. Segundo o Diário da República, Maria do Céu Garcia era adjunta do presidente Carlos Carreiras neste período.
Em outubro de 2013, na mesma altura em que Maria do Céu era nomeada adjunta do gabinete de apoio à presidência da Câmara de Cascais depois de uma breve passagem pela Cascais Dinâmica, foi o próprio Carlos Carreiras quem assinou um contrato por ajuste direto com o enteado dela no valor de 41.364 euros. O objetivo, segundo o portal Base, era a “aquisição de serviços de manutenção à central de monitorização de videovigilância à central recetora de alarmes de intrusão instalada na Polícia Municipal”.
Após esta data e até Maria do Céu Garcia assumir a direção executiva da empresa municipal Cascais Dinâmica, que gere o aeródromo de Tires, a empresa fundada pelo marido e agora detida pelo enteado fez mais sete ajustes diretos com a autarquia e com a empresa municipal Cascais Próxima.
No total, a DualAlarm, que passou a chamar-se DualSecur em 2014, recebeu 200.331 euros em ajustes diretos. Desde a sua constituição, segundo informações que constam no portal Base, a firma apenas celebrou contratos públicos com a Câmara Municipal de Cascais e com as empresas municipais tuteladas pela autarquia.
Também entre junho de 2018 e maio deste ano, a empresa faturou 359.776 euros em contratos feitos através de Consulta Prévia com a autarquia e empresas municipais de Cascais. Com o Município de Cascais, registou dois contratos em junho de 2018 e setembro de 2020, ambos no valor de 73.200 euros, sendo que o último voltou a ser assinado pessoalmente por Carlos Carreiras.
Pelo meio, a empresa do enteado de Maria do Céu Garcia, fez também outros três contratos por Consulta Prévia com a Cascais Próxima e a Empresa Municipal de Ambiente de Cascais, todas tuteladas pela autarquia.
Nora também foi nomeada para cargos na Câmara
A nora de Maria do Céu Garcia, Catarina Mona, também deteve cargos dentro da Câmara Municipal de Cascais pelo menos desde outubro de 2017.
Segundo despachos do presidente da Câmara publicados em Diário da República, Catarina Mona, casada com um dos filhos de Maria do Céu Garcia, foi Secretária de Apoio à Vereação na autarquia, entre outubro de 2017 e agosto de 2019. Em setembro de 2019, foi nomeada adjunta desse gabinete.
Para além da nora, também a empresa do genro de Maria do Céu Garcia assinou três contratos por ajuste direto no valor de cerca de 60 mil euros por serviços de consultoria aeronáutica com a empresa municipal Cascais Dinâmica, que gere o aeródromo de Tires e onde Maria do Céu Garcia é administradora executiva.
Sobre este caso, revelado pela CNN Portugal há uma semana, a Câmara Municipal de Cascais negou ter existido favorecimento familiar. “Absolutamente não”, referiu na altura fonte oficial, garantindo que Maria do Céu Garcia pediu escusa no momento da assinatura dos contratos com a empresa do genro.
Além dos contratos com a empresa do genro, Maria do Céu Garcia está envolta num outro caso em que a administração da Cascais Dinâmica é acusada de privilegiar a empresa de aviação privada Valair - Aviação, Lda, onde trabalha o seu filho José Garcia, num dos hangares do Aeródromo de Tires.
Há mesmo um processo na Justiça, que decorre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em que quatro operadores de aviação moveram uma ação contra a administração da Cascais Dinâmica por estarem a ser alvo de ordens de despejo no hangar n.º4. Os operadores alegam que foram vítimas de “tratamento discriminatório” já que a empresa Valair - Aviação, Lda que também ocupa o mesmo hangar não recebeu qualquer ordem de despejo.