John Henry Newman
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John Henry Newman, CO (Londres, 21 de fevereiro de 1801 — Edgbaston, 11 de agosto de 1890) foi um sacerdote católico inglês convertido do anglicanismo para o catolicismo, posteriormente nomeado cardeal pelo papa Leão XIII em 1879. Foi beatificado no dia 19 de setembro de 2010 pelo Papa Bento XVI[1] e posteriormente canonizado pelo Papa Francisco no dia 13 de outubro de 2019.
Estudou no Trinity College de Oxford (1816) e no Oriel College (1822) e foi ordenado sacerdote da Igreja Anglicana. Tornou-se mais tarde num dos líderes do "Movimento de Oxford". Naquela época, ele considerava o anglicanismo de seu tempo excessivamente protestante e laicizado e considerava o catolicismo corrompido em relação às origens do cristianismo. Buscou uma "via média" entre os dois, e, pesquisando sobre os primórdios da Igreja Católica e do cristianismo em geral, terminou por converter-se ao catolicismo.
Depois de sua conversão ao catolicismo (1845), ele foi ordenado sacerdote da Igreja Católica em Roma (1847), abriu e dirigiu em Birmingham um oratório de São Filipe Néri e foi ainda reitor da Universidade Católica da Irlanda (1854).
Pensamento e Apostolado
O seu pensamento é representativo da "filosofia da ação e da filosofia da vida" e o seu "apostolado no campo da inteligência exercido por Newman foi intenso. As suas obras completas atingem a 37 tomos, versando sobre os mais variados assuntos — teologia, filosofia, literatura, história, espiritualidade — e os arquivos do Oratório conservam as 70 mil cartas que escreveu. As obras que publicou sobre a Universidade de Dublin, tornaram-se clássicas para a literatura católica. Os seus Sermões espelham todos eles sólida piedade e grande amor pelas almas".[2]
Sobre o desenvolvimento da doutrina
Uma contribuição muito importante do seu pensamento teológico foi o desenvolvimento da doutrina católica, que foi considerado pelo Papa Bento XVI como um "contributo decisivo [de Newman] para a renovação da teologia".[3] Esta contribuição foi introduzida no livro Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã, escrita por Newman em 1845. Neste livro, Newman usou a ideia do desenvolvimento da doutrina para defender a doutrina católica de ataques e críticas feitas por alguns anglicanos e protestantes, que achavam que alguns elementos da doutrina católica eram corrupções ou inovações contrárias aos ensinamentos de Jesus Cristo.
Ele argumentou também que várias doutrinas católicas rejeitadas pelos protestantes (tais como a hiperdulia ou o purgatório) tinham uma história de desenvolvimento análoga às doutrinas que foram aceites pelos protestantes (tais como a Santíssima Trindade ou a união hipostática de Cristo). Este desenvolvimento foi, em sua opinião, as consequências naturais e benéficas do estudo e reflexão da razão humana sobre a Revelação divina, que é imutável. Ele defendia que este estudo teólogico levaria a Igreja Católica a aperceber progressivamente de certas realidades reveladas que antes não tinha compreendido explícita e totalmente.[4][5]
O Papa Bento XVI salientou que "a concepção de Newman sobre a ideia do desenvolvimento marcou o seu caminho rumo ao catolicismo. Contudo não se trata apenas de um desenvolvimento coerente de ideias. No conceito de desenvolvimento está em jogo a própria vida pessoal de Newman, [...] a própria experiência pessoal de uma conversão jamais concluída." O Papa afirmou ainda que, com esta concepção teológica, Newman "ofereceu-nos a interpretação não só do caminho da doutrina cristã, mas também da vida cristã".[3]
Sobre a primazia e a infalibilidade papais
O cardeal Newman defendeu que "a infalibilidade da Igreja é como uma medida adotada pela misericórdia do Criador para preservar a [verdadeira] religião no mundo e para refrear aquela liberdade de pensamento que, evidentemente, em si mesma, é um dos nossos maiores dons naturais, mas que urge salvar dos seus próprios excessos suicidas".[6]
O cardeal Newman defendeu ainda que a primazia papal, cuja força provinha da Revelação divina, "completa a consciência natural iluminada de maneira apenas incompleta, e “a sua razão de ser é o facto de ser o campeão da lei moral e da consciência”". Logo, para Newman, a liberdade de consciência, que também implica o cumprimento obrigatório dos deveres divinos ditados pela própria consciência, é compatível com a primazia e infalibilidade papais.[3]
Conversão de Newman
No seu discurso por ocasião da troca de votos natalícios com a Cúria Romana, no dia 20 de Dezembro de 2010, o Papa Bento XVI salientou o percurso da conversão de Newman e o desenvolvimento do seu pensamento, que acompanhou a sua conversão:
- "Devemos aprender das três conversões de Newman, porque são passos de um caminho espiritual que nos interessa a todos. Aqui desejo pôr em evidência apenas a primeira: a conversão à fé no Deus vivo. Até àquele momento, Newman pensava como a média dos homens do seu tempo e como a média dos homens também de hoje, que não excluem pura e simplesmente a existência de Deus, mas consideram-na em todo o caso como algo incerto, que não tem qualquer função essencial na própria vida. Como verdadeiramente real apresentava-se-lhe, a ele como aos homens do seu e do nosso tempo, o empírico, aquilo que se pode materialmente agarrar. Esta é a «realidade» segundo a qual nos orientamos. O «real» é aquilo que se pode agarrar, são as coisas que se podem calcular e pegar na mão. Na sua conversão, Newman reconhece precisamente que as coisas estão ao contrário: Deus e a alma, o próprio ser do homem a nível espiritual constituem aquilo que é verdadeiramente real, aquilo que conta. São muito mais reais que os objectos palpáveis. Esta conversão significa uma viragem copernicana. Aquilo que até então lhe apareceu irreal e secundário, revela-se agora como a realidade verdadeiramente decisiva. Onde se dá uma tal conversão, não é simplesmente um teoria que é mudada; muda a forma fundamental da vida. De tal conversão todos nós temos incessante necessidade: então estaremos no recto caminho."[7]
- "Em Newman, a forma motriz que impelia pelo caminho da conversão era a consciência. Com isto, porém, que se entende? No pensamento moderno, a palavra «consciência» significa que, em matéria de moral e de religião, a dimensão subjectiva, o indivíduo, constitui a última instância de decisão. O mundo é repartido pelos âmbitos do objectivo e do subjectivo. Ao objectivo pertencem as coisas que se podem calcular e verificar através da experiência. Uma vez que a religião e a moral se subtraem a estes métodos, são consideradas como âmbito do subjectivo. Aqui não haveria, em última análise, critérios objectivos. Por isso a última instância que aqui pode decidir seria apenas o sujeito; e é isto precisamente o que se exprime com a palavra «consciência»: neste âmbito, pode decidir apenas o indivíduo, o individuo com as suas intuições e experiências. A concepção que Newman tem da consciência é diametralmente oposta. Para ele, «consciência» significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer, precisamente nos âmbitos decisivos da sua existência – religião e moral –, uma verdade, a verdade. E, com isto, a consciência, a capacidade do homem de reconhecer a verdade, impõe-lhe, ao mesmo tempo, o dever de se encaminhar para a verdade, procurá-la e submeter-se a ela onde quer que a encontre. Consciência é capacidade de verdade e obediência à verdade, que se mostra ao homem que procura de coração aberto. O caminho das conversões de Newman é um caminho da consciência: um caminho não da subjectividade que se afirma, mas, precisamente ao contrário, da obediência à verdade que pouco a pouco se abria para ele."[7]
- "A sua terceira conversão, a conversão ao Catolicismo, exigia-lhe o abandono de quase tudo o que lhe era caro e precioso: os seus haveres e a sua profissão, o seu grau académico, os laços familiares e muitos amigos. A renúncia que a obediência à verdade, a sua consciência, lhe pedia, ia mais além ainda. Newman sempre estivera consciente de ter uma missão para a Inglaterra. Mas, na teologia católica do seu tempo, dificilmente podia ser ouvida a sua voz. Era demasiado alheia à forma dominante do pensamento teológico e mesmo da devoção. Em Janeiro de 1863, escreveu no seu diário estas palavras impressionantes: «Como protestante, a minha religião parecia-me miserável, mas não a minha vida. E agora, como católico, a minha vida é miserável, mas não a minha religião». Não chegara ainda a hora da sua eficácia. Na humildade e na escuridão da obediência, ele teve de esperar até que a sua mensagem fosse utilizada e compreendida. Para poder afirmar a identidade entre o conceito que Newman tinha da consciência e a noção subjectiva moderna da consciência, comprazem-se em fazer referência à sua palavra, segundo a qual ele – no caso de ter de fazer um brinde – teria brindado primeiro à consciência e depois ao Papa. Mas, nesta afirmação, «consciência» não significa a obrigatoriedade última da intuição subjectiva; é a expressão da acessibilidade e da força vinculadora da verdade: nisto se funda o seu primado. Ao Papa pode ser dedicado o segundo brinde, porque a sua missão é exigir a obediência à verdade."[7]
Homenagem e Louvor
A sabedoria e a ortodoxia doutrinária de Newman foram louvados por Leão XIII, Pio X e Pio XII. No séc. XX, já depois da morte do Cardeal Newman, o Papa Pio XII chegou mesmo a afirmar que Newman é a "Glória da Inglaterra e de toda a Igreja".[8]
Por ocasião da comemoração do centenário da sua morte, assim se referiu a Newman o então Cardeal Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), Prefeito da Congregação para Doutrina da Fé, em 28 de abril de 1990:
- "De Newman aprendemos a compreender a primazia do Papa: a liberdade de consciência assim ensinava Newman com a Carta ao Duque de Norfolk não se identifica de modo algum com o direito de “dispensar-se da consciência, de ignorar o Legislador e o Juiz, e de ser independentes de deveres invisíveis”. Deste modo a consciência, no seu significado autêntico, é o verdadeiro fundamento da autoridade do Papa. De facto, a sua força vem da Revelação, que completa a consciência natural iluminada de maneira apenas incompleta, e “a sua razão de ser é o facto de ser o campeão da lei moral e da consciência”." [3]
- "A doutrina de Newman sobre o desenvolvimento do dogma, que considero ser, com a doutrina sobre a consciência, o seu contributo decisivo para a renovação da teologia. Com isto ele pôs nas nossas mãos a chave para inserir na teologia um pensamento histórico, ou melhor: ele ensinou-nos a pensar historicamente a teologia, e precisamente desta forma, a reconhecer a identidade da fé em todas as mutações".[3]
- "A concepção de Newman sobre a ideia do desenvolvimento marcou o seu caminho rumo ao catolicismo. Contudo não se trata apenas de um desenvolvimento coerente de ideias. No conceito de desenvolvimento está em jogo a própria vida pessoal de Newman. Parece-me que isto se torna evidente na sua conhecida afirmação, contida no famoso Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã: “aqui, na terra, viver é mudar, e a perfeição é o resultado de muitas transformações”. Newman foi ao longo de toda a sua vida uma pessoa que se converteu, que se transformou, e desta forma permaneceu sempre ele mesmo, e tornou-se sempre mais ele mesmo".[3]
- "Newman expôs na ideia do desenvolvimento a própria experiência pessoal de uma conversão jamais concluída, e assim ofereceu-nos a interpretação não só do caminho da doutrina cristã, mas também da vida cristã. O sinal característico do grande doutor da Igreja parece-me que seja aquele que ele não ensina só com o seu pensamento e com os seus discursos, mas também com a sua vida, porque nele pensamento e vida compenetram-se e determinam-se reciprocamente. Se isto é verdade, então Newman pertence deveras aos grandes doutores da Igreja, porque ele toca ao mesmo tempo o nosso coração e ilumina o nosso pensamento."[3]
Causa de beatificação e canonização
Em 1991, John Henry Newman foi proclamado venerável, depois de uma intensa investigação sobre a sua vida e as suas obras feita pela Congregação para a Causa dos Santos.[9]
Ele foi beatificado em Birmingham, na visita de estado feita pelo Papa Bento XVI ao Reino Unido, em 19 de setembro de 2010.[1] Nessa ocasião, o escultor Tim Tolkien (bisneto de J.R.R. Tolkien, também convertido catolicismo) apresentou uma estátua de Newman que foi benzida pelo Papa.
Sua canonização foi realizada no Vaticano, feita pela sua Santidade o Papa Francisco, no dia 13 de outubro de 2019 juntamente com mais 4 beatos.[10]
Ver também
Referências
- ↑ ab «Papal visit: Pope Benedict in Birmingham»
- ↑ "JOHN HENRY NEWMAN"[ligação inativa], da Doutrina Católica
- ↑ ab c d e f g DISCURSO DO CARDEAL JOSEPH RATZINGER NO CENTENÁRIO DA MORTE DO CARDEAL JOHN HENRY NEWMAN (1990)
- ↑ «DESENVOLVIMENTO e EVOLUÇÃO DO DOGMA». Consultado em 25 de agosto de 2006. Arquivado do original em 25 de agosto de 2006
- ↑ «Revelation» (em inglês). Catholic Encyclopedia. Consultado em 22 de Setembro de 2010
- ↑ CARDEAL NEWMAN, Apologia pro vita sua. Editorial Verbo. 1974, pág. 276
- ↑ ab c Discurso do Papa Bento XVI por ocasião da troca de votos natalícios com a Cúria Romana, 20 de Dezembro de 2010
- ↑ "JOHN HENRY NEWMAN", da Doutrina Católica
- ↑ Miranda, Salvador. «John Henry Newman». The Cardinals of the Holy Roman Church. Consultado em 2 de Fevereiro de 2010
- ↑ «Irmã Dulce é canonizada pelo Papa Francisco e se torna a primeira santa brasileira». G1. Consultado em 13 de outubro de 2019