sábado, 4 de dezembro de 2021

DIA NACIONAL DA PESSOA COM ESCLEROSE MÚLTIPLA - 4 DE DEZEMBRO DE 2021

 

Esclerose múltipla

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Esclerose múltipla
Desmielinização causada pela EM. O tecido conjuntivo corado mostra vários macrófagos na área da lesão. Escala 1:100
SinónimosEsclerose em placas, esclerose disseminada, esclerose multilocular
EspecialidadeNeurologia
SintomasVisão dupla, cegueira num dos olhos, fraqueza muscular, problemas sensoriais, problemas de coordenação[1]
Início habitual20–50 anos de idade[2]
DuraçãoCrónica[1]
CausasDesconhecidas[3]
Método de diagnósticoBaseado nos sintomas e exames médicos[4]
TratamentoMedicação, fisioterapia[1]
PrognósticoDiminuição de 5–10 anos da esperança de vida[5]
Frequência2 milhões (2015)[6]
Mortes18 900 (2015)[7]
Classificação e recursos externos
CID-10G35
CID-9340
OMIM126200
DiseasesDB8412
MedlinePlus000737
eMedicineneuro/228 oph/179 emerg/321 pmr/82 radio/461
MeSHD009103
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Esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante de etiologia ainda desconhecida, caracterizada por uma reacção inflamatória na qual são danificadas as bainhas de mielina que envolvem os axónios dos neurónios cerebrais e medulares, levando à sua desmielinização e ao aparecimento de um vasto quadro de sinais e sintomas.[1][5] A doença manifesta-se geralmente em jovens adultos e é mais frequente em mulheres numa razão de cerca de 3:1.[5] A sua prevalência varia consoante a situação geográfica estudada, entre 2 e mais de 150 casos em cada 100 000 indivíduos, nos países tropicais e nos países nórdicos respetivamente .[8][9] A EM foi descrita pela primeira vez em 1868 por Jean-Martin Charcot.[10]

Devido a esta desmielinização, a EM afecta a capacidade das células nervosas do cérebro e da medula espinhal comunicarem entre si de forma eficaz. As células nervosas comunicam entre si através da transmissão de impulsos eléctricos, designados por potenciais de acção, ao longo dos seus filamentos extensos designados por axónios, os quais estão envolvidos por uma substância isolante chamada mielina. Na EM, o próprio sistema imunitário do corpo ataca e destrói a mielina. Uma vez destruída, os axónios deixam de poder transmitir o potencial de acção de um neurónio ao neurónio seguinte ficando assim a condução do estímulo nervoso interrompida.[11] O termo "esclerose múltipla" é uma referência às lesões, ou escleroses, que ocorrem sobretudo na substância branca do cérebro, cerebelo e medula espinal, que é constituída principalmente por fibras nervosas revestidas de mielina.[10] Embora sejam plenamente conhecidos os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da doença, a causa é ainda desconhecida. As teorias plausíveis inclinam-se para uma causa genéticainfecciosa ou muito provavelmente imunológica. Também foram identificados alguns factores de risco ambientais.[11][12][13]

A doença pode manifestar-se através de praticamente qualquer sintoma neurológico, dependente da localização da placa de desmielinização, e frequentemente evolui com a perda de capacidades físicas e cognitivas.[11] A EM pode assumir várias formas, e cada novo sintoma pode ocorrer em ataques discretos e isolados (forma recrudescente) ou os sintomas podem-se ir acumulando ao longo do tempo (forma progressiva).[14] Entre cada ataque, a sintomatologia pode desaparecer por completo, embora normalmente se verifiquem sequelas neurológicas permanentes, sobretudo à medida que a doença progride.[14]

Não se conhece uma cura eficaz contra a esclerose múltipla. O tratamento baseia-se na tentativa de melhoria das funções fisiológicas comprometidas depois de um ataque, na prevenção de novos episódios e na prevenção da degenerescência .[11] A medicação para a EM pode apresentar vários efeitos colaterais e mesmo ser mal tolerada pelo organismo, o que leva a que muitas pessoas procurem tratamentos alternativos, apesar da falta de evidências científicas que os confirmem. É difícil obter um prognóstico preciso; depende do sub-tipo da doença, da característica individual da doença, dos sintomas iniciais e do grau de degenerescência que o indivíduo apresenta à medida que a doença progride.[15] A esperança de vida em doentes de EM é de cerca de cinco a dez anos inferior à da restante população.[5]

Sinais e sintomas

Principais sintomas da esclerose múltipla

O indivíduo com EM pode experimentar praticamente qualquer sinal ou sintoma neurológico, incluindo alterações sensoriais como a perda de sensibilidade táctil ou formigueiro, parestesia, fadiga muscular, clónusespasmos musculares ou dificuldades locomotoras; dificuldades na coordenação e de equilíbrio (ataxia); dificuldades na fala (disartria) ou na deglutição (disfagia); problemas visuais tais como fosfenodiplopianistagmo, na sequência de uma neurite óptica.[16][17] Fadigador aguda ou crónica e dificuldades miccionais e do peristaltismo intestinal com obstipação secundária.[5] São também comuns vários graus de degradação da capacidade cognitiva, bem como sintomas de depressão nervosa e humor instável, alternando entre episódios de choro e de alegria eufórica.[5] São também característicos da EM, embora não exclusivos, fenómeno de Uhthoff, um agravamento dos sintomas em função da exposição a temperaturas superiores ao normal, e o sinal de Lhermitte, uma sensação de corrente eléctrica que irradia pela coluna vertebral ao dobrar o pescoço.[5]

Nistagmo

Os sintomas da EM pioram normalmente durante episódios agudos de agravamento, designados por recaídas ou agudizações, ou devido a uma degenerescência progressiva e contínua das funções neurológicas, ou ainda uma conjugação de ambos.[14] As recaídas da EM são quase sempre imprevisíveis, ocorrem sem aviso prévio e sem causa aparente, a um ritmo raramente superior a um episódio e meio por ano.[5] Alguns ataques, no entanto, são antecedidos por estímulos comuns. As recaídas ocorrem com maior frequência durante a primavera e o verão.[18] As infecções virais, como a rinofaringitegripe ou gastroenterite, aumentam o risco de novos episódios.[5] O stresse pode também desencadear um ataque.[19] A gravidez afecta a susceptibilidade às agudizações, baixando o ritmo de ocorrência a cada trimestre de gestação. Durante os primeiros meses após o parto, no entanto, é maior o risco de ocorrer um ataque.[5] De uma maneira geral, a gravidez não parece ter influência na degenerescência a longo prazo. Muitos dos potenciais estímulos foram já examinados e demonstrou-se que não têm influência no ritmo de ocorrência dos episódios. Não há qualquer evidência que a vacinação, a amamentação,[5] o trauma físico,[20] ou que o fenómeno de Ohthoff[18] sejam estímulos de ataques.

Para quantificar o grau de progressão das incapacidades ocorridas durante a evolução da doença e a gravidade dos sintomas usa-se habitualmente a escala expandida do estado de incapacidade (EDSS, do original expanded disability status scale).[21]

Causas

A esclerose múltipla é provavelmente consequência de uma determinada combinação de factores genéticos, ambientais e infecciosos,[5] e possivelmente outros factores, como problemas vasculares.[22] Os estudos epidemiológicos da EM têm fornecido indícios para possíveis causas da doença. As várias teorias tentam relacionar os dados até agora conhecidos com explicações plausíveis, embora nenhuma seja ainda definitiva.

Genética

Região HLA do cromossoma 6. As alterações nesta área aumentam a probabilidade de vir a sofrer de EM.

A EM não é considerada uma doença hereditária. No entanto, tem-se verificado que algumas variações genéticas aumentam o risco de vir a desenvolver a doença.[23] O risco de contrair EM é maior nos familiares de um indivíduo com a doença do que na população em geral, em particular entre irmãos ou entre pais e filhos.[11] A doença apresenta uma taxa de recidiva familiar de 20%.[5] Em casos de gémeos monozigóticos, a concordância ocorre em 35% dos casos, enquanto que entre irmãos é de apenas 5% e ainda menor no caso de meios-irmãos. Isto demonstra que a susceptibilidade à doença é em parte poligénica,[5][11] e parece ser mais comum em certos grupos étnicos do que outros.[24]

Para além de estudos em famílias, têm sido associados à EM genes específicos. Diferenças no sistema do antigénio leucocitário humano (HLA) – um grupo de genes no cromossoma 6 que actuam nos seres humanos como complexo principal de histocompatibilidade (MHC) – aumentam a probabilidade de vir a sofrer de EM.[5] A descoberta mais consistente é a associação entre a EM e os alelos do MHC DR15 e DQ6.[5] Outras áreas têm demonstrado um efeito protector, como os HLA-C554 e HLA-DRB1*11.[5] Recentemente, a associação entre alelos HLA (classe II), especialmente a região DRB1, e outros genes, tais como o CIITA que é um transativador HLA.[25]

Factores ambientais

Têm sido propostos como factores de risco da EM diversos factores ambientais, tanto de origem infecciosa como não-infecciosa. Embora alguns sejam parcialmente modificáveis, só uma investigação mais aprofundada, sobretudo ensaios clínicos, é que pode demonstrar se a sua eliminação por completo pode ajudar a prevenir a EM.[26]

A prevalência da EM aumenta à medida que aumenta a latitude, embora existam excepções.[5] Tem-se associado a exposição a radiações solares menos agressivas e exposição a menor índice de calor a um risco acrescido de EM.[26] A diminuição da produção e ingestão de vitamina D tem sido o principal mecanismo biológico usado para explicar o risco acrescido entre os que estão expostos à menores índices de radiação solar.[26][27][28]

Embora as evidências sejam fracas, o stresse pode constituir um factor de risco.[26] É duvidoso se o tabagismo seria um factor de risco independente para vir a desenvolver EM.[27] Tem-se estudado a exposição em ambiente laboral a determinadas toxinas, sobretudo solventes, embora ainda não se tenha obtido conclusões claras.[26] As vacinas foram também investigadas enquanto prováveis factores de risco, embora a maior parte dos estudos mostre não existir qualquer associação entre a EM e a vacinação.[26] Foram também investigados vários outros possíveis factores de risco, inclusive o tipo de alimentação[29] e a ingestão de hormonas, embora as evidências da sua relação com a doença sejam escassas e pouco convincentes.[27]

Em um estudo, a gota ocorreu com menos frequência em indivíduos portadores EM, que apresentam níveis inferiores de ácido úrico quando comparados com o resto da população. Isto levou a que se propusesse que o ácido úrico poderia eventualmente oferecer uma protecção contra a EM, embora a sua importância em concreto seja ainda desconhecida.[30]

Infeções

Têm sido propostos vários agentes patogénicos como potenciais causas da EM, embora nenhum tenha sido comprovado.[11] Em idades muito jovens, a mudança de uma parte do mundo para outra altera o risco dessa pessoa vir a contrair EM.[12] Uma possível explicação para isto pode estar no facto da doença ter origem em algum tipo de infecção produzida por um micróbio amplamente disseminado, em vez de o ser por um agente patogénico raro.[12] Existe uma série de mecanismos propostos para a origem infecciosa, incluindo a hipótese da higiene e a hipótese da prevalência. A hipótese da higiene propõe que a exposição a vários agentes infecciosos durante os primeiros anos de vida oferece protecção contra a EM por estimulação do sistema imunitário.[5] A hipótese da prevalência propõe que a doença seja devida a um agente patogénico mais comum em regiões com alta prevalência de EM, onde na maior parte dos indivíduos cause apenas uma infecção persistente mas assintomática, causando a desmielinização só depois de muitos anos e apenas em alguns indivíduos.[12][31] A hipótese da higiene tem recebido mais apoio do que a hipótese da prevalência.[12]

Entre as evidências que apontam para as causas virais encontra-se a presença de bandas oligoclonais no cérebro e no fluido cerebroespinal da maior parte dos indivíduos com EM, a associação existente entre vários vírus e encefalomielites desmielizantes, e a indução de desmielinização em animais através de infecções virais.[32] Os vírus do herpes humano são também um grupo provável de ligação com a EM. Indivíduos que nunca tenham sido infectados pelo vírus Epstein-Barr apresentam um risco reduzido de vir a contrair a doença, e os que foram infectados em jovens adultos apresentam um risco maior do que aqueles que foram infectados em idades precoces.[5][12] Embora alguns considerem que isto contradiga a hipótese da higiene, uma vez que os não-infectados tiveram provavelmente uma melhor educação em termos de higiene,[12] outros acreditam que não há qualquer contradição uma vez que é a primeira exposição num momento tardio com o vírus responsável que espoleta a doença.[5] Têm também sido relacionadas com a EM outras doenças, como o sarampo, a papeira e a rubéola.[5]

Anomalias vasculares

Ultimamente, com as descobertas de Paolo Zamboni sobre a insuficiência venosa crónica cérebro-espinal e o achado na grande maioria destes pacientes de malformações venosas extra-cerebrais que dificultam a drenagem venosa cerebral, como estenoses das veias ázigos e jugulares, a hipótese do aumento da pressão venosa intra-cerebral, como factor desencadeante da doença, parece plausível. O facto da particular relação entre a prevalência e a distribuição geográfica da doença vem ao encontro desta hipótese na medida em que a vasoconstrição provocada pelo frio poderia agravar uma patologia vascular já existente mas ainda não significativa para desencadear a doença. No entanto, só o tempo e mais estudos sobre os resultados do tratamento cirúrgico destas malformações vasculares, que está a ser presentemente efectuado nestes pacientes, podem ser conclusivos.[13]

Fisiopatologia

Desmielinização durante a EM. Amostra de mielina corada pelo método de Klüver-Barrera e onde se pode ver a descoloração na área da lesão (escala 1:100).

Imunologia

Acredita-se que a esclerose múltipla seja uma doença imuno-mediada por uma série de interacções complexas entre a genética do indivíduo e factores ambientais ainda não identificados.[11] Pensa-se que as lesões sejam causadas pelo próprio sistema imunitário que reconhece e ataca auto-antígenos no sistema nervoso, como a proteína básica de mielina (MBP).[11]

Lesões

O termo "esclerose múltipla" refere-se às lesões, ou escleroses, que se formam no sistema nervoso. As lesões da EM afectam sobretudo as áreas de massa branca perto dos ventrículos do cerebelo, do tronco cerebral, dos gânglios da base, da medula espinal e do nervo óptico. A função das células da matéria branca é o transporte de sinais entre as áreas da massa cinzenta, onde é feito o seu processamento, e o resto do corpo. O sistema nervoso periférico raramente é afectado.[11]

Em detalhe, a EM destrói os oligodendrócitos, células responsáveis pela criação e manutenção da camada lipoproteica, designada bainha de mielina, que permite aos neurónios a transmissão dos impulsos eléctricos.[11] Isto tem como resultado a destruição ou o adelgaçamento da camada de mielina e, à medida que a doença progride, a degenerescência total dos axónios dos neurónios. Uma vez perdida a mielina, um neurónio deixa de ser capaz de conduzir os impulsos eléctricos de forma eficaz.[11] Durante os estágios iniciais da doença, o corpo desencadeia um processo regenerativo, designado remielinização, embora os oligodendrócitos não sejam capazes de reconstruir por completo o revestimento de mielina das células.[33] A frequência das agudizações da doença leva a que haja cada vez menos remielinizações bem sucedidas, até que se forma uma placa de tecido fibroso à volta dos axónios danificados.[33] Foram já descritos vários padrões de lesões.[34]

Processo inflamatório

Placas de esclerose múltipla no cerebelo

Para além da desmielinização, a outra característica patológica da doença é a reação inflamatória. Descrita de um ponto de vista estritamente imunulógico, a EM é um processo inflamatório com origem nos linfócitos T. Os linfócitos são células que desempenham um papel fundamental nas defesas do corpo.[11] Na EM, os linfócitos T conseguem penetrar no cérebro através de rupturas na barreira hematoencefálica. As evidências de modelos animais apontam também para a implicação dos linfócitos B, em conjunto com os linfócitos T, no desenvolvimento da doença.[35]

Os linfócitos T interpretam a mielina como um corpo estranho e atacam-na como se se tratasse de um vírus invasor. Esta acção, por sua vez, desencadeia processos inflamatórios, estimulando outras células defensivas e a produção de citocinas e anticorpos. Formam-se novas rupturas na barreira hematoencefálica, que por sua vez causa uma série de outros efeitos nocivos, como o edema, a activação de macrófagos, e a secreção de mais citocinas e outras proteínas destrutivas.[11]

Ruptura da barreira hematoencefálica

barreira hematoencefálica é uma camada endotelial espessa e dificilmente permeável, que recobre os capilares do sistema nervoso central e isola-os impedindo a passagem de determinadas substâncias ou células do sangue para o fluido cerebral extra-capilar como os linfócitos T. É um filtro extremamente seletivo.[36] No entanto, pode tornar-se permeável a este tipo de células, como consequência de um processo inflamatório ou infeccioso, bacteriano ou viral.[11] Quando a barreira recupera a sua integridade, os linfócitos T ficam aprisionados dentro do cérebro.[11]

Diagnóstico

A esclerose múltipla pode ser difícil de diagnosticar, uma vez que partilha sinais e sintomas com várias outras condições clínicas.[5][37] As instituições médicas têm vindo a elaborar uma série de critérios de diagnóstico de modo a facilitar e padronizar todo o processo, sobretudo durante os primeiros estágios da doença.[5] Até há pouco tempo, os métodos mais populares eram os critérios de Schumacher e de Poser.[38]

Actualmente, os critérios de McDonald focam-se na demonstração da presença da doença através de dados clínicos, radiológicos e laboratoriais da disseminação das lesões características da EM no espaço e no tempo, sendo estes dados recolhidos de forma não-invasiva. No entanto, algumas fontes referem que a única forma de obter um diagnóstico definitivo de EM é através de uma autópsia, ou em alguns casos biópsia, onde essas mesmas lesões podem ser confirmadas através de técnicas histopatológicas.[5][39][40]

Os dados clínicos por si só podem ser suficientes para o diagnóstico de EM em casos de indivíduos que tenham sofrido episódios isolados de sintomas neurológicos característicos da EM.[39] Uma vez que algumas pessoas procuram cuidados médicos depois do primeiro ataque, outro tipo de exames pode acelerar e facilitar o diagnóstico. As ferramentas de diagnóstico mais comuns são a neuroimagiologia, a análise ao líquido cefalorraquidiano e os potenciais evocados. As áreas onde ocorre desmielinização (através de lesões ou placas) podem ser observadas através de ressonâncias magnéticas ao cérebro e à medula espinal. Pode ser administrado contraste por via intravenosa, normalmente gadolínio, de modo a salientar as placas activas e demonstrar também a presença de lesões anteriores que não estejam associadas com os sintomas no momento do exame.[39][41] A análise do líquido cefalorraquidiano, recolhido através de uma punção lombar, pode confirmar a presença de inflamações crónicas do sistema nervoso central, confirmando a presença ou ausência de bandas oligocionais de IgG na amostra, que são marcadores inflamatórios encontrados em 75 a 85% dos portadores de EM.[39][42] O sistema nervoso de uma pessoa com EM é menos reactivo ao estímulo do nervo óptico e dos nervos sensoriais devido à desmielinização das vias nervosas. A reacção do cérebro pode ser examinada através de potenciais evocados visuais e sensoriais.[43]

Classificação

Progressão dos vários subtipos de EM.

A EM é classificada segundo vários subtipos, ou padrões de progressão, que permitem prever a evolução da doença através da análise do padrão de progressão passado. São importantes não só para o prognóstico, mas também para decisões de terapêutica. Em 1996 a National Multiple Sclerosis Society definiu quatro subtipos padrão de EM:[14]

  1. Esclerose Múltipla Recidivante Remitente (EMRR);
  2. Esclerose Múltipla Secundária Progressiva (EMSP);
  3. Esclerose Múltipla Primária Progressiva (EMPP);
  4. Esclerose Múltipla Primária Recidivante (EMPR).

subtipo recidivante remitente (EMRR) é caracterizado por recidivas imprevisíveis, seguidas de um período de meses ou anos de relativa tranquilidade (remitência) sem novos sintomas da actividade da doença. Os défices neurológicos que ocorrem durante os ataques podem desaparecer por si mesmo ou deixar sequelas, sendo a última situação mais comum em função do tempo decorrido.[5] Isto corresponde ao estágio inicial de 80% dos indivíduos com EM.[5] Quando os défices neurológicos desaparecem por si próprios entre os ataques, o fenómeno é por vezes designado de "esclerose múltipla benigna",[44] embora a longo prazo o indivíduo venha na mesma a sofrer de algum grau de incapacidade.[5] O subtipo recidivante remitente tem normalmente início com uma síndrome clínica isolada (SCI), durante a qual um indivíduo é afectado por um ataque que sugere desmielinização, embora não cumpra os critérios para esclerose múltipla.[5][45] No entanto, apenas 30 a 70% dos indivíduos que sofrem um SCI é que mais tarde desenvolvem EM.[45]

Axónio nervoso com revestimento de mielina.

esclerose múltipla secundária progressiva (EMSP) corresponde a cerca de 65% dos casos em que existe esclerose recidivante remitente durante os estágios iniciais, e que a partir de determinado momento começam a sofrer declínio neurológico entre os episódios agudos de ataques, sem existirem quaisquer períodos claros de remissão.[5][14] Podem aparecer recidivas ocasionais e remissões menores.[14] O tempo médio que decorre entre o aparecimento da doença e a conversão de EM recidivante remitente em EM secundária progressiva é de dezanove anos.[46]

esclerose múltipla primária progressiva (EMPP) corresponde a aproximadamente 10 a 15% dos indivíduos que nunca tiveram remissão após os sintomas iniciais de EM.[47] Caracteriza-se pela progressão contínua do grau de incapacidade a partir do aparecimento da doença, com poucas ou nenhumas remissões ou melhorias.[14] A idade média em que o subtipo primário progressivo aparece é superior à do subtipo recidivante remitente, embora seja semelhante à idade média de progressão de recidivante remitente para secundária progressiva. Em ambos os casos perto dos quarenta anos de idade.[5]

esclerose múltipla primária recidivante (EMPR) descreve os indivíduos que, desde o aparecimento da doença, demonstram um declínio neurológico constante, mas para além disso sofrem ataques adicionais. Este é o subtipo mais raro entre todos.[14]

Existem também variantes atípicas de EM, entre elas a neuromielite óptica, a esclerose concêntrica de Baló, a esclerose difusa e a variante de Marburg. Existe um debate sobre se estas patologias são variantes da EM ou constituem doenças autónomas.[48] A EM progride também de forma diferente em crianças e leva mais tempo a atingir a fase progressiva,[5] sendo a idade média a que ocorre a transição inferior à dos adultos.[5]

Tratamento

Embora não seja conhecida qualquer cura para a esclerose múltipla, há várias terapias que ajudam a mitigar os efeitos da doença. Os principais objectivos da terapia são o restabelecimento das funções do paciente após um episódio de ataque, a prevenção de novos ataques e a prevenção da degenerescência. À semelhança de qualquer terapêutica, a medicação usada na gestão da EM apresenta diversos efeitos secundários. Algumas pessoas procuram o apoio de terapias alternativas, apesar da escassez de estudos científicos comparativos e replicáveis que as comprovem.

Medicamentos que melhoram o surto agudo

Durante os episódios sintomáticos, a terapia de rotina para as recidivas é a administração de doses elevadas de corticosteróides por via intravenosa.[5] Embora geralmente eficazes no alívio de sintomas a curto prazo, o tratamento com corticosteróides não aparenta ter impacto significativo no recobro a longo prazo.[49] Tanto a administração oral como a intravenosa parecem ter o mesmo grau de eficácia.[50] As consequências de ataques graves que não respondam aos corticosteróides podem ser tratadas através de plasmaferese.[5]

Medicamentos modificadores da doença

Os medicamentos modificadores da doença (MMD) são caros e a maior parte requer injecções frequentes, alguns diariamente, enquanto que outros necessitam de infusões a cada 1 a 3 meses.

O uso de fingolimod (marca comercial: Gilenya) para o tratamento da EM foi aprovado nos Estados Unidos em 2010 e na Europa em 2011. Estão actualmente disponíveis seis medicamentos de combate à doença aprovados por entidades reguladoras de vários países, sendo os outros cinco: o Interferão beta-1a (marcas comerciais: AvonexCinnoVexReciGen e Rebif) e o Interferão beta-1b (marca comercial: Betaferon na Europa e no Japão, e Betaseron nos Estados Unidos). O terceiro medicamento disponível é o acetato de glatirâmero (Copaxone), um imunomodulador não-esteróide e não-interferão. O quarto medicamento é a mitoxantrona, um imunossupressor também usado na quimioterapia do cancro. O quinto é o natalizumab (comercializado como Tysabri), um imunomodulador de anticorpos monoclonais humanizado. Os interferões e o acetato de glatirâmero são administrados através de injecções frequentes, variando entre uma dose diária para o acetato de glatirâmero até uma injecção semanal intra-muscular de Avonex. O natalizumab e a mitoxantrona são administrados através de infusões intravenosas em intervalos mensais.[5]

Todos os seis tipos de fármacos demonstram eficácia moderada na redução do número de ataques na EM recidivante remitente (EMRR), embora a capacidade dos interferões e do acetato de glatirâmero seja controversa e sejam ainda poucos os ensaios relativos aos seus efeitos a longo prazo.[5][51] Os comparativos entre imunomoduladores (à excepção da mitoxantrona) revelam que o mais eficaz é o natalizumab, tanto em termos de redução da frequência das recidivas como no atraso da progressão da degenerescência.[52] A mitoxantrona pode ser o mais eficaz entre todos; no entanto, não é considerada uma terapia de longo prazo uma vez que o seu uso é restringido por efeitos secundários graves.[5][51] A primeira manifestação clínica de EMRR é a síndrome clínica isolada (SCI). O tratamento com interferões durante o ataque inicial pode diminuir as hipóteses dessa pessoa vir a desenvolver EM clínica.[5]

O tratamento da EM progressiva é mais difícil do que a EMRR. A mitoxantrona demonstrou ter alguns efeitos benéficos em indivíduos com EM secundária progressiva e primária recidivante. É ainda moderadamente eficaz na redução da progressão da doença e na frequência das recidivas a curto prazo.[53] Não há ainda nenhum tratamento que se tenha demonstrado eficaz na alteração do progresso da EM primária progressiva.[54]

À semelhança de outras terapêuticas, estes tratamentos têm vários efeitos secundários. Um dos mais comuns é a irritação na área da injecção no caso do acetato de glatirâmero do tratamento com interferões. Com o decorrer do tempo, pode-se desenvolver na mesma área uma cavidade visível designada lipoatrofia, em consequência da destruição local do tecido adiposo. Os interferões estão também na origem de sintomas semelhantes aos da gripe.[55] Alguns pacientes que tomam glatirâmero desenvolvem após a injecção uma reacção cujos sintomas incluem rubor, sensação de aperto no peito, palpitações cardíacas, falta de ar e ansiedade que normalmente duram menos de trinta minutos.[56] Mais perigosas, embora muito mais raras, são as lesões hepáticas causadas pelos interferões,[57] a cardiotoxicidade, a infertilidade e a leucemia mieloide aguda causadas pela mitoxantrona,[5][51] e a ligação entre o natalizumab e alguns casos de leucoencefalopatia multifocal progressiva.[5]

Gestão dos efeitos

Os medicamentos modificadores da doença diminuem a progressão da doença, mas não a param. À medida que a esclerose múltipla progride, a sintomatologia tende a aumentar. A doença está associada a uma série de sintomas e de défices funcionais que estão na origem de um vasto espectro de progressiva debilidade e deficiência. Gerir estes défices é bastante importante. As terapias farmacológicas e a neuroreabilitação aliviam o fardo de certos sintomas, embora nenhuma tenha qualquer influência na progressão da EM.[5][58] Alguns sintomas respondem de forma adequada à medicação, como a bexiga irritada ou a espasticidade, enquanto outros são de gestão bastante mais complexa.[5] Tal como acontece em qualquer indivíduo com défices neurológicos, uma abordagem multidisciplinar é a chave para melhorar a qualidade de vida. No entanto, há dificuldade em criar uma equipa de acompanhamento, uma vez que o paciente de EM vai requerer ajuda de praticamente qualquer especialidade médica a determinada altura.[5] Os programas multidisciplinares de reabilitação aumentam a actividade e a participação de pessoas com EM, mas não têm influência no grau de deficiência.[59]

No passado, os portadores de EM eram aconselhados a não participar em actividades físicas com receio que isso agravasse os sintomas.[60] No entanto, caso seja feita sob a orientação de um fisioterapeuta, a participação em actividades físicas pode ser segura e tem-se mostrado benéfica para as pessoas com EM.[61] A investigação tem suportado o papel reabilitador da actividade física ao melhorar a resistência muscular,[62] a mobilidade,[62] a disposição,[63] a saúde intestinal e[64] e sensação geral de bem estar e de qualidade de vida.[62] Deve ser tomado especial cuidado em não sobreaquecer uma pessoa com EM durante a realização de exercício físico. Os fisioterapeutas têm as competências necessárias para prescrever programas de exercício adequados ao paciente.[61] Dependendo da pessoa, as actividades podem incluir treino de resistência,[65] caminhadas, natação e ioga.[64] Determinar um programa adequado e seguro é difícil e deve ser personalizado de forma cuidada, levando em conta todas as contra indicações e precauções.[61] Há algumas evidências que sustentam que determinadas medidas de arrefecimento são eficazes em permitir exercício físico mais intenso.[66]

Tratamentos alternativos

Muitas pessoas com EM recorrem a tratamentos complementares e à medicina alternativa. Dependendo do tratamento, as evidências que demonstram a sua eficácia são mal sustentadas ou inexistentes.[67] Entre os métodos recorrentes estão a dieta de Swank, baixa em gorduras saturadas,[68] as plantas medicinais (incluindo o uso de cannabis medicinal),[69] a oxigenoterapia hiperbárica[70] e a auto-infecção com os parasitas da ancilostomíase, conhecida como terapia helmíntica.[71]

Prognóstico

Esperança de vida corrigida pela incapacidade em relação à esclerose múltipla por cada 100 000 habitantes em 2004
  sem dados
  <13
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prognóstico de uma pessoa com esclerose múltipla depende do subtipo da doença, de características individuais como o sexo, idade e sintomas iniciais, e do grau de incapacidade que afecta essa pessoa.[15] A doença progride e regride ao longo de várias décadas, correspondendo a uma esperança média de vida de trinta anos a partir do seu aparecimento.[5]

Há uma série de factores que têm vindo a ser associados a um prognóstico mais favorável da progressão da doença, como o sexo feminino, o subtipo recidivante remitente, a neurite óptica ou sintomas neurológicos no estágio inicial, um número reduzido de ataques nos primeiros anos e, sobretudo, o início da doença em idade jovem.[15][72]

esperança de vida de indivíduos com EM é de cinco a dez anos inferior à média da população não afectada.[5] Cerca de 40% dos portadores de EM chegam à sétima década de vida.[72] No entanto, dois terços dos óbitos em pessoas com EM estão directamente relacionados com consequências da doença.[5] O suicídio tem também maior prevalência em relação à população saudável, enquanto que as infecções são particularmente perigosas para aqueles com maior grau de degenerescência .[5]

Embora a maior parte dos portadores venha a perder a capacidade de locomoção autónoma antes da morte, 90% são ainda capazes de caminhar dez anos depois do aparecimento da doença e 75% quinze anos depois.[72][73]

Epidemiologia

As duas principais medidas usadas nos estudos epidemiológicos são a incidência e a prevalência. A incidência é o número de novos casos por determinado número de pessoas em risco e em determinado intervalo de tempo (normalmente, o número de novos casos por cada mil indivíduos a cada ano). A prevalência é o número total de casos da doença entre a população em determinada data.[74]

A prevalência depende não só da incidência, como também da taxa de sobrevivência e das migrações de indivíduos afectados. A EM tem uma prevalência de 2 a 150 por cada 100 000 indivíduos, dependendo do país ou da população em análise.[9] Em Portugal a prevalência é estimada em cinquenta casos por cada cem mil habitantes.[75] No Brasil, dependendo da região pode ir de 4,41 a 19 casos por 100 000 habitantes.[76] Tem sido frequente a elaboração de estudos sobre os padrões populacionais e geográficos das medidas epidemiológicas em relação à EM,[31] o que tem levado à proposta de várias teorias etiológicas em relação à causa da patologia.[12][26][27][31]

A EM normalmente aparece em adultos na casa dos 30 anos, embora também possa aparecer em crianças.[5] O subtipo primário progressivo é mais frequente em pessoas na casa dos 50.[47] À semelhança de outros distúrbios autoimunes, a doença é mais frequente em mulheres, tendência que aparenta ter vindo a aumentar.[5][77] Esta proporção entre sexos é ainda mais acentuada em crianças,[5] enquanto que em indivíduos com idade superior a 50 anos a EM afecta ambos os sexos de forma equivalente.[47]

Há uma diminuição da prevalência de norte para sul no hemisfério norte e de sul para norte no hemisfério sul, sendo a doença muito menos frequente nos habitantes dos países próximos do equador.[5][77] O clima, a exposição solar e a ingestão de vitamina D têm sido investigados enquanto causas prováveis para a explicação desta variação em termos de latitude.[27] No entanto, há excepções notáveis ao padrão norte-sul, assim como alterações nas taxas de prevalência ao longo do tempo.[5] No geral, esta tendência parece estar a desaparecer.[77] Isto indica que para a determinação da causa da EM devem ser considerados outros factores ambientais e genéticos.[5] A EM é também mais comum em regiões onde a população tenha origem norte-europeia.[5] Mas mesmo em regiões onde a EM é comum, alguns grupos étnicos demonstram menor risco de vir a desenvolver a doença, como os lapões, os turcomenos, os povos ameríndios, os huteritas canadianos, os povos africanos e os maori neozelandeses.[78]

Alguns factores ambientais durante a infância podem também desempenhar um papel importante no desenvolvimento de EM em idade posterior. Vários estudos em migrantes mostram que em migrações realizadas antes de completar quinze anos de idade, o migrante adquire a susceptibilidade da nova região à EM. Caso a migração ocorra depois dos quinze anos, o migrante mantém a mesma susceptibilidade da sua região de origem.[5][26] No entanto, o risco pode-se alargar a um intervalo de idades maior.[5] Tem-se também verificado uma relação entre a EM e a estação do ano em que se dá o nascimento, facto que tem vindo a sustentar a sua relação com a luz solar e a vitamina D. Por exemplo, nascem menos portadores de EM em Novembro em comparação com Maio.[79]

História

Detalhe de uma ilustração do livro de Carswell onde se descreve as lesões de EM no tronco cerebral e na medula espinal (1838).

neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825–1893) foi a primeira pessoa a reconhecer a esclerose múltipla como doença distinta em 1868.[80] Através da revisão de relatórios anteriores e das suas próprias observações clínicas e patológicas, Charcot designou a doença "esclerose em placas". Os três sinais de EM, conhecidos hoje em dia como tríade de Charcot, são o nistagmotremor intencional e fala telegráfica, embora não sejam exclusivos da EM. Charcot observou também alterações cognitivas, ao descrever nos seus pacientes "nítido enfraquecimento de memória" e "formação lenta de concepções".[10]

Já antes de Charcot, Robert Carswell (1793–1857), professor britânico de patologia, e Jean Cruveilhier (1791–1873), professor francês de anatomia patológica, tinham descrito e ilustrado vários dos detalhes clínicos da doença, embora não a tenham identificado como doença autónoma.[80] Carswell descreveu as lesões por si observadas como "lesões notáveis da medula espinal acompanhadas de atrofia".[5] O patologista suiço Georg Eduard Rindfleisch (1836–1908), através de observações microscópicas, fez notar em 1863 que as lesões associadas a inflamações se distribuíam em volta dos vasos sanguíneos.[81][82]

Posteriormente à descrição de Charcot, Eugène Devic (1858–1930), Jozsef Balo (1895–1979), Paul Ferdinand Schilder (1886–1940) e Otto Marburg (1874–1948) descreveram os casos especiais da doença. Ao longo de todo o século XX foram sendo propostas várias teorias relativas à causa e patogénese da EM, embora os primeiros tratamentos eficazes só tenham surgido a partir de 1990.[5]

Investigação

Terapias

Estrutura química do alemtuzumab.

As principais linhas de investigação no tratamento de EM estão orientadas para pesquisa da patogenia e heterogenia da EM; para a procura de tratamentos mais cómodos, eficazes e toleráveis para a EMRR; para a criação de terapias para os sub-tipos progressivos; para estratégias de neuroprotecção; e para a procura de tratamentos eficazes dos sintomas.[83] Estão a ser investigados vários tratamentos que limitam os efeitos dos ataques ou que atenuam a perda de funções. Entre os agentes para o tratamento da EMRR que se têm mostrado promissores em segundas fases de ensaios clínicos estão o alemtuzumab (marca comercial Campath), daclizumab (marca comercial Zenapax), rituximabdirucotideBHT-3009cladribinafumarato de dimetiloestriollaquinimodpeginterferão beta-1a,[84] minociclinaestatinastensirolímus e teriflunomide.[83]

Em 2010, uma comissão da FDA recomendou a aprovação de fingolimod para o tratamento de ataques de EM,[85] tornando-se em setembro do mesmo ano (sob a marca comercial Gilenya) o primeiro fármaco de administração oral aprovado para reduzir as recidivas e retardar a progressão da degenerescência em indivíduos com formas recorrentes de EM.[86] Os ensaios clínicos de fingolimod demonstraram a ocorrência de efeitos secundários, entre os quais problemas cardiovasculares, edema macular, infecções, toxicidade hepática e casos de malignidade.[87][88]

Tem havido bastante interesse na perspectiva de utilização de análogos de vitamina D na prevenção e controlo da EM, dado o seu possível papel na patogénese da doença. Embora haja evidências anedóticas dos benefícios da administração de pequenas doses de naltrexona,[89] só foram publicados resultados de um estudo piloto em casos de EM primária recidivante.[90]

Biomarcadores

A variedade de manifestações clínicas da EM e a inexistência de exames laboratoriais de diagnóstico estão na origem de atrasos e da impossibilidade de obter diagnósticos preventivos. Estão a ser investigados novos meios de diagnóstico, nos quais se inclui o trabalho com anticorpos anti-mielina, a análise de microarrays de expressões génicas e estudos com soro e líquido cefalorraquidiano, embora nenhum deles tenha mostrado ainda resultados positivos de confiança.[91]

Actualmente, não existem métodos laboratoriais acreditados que possam prever o diagnóstico. No entanto, têm vindo a ser propostas várias abordagens promissoras. A investigação sobre a possibilidade de prever a evolução da doença tem-se centrado na monitorização da sua actividade. Os biomarcadores de activação da EM englobam a interleucina 6, o óxido nítrico, a óxido nítrico sintase, a osteopontina e a fetuína-A.[91] Por outro lado, uma vez que a progressão da doença é o resultado de neurodegeneração, está a ser investigado o papel de proteínas que indicam a perda de neurónios, axónios e neuróglia, como neurofilamentosproteína tauácido N-acetilaspártico.[91]

Insuficiência venosa crónica cérebro-espinal

Em 2008, o cirurgião vascular Paolo Zamboni divulgou dados de investigação que sugeriam a relação da EM com uma patologia vascular que designou por insuficiência venosa crónica cérebro-espinal (em inglês: CCSVI), no qual se verifica um estreitamento das principais veias de drenagem cerebral e medular, nomeadamente as veias jugujares e a veia ázigos. Esta situação leva a um aumento da pressão venosa intra-cerebral e subsequente aumento da pressão do líquido céfalo-raquídeo. Zamboni verificou a ocorrência de CCSVI na maioria dos seus pacientes com EM, alegando que 73% deles apresentaram melhorias depois de uma intervenção cirúrgica para corrigir o problema.[13] Foram levantadas algumas controvérsias relativas à investigação de Zamboni, alegando que não houve ensaios cegos ou controlados,[92] ao mesmo tempo que estudos posteriores demonstraram resultados variáveis.[93] Isto deu origem a objecções em relação à hipótese de a CCSVI estar na origem de esclerose múltipla.[94] O tratamento cirúrgico das lesões estenóticas venosas, seria aconselhado mesmo na ausência de EM. No entanto mais estudos são necessários para que este tratamento seja considerado de eleição para a EM, como os próprios investigadores reconhecem.[95] Entretanto, dado o prognóstico e a esperança de vida dos doentes com EM, esta pequena cirurgia está já a ser efetuada, mesmo que a título experimental, em inúmeros centros como no Hospital Saint-Louis em Lisboa. A cirurgia é simples, pequena dilatação da veia estenosada por angioplastia e colocação de stent se necessário, não sendo ético privar estes pacientes de um tratamento que pode alterar para melhor a qualidade e esperança de vida.[96]

Potenciais novos tratamentos com auto-antígeno

Pesquisadores há muito suspeitam que um auto-antígeno - uma molécula normal no corpo que o sistema imunológico erroneamente trata como uma ameaça - pode desencadear a esclerose múltipla. Os principais suspeitos são proteínas na mielina, o isolamento nervoso que corrói os pacientes com a doença. Os pesquisadores analisaram células do sistema imunológico conhecidas como células T, provenientes de um paciente que morreu de EM. As células T normalmente ligam quando encontram fragmentos de proteínas contendo apenas alguns aminoácidos que pertencem a um micróbio invasor, mas também se ligam em pessoas que têm esclerose múltipla. Eles testaram 200 misturas de fragmentos contendo 300 bilhões de variedades cada. Os dois fragmentos com o efeito mais forte acabaram por fazer parte de uma enzima humana chamada sintase guanosina difosfato-L-fucose, que ajuda as células a remodelar os açúcares que estão envolvidos em tudo, desde o armazenamento de memórias até a determinação do nosso tipo sanguíneo. Células T de 12 dos 31 pacientes que tinham sido diagnosticados com EM ou apresentaram sintomas precoces da doença também reagiram à enzima.[97] As células T de quatro dos oito pacientes testados responderam a uma versão bacteriana da enzima - dando credibilidade à ideia recentemente proposta de que as bactérias intestinais podem ajudar a desencadear a doença.[98] Os pesquisadores acham que se a sintase guanosina difosfato-L-fucose se tornar um dos elusivos auto-antígenos da EM, dosar pacientes com ela pode reduzir sintomas como dormência e fraqueza muscular da mesma forma que as injeções de alergia impedem as pessoas de reagir substâncias como o pólen.[99]


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Ligações externas

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DIA MUNDIAL DA CONSERVAÇÃO DA VIDA SELVAGEM - 4 DE DEZEMBRO DE 2021

 

Biologia da conservação

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Vale do Pati - Parque Nacional da Chapada Diamantina

Biologia da Conservação foi cristalizada como uma disciplina devido não somente ao crescimento da percepção de uma crise de extinção, mas também devido à percepção de uma lacuna entre biólogos ecologistas e manejadores de recursos [1] e desenvolvida para combater a crise da biodiversidade, com dois objetivos principais: primeiro, entender os efeitos da atividade humana sobre as espécies, comunidades e ecossistemas, e, segundo, desenvolver abordagens práticas para prevenir a extinção de espécies e, se possível, reintegrar as espécies ameaçadas ao seu ecossistema funcional [2].

Os biólogos da conservação sabem que cada espécie é uma peça-chave da evolução, potencialmente imortal exceto por chance rara ou escolha humana, sendo sua perda um desastre[3]. As comunidades biológicas que levaram milhões de anos para se desenvolver vêm sendo devastadas pelo homem em toda a terra e a lista de transformações de sistemas naturais que estão diretamente relacionadas à atividades humanas é longa (Primack e Rodrigues, 2001), ou seja, a escolha humana prevalece.

A linha de pesquisa Ecologia da Conservação está voltada para o desenvolvimento de estudos teóricos ou aplicados relacionados com a conservação da fauna e da flora. Os estudos podem ser referentes a uma única espécie, a um grupo taxonômico, ecossistema ou região. Os estudos ainda podem ser de avaliação de políticas públicas de conservação, planejamento sistemático para conservação, modelagem de cenários de conservação ou avaliação do status de conservação de espécies da fauna e flora.

História

É um campo relativamente recente, sintético, que aplica os princípios da ecologia, da biogeografia, genética de populações, economia, sociologia, antropologia, filosofia, e outras disciplinas teoricamente embasadas, para a manutenção da diversidade biológica por todo o mundo. É recente na medida em que é um produto dos anos 1980, embora as suas raízes retrocedam a séculos. Ele é sintético porque une disciplinas tradicionalmente acadêmicas, como a biologia de populações e a genética, com as tradições aplicadas de manejo da vida selvagem, da pesca e da terra, e de campos afins. É, sobretudo, desafiador e imperativo, porque é motivado pelas mudanças globais causadas pelos humanos que têm resultado no maior episódio de extinção em massa desde o desaparecimento dos dinossauros há 65 milhões de anos atrás[4].

A história natural foi uma das principais preocupações no século XVIII, com grandes expedições e a abertura de exposições públicas populares na Europa e América do Norte. No início do século XIX, a biogeografia foi acesa através dos esforços de Alexander von HumboldtCharles Lyell e Charles Darwin. O fascínio do século XIX com história natural gerou um fervor por ser o primeiro a coletar espécimes raras com o objetivo de fazê-lo antes que eles se extinguiram por outros tais colecionadores. Embora o trabalho de muitos naturalistas do século XVIII e 19 tenham servido para inspirar os amantes da natureza e organizações de conservação, seus escritos, por padrões modernos, mostrou insensibilidade para com a conservação, já que eles matariam centenas de espécimes para suas coleções.

A Biologia da Conservação tem suas raízes nas muitas culturas que ao longo de milhares de anos através de suas crenças religiosas e filosóficas relacionam o valor das espécies a vida natural. Filósofos como Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau elegeram a natureza como um elemento importante para o desenvolvimento moral e espiritual do homem. Defensores da vida natural, tais como John Muir e Aldo Leopold, trabalharam pela preservação das paisagens e manutenção da saúde dos ecossistemas naturais. Segundo os adeptos da Hipótese de Gaia, a Terra apresenta as propriedades de um “super organismo” cujos componentes biológicos, físicos e químicos interagem para manter as características da atmosfera e do clima.

A ética da conservação que começou a evoluir incluiu três princípios fundamentais: a de que a atividade humana danificou o ambiente, de que havia um dever cívico para manter o ambiente para as gerações futuras, e que os métodos científicos com base empírica deviam ser aplicados para garantir o referido direito. Uma das primeiras sociedades de conservação foi a Sociedade Real para a Protecção das Aves, fundada em 1889 em Manchester, como um grupo de protesto campanha contra o uso de peles e penas em roupas de peles. No Estados Unidos, o Ato de Reserva Florestal de 1891 deu o poder ao Presidente de constituir reservas florestais em terras de domínio público. No século XX, canadenses e funcionários públicos, incluindo Charles Gordon Hewitt e James Harkin lideraram o movimento em direção à conservação da vida selvagem.

Em meados do século XX, os esforços se direcionaram a conservação de espécies-alvo individuais. A New York Zoological Society foi fundamental no desenvolvimento de conceitos e estabelecimento da conservação de determinadas espécies, bem como a realização de estudos de conservação necessários para determinar quais locais são mais apropriados e devem ser prioridades de conservação. Em 1980, um desenvolvimento significativo foi o surgimento do movimento de conservação urbano, criado em Birmingham, Reino Unido, seguido por uma rápida sucessão em várias cidades do Reino Unido, em seguida, no exterior. Embora percebida como um movimento popular, seu desenvolvimento inicial foi impulsionado pela pesquisa acadêmica em animais selvagens urbanos.

Em 1992, a maioria dos países do mundo tornaram-se comprometidos com os princípios de conservação da diversidade biológica com a Convenção sobre Diversidade Biológica, posteriormente, muitos países começaram programas de Planos de Ação de Biodiversidade para identificar e conservar as espécies ameaçadas dentro de suas fronteiras, bem como habitats associados. Final dos anos 1992 aumentou o profissionalismo do setor, com o amadurecimento de organizações ambientais. Desde 2000, o conceito de conservação em escala de paisagem ganhou proeminência, com menos ênfase a ser dada a uma única espécie ou mesmo ações focadas em um único habitat, em vez disso uma abordagem ecossistêmica é defendida pela maioria dos conservacionistas tradicionais, embora preocupações foram expressas por aqueles que trabalham para proteger algumas espécies de alta importância.

Prioritariamente, essa ciência busca compreender as consequências da atividade humana nas espécies, comunidades e ecossistemas, e, então, desenvolver abordagens práticas para prevenir a extinção de espécies e, se possível, reintegrar espécies ameaçadas[2]. Também procura identificar as razões para o declínio de populações que se encontram em níveis críticos de existência.

A Biologia da Conservação não pretende criar leis e muito menos unidade de medida para a diversidade, ou normas para conservação, e sim discutir formas de proteger áreas com alta diversidade, e também de recuperar espécies que se encontram vulneráveis a extinção. Como grande parte das ameaças à biodiversidade tem origem na pressão exercida pelo desenvolvimento das civilizações, a Biologia da Conservação se apropria dos conhecimentos de outras áreas e não somente da Biologia.

Princípios ou Pressupostos Básicos

Segundo Primack & Rodrigues (2001) a Biologia da Conservação se apoia em alguns pressupostos básicos acerca de princípios éticos e ideológicos que deveriam levar a debates sociais em favor da conservação da diversidade biológica. São elas:

(I) Toda espécie tem o direito de existir, pois são frutos de uma história evolutiva e são adaptadas;

(II) Todas as espécies são interdependentes, pois estas interagem de modo complexo no mundo natural, e a perda de uma espécie leva a consequente influência sobre as demais;

(III) Os humanos vivem dentro das mesmas limitações que as demais espécies, que são restritas a um desenvolvimento, em razão a capacidade do meio ambiente, e a espécie humana deveria seguir esta regra, para não prejudicar a sua e as outras espécies;

(IV) A sociedade tem responsabilidade de proteger a Terra, devendo usar os recursos de modo a não esgotá-los para as próximas gerações;

(V) O respeito pela diversidade humana é compatível com o respeito pela diversidade biológica, pois como apreciamos a diversidade cultural humana deveríamos apreciar a diversidade biológica;

(VI) A natureza tem um valor estético e espiritual que transcende o seu valor econômico, e isto deve ser mantido independente de qualquer coisa;

(VII) A diversidade biológica é necessária para determinar a origem da vida, espécies que vão se extinguindo poderiam ser importantes nas pesquisas sobre a origem da vida.

Também tem como objetivo encontrar soluções para situações que ameaçam a biodiversidade, por meio de medidas que envolvem vários setores da sociedade, como governos, instituições públicas e privadas, universidades, organizações-não-governamentais, entre outras.[5]

Biodiversidade

É um termo científico conhecido em todo o mundo, mas ainda não é bem compreendido, possuindo diversos enunciados (Lewinsohn, 2001):

• "A totalidade de gens, espécies e ecossistemas de uma região e do mundo" (Estratégia Global de Biodiversidade).

• "A variedade total de vida na Terra. Inclui todos os genes, espécies, e ecossistemas, e os processos ecológicos de que são parte" (ICBP - Conselho Internacional para a Proteção das Aves).

• "Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas" (Convenção sobre Diversidade Biológica, Artigo 2).

Biodiversidade refere-se ao número de diferentes categorias biológicas (riqueza), à abundância relativa dessas categorias (equitabilidade) e inclui: a variabilidade ao nível local (diversidade alfa), a complementaridade biológica entre habitats (diversidade beta) e variabilidade entre paisagens (diversidade gama). A biodiversidade se manifesta em todos os níveis de organização dos seres vivos (das células aos ecossistemas) e diz respeito a todas as espécies (vegetais, animais e microrganismos). Portanto, não há um nível considerado “correto” para se medir a biodiversidade. Uma alta diversidade se traduz imediatamente em maior número de relações de alimentação, parasitismo, simbiose e inúmeras outras formas possíveis de interações ecológicas.

A diversidade é fundamental para que se possam enfrentar as modificações ambientais, pois quanto maior a diversidade, maior a opção de respostas da natureza a estas modificações[6]. Em 7% do planeta Terra, estão aproximadamente 50% das diferentes formas de vida (Myers, 1984 apud Laurence e Bierregard, 1997). Ao longo do tempo o planeta sofreu alterações que resultaram no desenho dos continentes, mares e oceanos que hoje conhecemos. Os organismos, por sua vez, se movimentaram na superfície da Terra expandindo ou contraindo sua área de distribuição, substituindo ou sendo substituídos[7]. O clima também não foi sempre constante no planeta, há cerca de 2 milhões de anos ocorreram os períodos glaciários e interglaciários, que fizeram a temperatura média da Terra cair, expandindo as geleiras polares e as das montanhas por importantes espaços do globo e, posteriormente, voltar a subir, fazendo estas mesmas geleiras se retraírem novamente e voltarem aos seus limites anteriores.

Essas circunstâncias provocaram a expansão e retração de florestas a pequenos núcleos mais ou menos isolados, obrigando os organismos que dependiam destas florestas a se refugiarem nestas “ilhas” ou “refúgios”. As regiões da Terra mais distantes do Equador (zonas temperadas e frias) sofreram mais com o avanço e recuo das geleiras, enquanto as zonas tropicais guardaram condições climáticas tais que permitiram a existência destas ilhas, ou refúgios, por longos períodos de tempo. Estas regiões são as mais ricas em biodiversidade no planeta.

Autores como Pimm e Gilpin (apud Varela, Fontes e Rocha, 1999) indicam quatro causas principais da perda de espécies e empobrecimento da biodiversidade: 1. Destruição e fragmentação de habitats, poluição e degradação (a fragmentação de habitats colabora com o retardamento de respostas evolucionárias das espécies às alterações ambientais, e acelera a extinção de populações); 2. Eliminação exagerada de plantas e animais pelo homem; 3. Efeitos secundários de extinções; 4. Introdução de animais e plantas alienígenas.

Ameaças à Biodiversidade

A interferência desordenada humana no meio ambiente é a grande causadora da perda da biodiversidade mundial. Plantas e animais têm sido exterminados de maneira muito rápida pela ação humana. A taxa de extermínio de espécies ocasionada pelo homem é 50 a 100 vezes superior aos índices de extinção por causa natural[8]. A poluição, o uso excessivo dos recursos naturais, a expansão da fronteira agrícola em detrimento dos habitats naturais, a expansão urbana e industrial, tudo isso está levando muitas espécies vegetais e animais à extinção[9]

Como consequência dessa destruição, a própria população humana sofre uma queda significativa da qualidade de vida, com reflexos imediatos na alimentação, saúde (aumento de doenças e epidemias), na vulnerabilidade a desastres naturais, na redução e restrição do uso de energia, na diminuição da oferta e distribuição irregular de água potável e, por conseguinte, na instabilidade social e política.

As práticas que causam a perda da biodiversidade estão melhor descritas abaixo, mas vale ressaltar que entre os distintos ecossistemas as ameaças sofridas tem diferentes níveis de impacto, bem como a maneira como respondem à essas ameaças (por exemplo, para ambientes terrestres a principal ameaça são o desmatamento e as queimadas, enquanto que para os ambientes aquáticos é a aquicultura e a pesca insustentável [10]).

Extinção de Espécies

Ararinha-azul, Cyanopsitta spixii, espécie ameaçada de extinção.

Uma espécie é considerada extinta quando não existe nenhum indivíduo vivo na natureza, ou quando um representante da espécie não é observado durante 50 anos, ou ainda quando só existem indivíduos do mesmo sexo. Na prática, a maioria das espécies extintas não está devidamente registrada, pois, por mais que tenhamos avançado nas pesquisas científicas, pouco se sabe sobre a biodiversidade do planeta e sobre o comportamento das espécies.

As causas da extinção de espécies têm duas vertentes. A primeira é de origem natural, fruto da própria evolução da espécie na comunidade onde habita, por meio da seleção natural. O surgimento da espécie humana não alterou os mecanismos naturais de seleção, porém com o desenvolvimento do mundo moderno nos últimos séculos a vida selvagem vem sofrendo perdas irreparáveis do ponto de vista evolutivo.

No Brasil a lista de animais ameaçados é extensa: micos-leões, lobo-guaráararas, onças, tartarugas, peixes-boi, tamanduás, entre outros. No mundo todo, muitos animais são transformados em verdadeiros símbolos em defesa da vida silvestre. Por meio desses símbolos, outras espécies com menor grau de vulnerabilidade são beneficiadas com a criação de Unidades de Conservação, reservas, parques, entre outras categorias [11].

Destruição de Habitat

destruição de habitats é, atualmente, a principal causa para o desaparecimento de espécies. A percepção pelos cientistas de que há uma relação entre o tamanho e a variedade de habitats e a quantidade de espécies - relação espécies-área - é uma das generalizações mais antigas e profícuas da biologia moderna. Os debates que vêm ocorrendo em torno dela, desde o início do século XX, estão diretamente emaranhados com as questões sobre a perda de espécies pelo Planeta, onde a área de natureza selvagem diminui e se fragmenta a cada ano.

Embora seja difícil estabelecer o momento exato em que a percepção da relação espécies-área ocorreu pela primeira vez, precursores tão antigos como Johann Reinhold Forster, naturalista que acompanhou o capitão Cook em sua segunda viagem, já na segunda metade do século XVIII notava que as ilhas tinham um número maior ou menor de espécies conforme sua circunferência fosse mais ou menos extensa [12].

Nos últimos anos, alguns eventos de causas naturais, como o furacão Katrina, tornados, enchentes, deslizamentos de terra, têm causado enormes prejuízos a várias cidades no mundo inteiro. Alguns cientistas sugerem que esses eventos são provocados pelo agravamento do efeito estufa, um fenômeno natural que possibilita a existência de vida na Terra, por meio da manutenção da temperatura com oscilações suportáveis aos seres vivos. Porém, com o aumento das emissões de gases, esse fenômeno contribui com o aumento da temperatura e, consequentemente, potencializa o seu efeito alterando o clima a uma velocidade superior a capacidade de adaptação dos organismos.

A devastação das áreas naturais elimina, do ambiente, inúmeros indivíduos de várias espécies. A região sul e sudeste do Brasil já vem desmatando suas florestas há centenas de anos; atualmente, com a necessidade crescente do aumento da produção de soja, milho, feijão, arroz, leite, carne, entre outros, para suprir a demanda da população, extensas áreas do Cerrado e da Floresta Amazônica estão sendo desmatadas.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre os anos de 1990 e 2005, o Cerrado perdeu 20% de sua área original. Dados mais recentes do Ministério do Meio Ambiente já apontam um aumento desse percentual para 50%. Nesse mesmo período, a Mata Atlântica perdeu 8% da sua cobertura vegetal e, lamentavelmente, estima-se que já tenha perdido 93% da sua extensão original. Os dados referentes à Amazônia Legal são assustadores, apenas entre agosto de 2008 e agosto de 2009, estima-se que 7.008Km² de florestas tenham sido desmatadas.

Fragmentação de Habitat

fragmentação de habitats tem dois componentes: (1) redução da quantidade total de um certo tipo de habitat, ou talvez de todo o habitat natural, em uma paisagem; e (2) divisão do habitat remanescente em partes menores e isoladas (Harris, 1984; Wilcove et al., 1986; Saunders et al., 1991). As espécies mais vulneráveis tipicamente requerem grandes áreas de habitat contíguo, ou habitats específicos. A fragmentação causa mudanças no balanço competitivo entre as espécies, exacerbando as ameaças à sua diversidade [13].

Considera-se que a sobrevivência de boa parte da biota tropical dependerá de sua habilidade de persistir em ambientes altamente modificados e da nossa capacidade de manejá-los. Uma das estratégias mundialmente aceita para a conservação da biodiversidade é a criação de Unidades de Conservação. Elas são consideradas o pilar central para o desenvolvimento de estratégias nacionais para a conservação deste patrimônio (Fonseca et al, 1998). Cerca de 8.695.540 km², ou 7% da superfície da Terra, estão cobertos por UCs [6].

A perda de espécies em UCs é uma consequência esperada das relações espécies-área decorrente da teoria da biogeografia de ilhas. Mantidas como as únicas áreas onde ecossistemas naturais permanecem pouco alterados, mas isoladas entre si, as UCs se comportarão como ilhas e sofrerão os problemas da fragmentação. O desafio é encontrar padrões de distribuição de habitats na paisagem que assegurem conexões para as espécies, de forma a minimizar os efeitos da fragmentação, e outras ferramentas e estratégias que façam inserir as UCs em outro nível de preocupação da sociedade nacional [13].

Biogeografia de Ilhas

As ilhas são divididas em dois tipos de acordo com sua origem: as oceânicas e as continentais. As ilhas oceânicas situam-se fora das plataformas continentais e jamais foram conectadas com os continentes. Já as ilhas continentais foram parte do continente no passado e se tornaram isoladas em decorrência de amplas variações do nível do mar ao longo do tempo geológico [14]. Duas ilhas nunca são exatamente iguais, mas guardam características comuns, tais como área reduzida, isolamento geográfico, e idade recente.

Hoje, em decorrência dos processos humanos de substituição de ecossistemas naturais e fragmentação, indica-se também a existência de ilhas ambientais ou antropogênicas.A principal diferença entre ilhas nos continentes e no oceano está no tipo de barreira que limita a distribuição das espécies.

A premissa desta teoria é que a redução da área de uma ilha (por desmatamento, por exemplo) resultaria na redução da capacidade desta ilha em tolerar o mesmo número original de espécies. Ao contrário, ela toleraria apenas um número de espécies correspondente àquele de uma ilha menor. Este modelo tem sido aplicado às Unidades de Conservação e prediz que quando 50% de uma ilha é destruída, aproximadamente 10% das espécies que se encontram nesta ilha serão eliminadas. Uma das grandes aplicações práticas decorrentes da biogeografia de ilhas tem sido dar as bases para o desenho de UCs, dado que se pode aplicar uma visão de equilíbrio da diversidade para os biomas continentais tão bem quanto para as ilhas [13].

Introdução de Espécies Exóticas

Caramujo africano, Achatina fulica, espécie exótica,

É considerada espécie exótica toda aquela que foi introduzida em um ecossistema (animais, vegetais e até mesmo micro-organismos) ao qual não faz parte, mas se adaptaram, se propagaram e, na maioria das vezes, exercem dominância, podendo alterar processos naturais.

Atualmente, cerca de 73 espécies de plantas e 71 espécies de animais foram identificadas como exóticas no Brasil, algumas delas são altamente benéficas não causando danos, como a mangueira, o limoeiro e o cafeeiro, já outras transformam-se em pragas.podendo causar verdadeiras catástrofes, alterando completamente a estrutura dos ecossistemas.

Um exemplo é o caramujo africanoAchatina fulica, introduzido para o uso na alimentação humana e se alastrou por quase todo o Brasil, tornando-se uma praga agrícola, especialmente no litoral. O Pinnus elliotti foi introduzido no Brasil, em São Paulo, por interesse florestal, por ser estritamente monoespecífica, impede a instalação de outras espécies, porque sua presença aumenta a acidez do solo e transforma ecossistemas abertos (campos e restingas) em ecossistemas fechados (florestal), causando perda de diversidade por sombreamento, levando o solo à exposição e consequentemente erosão e assoreamento de cursos d’água, impactando a fauna aquática. Outra forma de introdução de espécies exóticas é por meio da piscicultura. Peixes como o tucunaré (Cichla sp.) e o tambaqui (Colossoma macropomum), originários da bacia amazônica, foram introduzidos no Pantanal.

Na maioria das vezes, as espécies de alto interesse econômico são exóticas e a principal forma de combater a introdução indesejável de espécies é a conscientização da população, que é o principal vetor na disseminação de espécies para uso ornamental ou cultivo [11]

Poluição e Degradação

Como agente poluidor, inúmeras fontes podem ser citadas como exemplo, a mineração, desmatamento, construção de ferrovias e rodovias, crescimento populacional, resíduos radioativos, ameaça nuclear, indústrias, entre muitos outros. Os problemas de poluição X degradação nem sempre são observados, medidos ou mesmo sentidos pela população, isso porque muitos deles são cumulativos e somente sentidos a longo prazo. Além disso, o agravamento em curto período de tempo do aquecimento do planeta, das chuvas ácidas, dos dejetos lançados em rios e mares, entre outros, tem merecido atenção especial no mundo inteiro, e com certeza causando profundas alterações em todos os seres vivos e até mesmo levando a perda da diversidade [11].

Exploração Indevida de Espécies

Um dos principais vetores do desmatamento no Brasil é a exploração ilegal dos recursos naturais, entre eles a madeira. No Brasil, estima-se a ilegalidade entre 64% e 80% da produção da Amazônia Legal. Globalmente, calcula-se que cerca da metade da exploração florestal realizada nas regiões da Ásia, África Central, Rússia e América do Sul sejam ilegais.

Extração ilegal de madeira

comércio de animais silvestres é o terceiro maior comércio ilícito do mundo, gerando atualmente 10 bilhões de dólares por ano, sendo que um bilhão tem origem do mercado brasileiro. Em cada 10 animais traficados, apenas um chega ao seu destino final e nove acabam morrendo no momento da captura ou durante o transporte. O mais significativo impacto gerado pelo tráfico de animais é, sem dúvida, o desequilíbrio populacional, já que a captura excessiva é a segunda principal causa da redução populacional de várias espécies, perdendo apenas pela retirada do habitat natural provocada pelo desmatamento.

Em 1992, quando aconteceu no Rio de Janeiro a ECO-92, cerca de 150 países assinaram a regulamentação da Convenção da Biodiversidade. A partir disso, o governo brasileiro editou a medida provisória 2.052, em julho de 2000, esse foi o primeiro passo para estabelecer uma legislação federal sobre biopirataria e o acesso ao patrimônio biológico e genético natural.

A medida prevê que Estados, Municípios, proprietários privados e comunidades indígenas tenham direito a parte do lucro resultante de produtos obtidos de vegetais e animais descobertos em suas áreas, além de um maior controle das coletas. O Acre e o Amapá são os únicos Estados brasileiros que possuem leis específicas sobre a biopirataria. No Acre, para ter acesso aos recursos naturais da floresta Amazônica, as empresas estrangeiras precisam se associar a uma empresa ou entidade brasileira de pesquisa [11].

Unidades de Conservação

Unidades de conservação são espaços com características naturais relevantes, que têm a função de assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio biológico existente. As UC asseguram o uso sustentável dos recursos naturais e ainda propiciam às comunidades envolvidas o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis em seu interior ou entorno [15].

As unidades de conservação têm protegido o patrimônio ambiental do Brasil desde 1934, com a criação da Floresta Nacional de Lorena (SP). Desde então, a área abrangida por UC tem aumentado, especialmente nos últimos anos, resultando em quase 1,5 milhões de km², ou 16,6% do território continental brasileiro e 1,5% do território marinho, destinados para a conservação da biodiversidade, preservação de paisagens naturais com notável beleza cênica, uso sustentável dos recursos naturais e valorização da diversidade cultural brasileira.

Esses números tornam-se ainda mais expressivos quando comparados com outros países. Enquanto o Brasil tem aproximadamente 17% de seu território continental protegido por UC, no mundo apenas 12,8% dos territórios encontram-se sob proteção legal. Considerando os números absolutos, o Brasil ocupa o 4º lugar em quantidade de área continental destinada a unidades de conservação, 1.411.834 km², ficando atrás somente dos Estados Unidos (2.607.132 km²), Rússia (1.543.466 km²) e China (1.452.693 km²) [15]

SNUC

Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) é composto pelo conjunto de unidades de conservação federais, estaduais, municipais e particulares, distribuídas em doze categorias de manejo. Cada uma dessas categorias se diferencia quanto à forma de proteção e usos permitidos. Há unidades de proteção integral, que precisam de maiores cuidados por sua fragilidade e particularidades ambientais, e há unidades de uso sustentável, cujos recursos naturais podem ser utilizados de forma direta e sustentável e, ao mesmo tempo, serem conservados. Assim, as unidades de conservação formam uma rede, na qual cada categoria contribui de uma forma específica para a conservação dos recursos naturais. A padronização das categorias de UC e o envolvimento das três esferas de governo na gestão e implementação do Sistema possibilitam que as diversas ações voltadas à conservação ambiental convirjam para um objetivo comum.

Somado ao desafio de ampliar a proteção dos biomas está a consolidação das unidades de conservação existentes, especialmente aquelas criadas nos últimos anos. Somente com as unidades de conservação cumprindo efetivamente o seu papel é que realmente se garantirá a manutenção da rica biodiversidade que o Brasil abriga e a sociedade poderá desfrutar dos benefícios econômicos e sociais que esses espaços podem proporcionar. A apropriação das unidades de conservação pela sociedade constitui importante elemento para a sustentabilidade dessas áreas, pois o apoio público legitima a importância da existência desses espaços e exerce efeito direto na adoção de diferentes condutas e políticas em relação ao meio ambiente [15].

Ver também

Referências

  1.  1. Meine, C.D. 1995. The oldest task in human history. Pages 7-35 In R. L. Knight and S. F. Bates, editors. A new century of natural resource management. Island Press, Washington, D.C.
  2. ↑ Ir para:a b Primack,R.B. & Rodrigues, E. 2001. Biologia da Conservação. 328pp.
  3.  Wilson, E.O. 2000. On the future of Conservation Biology. Conservation Biology, 14: 1–3.
  4.  GROOM, Martha J.; MEFFE, Gary K.; CARROLL, C. Ronald (Eds.). Principles of Conservation Biology. 3. ed. Massachusetts: Sinauer Associates, 2006.
  5.  Ensino da Conservação. Princípios da Biologia da Conservação: Diretrizes para o Ensino da Conservação recomendadas pelo Comitê de Educação da Sociedade para a Biologia da Conservação. Volume 18, N. 05, Outubro 2004.
  6. ↑ Ir para:a b MILANO, Miguel S. “Unidades de Conservação – Técnica, Lei e Ética para a Conservação da Biodiversidade”. In: BENJAMIN, Antônio Herman (org.) Direito Ambiental das Áreas Protegidas – o regime jurídico das Unidades de Conservação. São Paulo, Editora Forense Universitária, 2001.
  7.  ROSS, Jurandir L.S. (org.). Geografia do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1998.
  8.  BIOMANIA - http://www.biomania.com.br/bio/conteudo.asp?cod=3965
  9.  WWF BRASIL - http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/questoes_ambientais/biodiversidade/
  10.  Ministério do Meio Ambiente do Brasil - http://www.mma.gov.br/informma/item/6618-a-biodiversidade-na-zona-costeira-e-marinha-do-brasil
  11. ↑ Ir para:a b c d Cezari, E. J. e Lolis, S. F. Classes de BIOLOGIA DA CONSERVAÇÃO.
  12.  Franco, J. L. A. O conceito de biodiversidade e a história da biologia da conservação: da preservação da wilderness à conservação da biodiversidade. História (São Paulo) v.32, n.2, p. 21-48, jul./dez. 2013
  13. ↑ Ir para:a b c Brito, M. C. W. Apontamentos sobre a biologia da conservação. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2004. (687 pp.)
  14.  FERNANDEZ, Fernando. O Poema Imperfeito. Curitiba, Editora da UFPR, 2000
  15. ↑ Ir para:a b c SNUC. http://www.mma.gov.br/estruturas/240/_publicacao/240_publicacao05072011052536

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