Julgamentos de Nuremberg
Os Julgamentos de Nuremberg (português brasileiro) ou de Nuremberga (português europeu) (oficialmente Tribunal Militar Internacional vs. Hermann Göring et al.) foram numa série de tribunais militares, organizados pelos Aliados, depois da Segunda Guerra Mundial, e referentes aos processos contra 24 proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha Nazista. Os julgamentos, a cargo de um Tribunal Militar Internacional (em inglês, International Military Tribunal, IMT), ocorreram na cidade de Nuremberg, Alemanha, entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Esse tribunal serviu como base para a criação do Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade de Haia, nos Países Baixos.
Posteriormente, entre 1946 e 1949, foram julgados os Processos de Guerra de Nuremberg, em 12 outros tribunais militares. Esses processos referiam-se a 117 acusações por crimes de guerra contra outros membros da liderança nazista.[1]
Estatuto do julgamento[editar | editar código-fonte]
Em 8 de agosto de 1945, as quatro potências (Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha e França) assinavam, em Londres, o acordo sobre o Tribunal Militar Internacional e os estatutos pelos quais o tribunal deveria ser regido. Estabelecia os direitos e obrigações de todos os que haviam de tomar parte no mesmo, regulamentava a forma de proceder e fixava os fatos e princípios a que tinham de se sujeitar os juízes.
O artigo 24º dos estatutos estabelecia: "...O procedimento deve ser o seguinte:
- a) Será lida a acusação;
- b) O tribunal interrogará cada um dos acusados sobre se se considera culpado ou inocente;
- c) O acusador exporá a sua interpretação da acusação;
- d) O tribunal perguntará à acusação e à defesa sobre as provas que desejem apresentar ao tribunal e decidirá sobre a conveniência da sua apresentação;
- e) Serão ouvidas as testemunhas de acusação. A seguir as testemunhas de defesa;
- f) O tribunal poderá dirigir a todo momento perguntas às testemunhas ou acusados;
- g) A acusação e a defesa interrogarão todas as testemunhas e acusados que apresentem uma prova e estão autorizados a efetuar um contrainterrogatório;
- h) A defesa tomará a seguir a palavra;
- i) O acusado dirá a última palavra;
- j) O tribunal anunciará a sentença...".[2]
Acusados e suas penas[editar | editar código-fonte]
O tribunal de Nuremberg decretou 12 condenações à morte, três à prisão perpétua, duas a 20 anos de prisão, uma a 15 anos e outra a 10 anos. Hans Fritzsche, Franz von Papen e Hjalmar Schacht foram absolvidos.
Nome | Cargo | Condenação |
---|---|---|
Martin Bormann | Vice-líder do Partido Nazi e secretário particular do Führer | Morte por enforcamento (In absentia) |
Karl Dönitz | Presidente da Alemanha e comandante da Kriegsmarine | 10 anos |
Hans Frank | Governador-geral da Polônia | Morte por enforcamento |
Wilhelm Frick | Ministro do Interior, autorizou as Leis de Nuremberg | Morte por enforcamento |
Hans Fritzsche | Ajudante de Joseph Goebbels no Ministério da Propaganda | Absolvido |
Walther Funk | Ministro de Economia | Prisão perpétua |
Hermann Göring | Comandante da Luftwaffe, Presidente do Reichstag e Ministro da Prússia. | Morte por enforcamento (suicidou-se antes de ser enforcado) |
Rudolf Hess | Vice-líder do Partido Nazi | Prisão perpétua |
Alfred Jodl | Chefe de Operações do OKW (Oberkommando Der Wehrmacht) | Morte por enforcamento |
Ernst Kaltenbrunner | Chefe do RSHA e membro de maior escalão da Schutzstaffel vivo. | Morte por enforcamento |
Wilhelm Keitel | Chefe do OKW | Morte por enforcamento |
Gustav Krupp | Industrial que usufruiu de trabalho escravo | Acusações canceladas por saúde debilitada |
Robert Ley | Chefe do Corpo Alemão de Trabalho | Suicidou-se na prisão |
Konstantin von Neurath | Ministro das Relações Exteriores, Protetor da Boêmia e Morávia | 15 anos |
Franz von Papen | Ministro e vice-chanceler | Absolvido |
Erich Raeder | Comandante-chefe da Kriegsmarine | Prisão perpétua |
Joachim von Ribbentrop | Ministro das Relações Exteriores | Morte por enforcamento |
Alfred Rosenberg | Ideólogo do racismo e Ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste | Morte por enforcamento |
Fritz Sauckel | Diretor do programa de trabalho escravo | Morte por enforcamento |
Hjalmar Schacht | Presidente do Reichsbank | Absolvido |
Baldur von Schirach | Líder da Juventude Hitleriana | 20 anos |
Arthur Seyss-Inquart | Líder da anexação da Áustria e Gauleiter dos Países Baixos | Morte por enforcamento |
Albert Speer | Líder nazi, arquiteto do regime e Ministro de Armamentos | 20 anos |
Julius Streicher | Chefe do periódico antissemita Der Stürmer | Morte por enforcamento |
Processos no caso Nuremberg[editar | editar código-fonte]
- Caso I - Processo contra os Médicos, 9 de dezembro de 1946 - 20 de agosto de 1947 (ver: Código de Nuremberg).
- Caso II - Processo Milch, 2 de janeiro - 17 de abril de 1947
- Caso III - Processo contra os juristas, 17 de fevereiro - 14 de dezembro de 1947
- Caso IV - Processo Pohl, 13 de janeiro - 3 de novembro de 1947
- Caso V - Processo Flick, 18 de abril - 22 de dezembro de 1947
- Caso VI - Processo IG Farben, 14 de agosto de 1947 - 30 de julho de 1948
- Caso VII - Processo de Generais no sudeste da Europa, 15 de julho de 1947 - 19 de fevereiro de 1948
- Caso VIII - Processo RuSHA, 1 de julho de 1947 - 10 de março de 1948
- Caso IX - Processo Einsatzgruppen, 15 de setembro de 1947 - 10 de abril de 1948
- Caso X - Processo Krupp, 8 de dezembro de 1947 - 31 de julho de 1948
- Caso XI - Processo Wilhelmstraßen, 4 de novembro de 1947 - 14 de abril de 1948
- Caso XII - Processo contra o Alto Comando, 30 de dezembro de 1947 - 29 de outubro de 1948
Um tribunal de exceção[editar | editar código-fonte]
Oito juízes, representantes dos quatro países vencedores da guerra, compuseram a corte. O presidente do tribunal era britânico, mas coube aos estadunidenses o papel mais importante na preparação do processo. Os países neutros não tiveram nenhuma participação.[3] Juristas têm levantado a questão das violações dos direitos fundamentais com a realização de um tribunal ad hoc, um tribunal de exceção, sem a escolha de advogados pelos réus. Segundo alguns doutrinadores do direito, um tribunal de exceção não poderia punir com pena capital, mas somente com prisão, entre outras formas de responsabilização. Todavia, em Nuremberg, os vencedores ditaram todas as regras e todo o funcionamento do tribunal, mesmo em detrimento dos direitos fundamentais dos réus, como o princípio do juízo natural conhecidos dos ingleses desde a Magna Carta de 1215.[4][5]
A aplicação da justiça dos vencedores poderia igualmente explicar por que jamais foi cogitada a possibilidade de julgamento dos responsáveis pela mortandade de civis em decorrência dos inúmeros bombardeios aliados contra as cidades alemãs (Dresden, Colônia, Darmstadt, Hamburgo, Stuttgart e Königsberg, entre outras) ou do lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki .[3]
Execução das sentenças[editar | editar código-fonte]
Três cadafalsos foram instalados no presídio de Nurembergue para a execução, na manhã de 16 de outubro de 1946, de dez penas de morte contra representantes do regime nazista, por enforcamento, usando-se o chamado método da queda padrão, em vez de queda longa.[6][7] Posteriormente, o exército dos EUA negou as acusações de que a queda fora curta demais, fazendo com que o condenado morresse lentamente, por estrangulamento, em vez de ter o pescoço quebrado (o que causa paralisia imediata, imobilização e provável inconsciência instantânea). Na execução de Ribbentrop, o historiador Giles MacDonogh registra que:
- "o carrasco trabalhou mal na execução, e a corda estrangulou o ex-chanceler por 20 minutos antes que ele morresse."[8][9][10]
Das 12 penas de morte, apenas 10 foram executadas. Martin Bormann, o assessor mais próximo de Hitler em seu primeiro quartel-general, estava desaparecido, sendo julgado à revelia e condenado à morte.
Hermann Göring suicidou-se na véspera do dia 16. Quando os seguranças do presídio perceberam que ele mantinha-se estranhamente imóvel deitado sobre seu banco, chamaram seus superiores e um médico. Este constatou a morte de Göring por envenenamento. Nunca foi esclarecido quem lhe entregou o veneno, em que pese várias hipóteses terem surgido no decorrer dos anos.
Porém, em 2005, Herbert Lee Stivers, um metalúrgico aposentado que vivia em Hesperia, localidade aos arredores de Los Angeles, Estados Unidos, e foi guarda em Nuremberg durante o Julgamento (era do 26º Regimento da 1ª Divisão de Infantaria, cuja Companhia D fora encarregada), afirmou que estavam todos enganados: "Fui eu que lhe dei". Stivers tinha 78 anos, e disse que manteve este segredo durante quase 60 anos, com medo de poder vir a ser alvo de um processo por parte do Exército dos Estados Unidos e que tinha decidido contar a história a pedido da filha. Na época só tinha 19 anos, e por querer impressionar uma moça que encontrou na rua, aceitou levar "um remédio" a Goering, que supostamente estaria doente.[11]
Filmografia[editar | editar código-fonte]
- Judgment at Nuremberg, indicado ao Academy Awards de melhor filme de 1961.
- O Julgamento de Nuremberg, filme de 2000, com Alec Baldwin.
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Corte penal internacional
- Crimes contra a humanidade
- Crimes de guerra
- Crimes de Guerra da Itália
- Crimes de guerra do Japão Imperial
- Crimes de guerra dos Aliados
- Crimes de guerra soviéticos
- Críticas ao Negacionismo do Holocausto
- Democídio
- Desnazificação
- Dia Internacional da Lembrança do Holocausto
- Genocídio
- Julgamento de Auschwitz
- Julgamento de Belsen
- Julgamentos de crimes de guerra de Khabarovsk
- Nuremberg
- Processos de Guerra de Nuremberg
- Segunda Guerra Mundial
- Shiro Ishii (Unidade 731)
- Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente
Referências
- ↑ Kevin Jon Heller (2011). The Trials. Introduction: the indictments, biographical information, and the verdicts. The Nuremberg Military Tribunals and the Origins of International Criminal Law. [S.l.]: Oxford University Press. pp. 85–
- ↑ Heydecker, Joe J. "O Julgamento de Nuremberga. Editora Ibis Ltda, 1966, p. 79
- ↑ ab «Le proces de Nuremberg e Tokyo». Consultado em 2 de junho de 2016. Arquivado do original em 26 de maio de 2016
- ↑ O tribunal de Nuremberg e a polêmica das sanções adotadas. Por Ana Flávia Trevizan e Sérgio Tibiriçá Amaral.
- ↑ Tribunal de Nuremberg: visão crítica a respeito da moral e da política envolvidas no julgamento Arquivado em 20 de setembro de 2016, no Wayback Machine.. Por Henrique Clauzo Horta.
- ↑ «Judgment at Nuremberg» (PDF)
- ↑ «The trial of the century». Consultado em 28 de janeiro de 2011. Arquivado do original em 10 de junho de 2010
- ↑ MacDonogh G., "After the Reich". John Murray: London, 2008; p.450
- ↑ War Crimes: Night without Dawn.. Time Magazine, 28 de outubro de 1946.
- ↑ The Not-So-Fine Art of Hanging, por Tom Zeller Jr.]. The New York Times, 16 de janeiro de 2007.
- ↑ Público, ed. (10 de fevereiro de 2005). «"Fui eu que dei o cianeto a Goering"». Consultado em 1 de novembro de 2019
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
- Goldensohn, Leon. As Entrevistas de Nuremberg. Companhia das Letras, 2005, ISBN 8535907130.
- Ferro, Ana Luiza Almeida. O Tribunal de Nuremberg - Dos precedentes à confirmação de seus princípios . Mandamentos, 2002; ISBN 8587054651;
- Gonçalves, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg (1945-1946) - A Gênese de uma Nova Ordem no Direito Internacional. Renovar, 2004, ISBN 8571474435.
- Mann, Abby. Judgment at Nuremberg. New Directions 2002, ISBN 0811215261 (em inglês)
- Cooper, Belinda. War Crimes - The Legacy of Nuremberg, TV Books, 1999, ISBN 1575000091. (em inglês)
- Fontette, François de. Le Proces de Nuremberg. PUF, 1996, ISBN 2130480837. (em francês)
- Heydecker, Joe J. "O Julgamento de Nuremberga, Editora Ibis Ltda, 1966
- Kahn, Leo. "Julgamento em Nuremberg" - História Ilustrada da 2ª Guerra Mundial, Renes, 1972
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
- «Julgamentos de Nuremberga»
- «Condenados de Nuremberga»
- «Registros oficiais dos julgamentos de Nuremberg (The Blue series) em 42 volumes dos registros da Biblioteca do Congresso» (em inglês)
- «Páginas oficiais do Museu da Cidade de Nuremberg» (em inglês)
- «Artigo do jornal The Age» (em inglês)
- «Biblioteca de Direito de Cornell» (em inglês)
- «Biblioteca de Direito de Harvard» (em inglês)
- «O Projeto Avalon» (em inglês)
- «Carta do Tribunal Militar Internacional» (em inglês)
- «The Subsequent Nuremberg Trials» (em inglês)
- «Nizkor Holocaust Web Project» (em inglês)
- «Foco especial sobre os Julgamentos de Nuremberg - USHMM» (em inglês)
- «Julgamentos Famosos do Mundo - Julgamentos de Nuremberg» (em inglês)
- «Galeria Julgamentos de Nuremberg» (em inglês)
- «The Nuremberg Trials: The Defendants and Verdicts» (em inglês)
- «Results and Reactions to the Nuremberg Trials» (em inglês)
- «Nuremberg War Crimes - Trials» (em inglês)
- «Nuremberg Trials 1945-1949» (em inglês)
- «"American Experience: The Nuremberg Trials"» (em inglês). (PBS)
- «Trial Watch: The Nuremberg Trials» (em inglês)
- «Obituário de Anthony Marreco» (em inglês)
- «Crimes, Trials and Laws» (em inglês)
- «Nuremberg Trials» (em inglês)
- «Nuremberg defendants» (em inglês)
- «The Nuremberg Judgments» (em inglês). , Capítilo 6 de «The High Cost of Vengeance» (PDF) (em inglês). , por Freda Utley, Regenery Publishing, Chicago, (1948). Tornado disponível por "The Freda Utley Foundation"
- «A Tree Fell in the Forest: The Nuremberg Judgments 60 Years On» (em inglês). , JURISTWhats up
- «CBC Radio: A Conversation with Geoffrey Robertson, Author of the Tyrannicide Brief (Fev 18/07)» (em inglês). (Real Audio)
- «JAG Corps Attorneys» (em inglês)
- «Attorney Shawcross reads an account of a massacre - 27 July 1946 (BBC)» (em inglês). (Windows Media e Real Audio)