domingo, 2 de agosto de 2020

JOSÉ (ZECA) AFONSO - NASCEU EM 1929 - 2 DE AGOSTO DE 2020


José Afonso

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José Afonso
Informação geral
Nome completoJosé Manuel Cerqueira Afonso dos Santos
Nascimento2 de agosto de 1929
OrigemAveiro
PaísPortugal Portugal
Morte23 de fevereiro de 1987 (57 anos)
Gênero(s)Música tradicionalMúsica de intervenção
Período em atividade1960 - 1987
Página oficialhttp://www.aja.pt/

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (Aveiro2 de agosto de 1929 — Setúbal23 de fevereiro de 1987), foi um cantor e compositor português. É também conhecido pelo diminutivo familiar de Zeca Afonso, apesar de nunca ter utilizado este nome artístico.

Biografia[editar | editar código-fonte]

Vida pessoal e formação[editar | editar código-fonte]

Azulejo em Coimbra: Nesta casa viveu o trovador da liberdade José Afonso, O Zeca.

De uma família burguesa, José Afonso nasceu em Freguesia de Glória, em Aveiro, filho do juiz José Nepomuceno Afonso dos Santos, e da sua mulher, Maria das Dores Dantas Cerqueira, professora da instrução primária; ele beirão, natural do Fundão, ela minhota, de Ponte de Lima.[1]

Viveu em Aveiro até aos três anos, numa casa do Largo das Cinco Bicas, com a tia Gé e o tio Chico, bem como com seu irmão João Cerqueira Afonso dos Santos (1927), futuro advogado, pai de dois dos seus sobrinhos (João Namora Afonso dos Santos, médico, e Mário Namora Afonso dos Santos, arquitecto). Precisamente, aos três anos de vida foi levado para Angola, onde o pai havia sido colocado como delegado do Procurador da República, em 1930, e onde nasceria, em Silva Porto, a sua irmã Maria Cerqueira Afonso dos Santos, mãe de seus sobrinhos, também músicos: João Afonso Lima e António Afonso Lima.

A relação física com a natureza causou-lhe uma profunda ligação ao continente africano, que se refletirá pela sua vida fora. As trovoadas, as florestas e os grandes rios atravessados em jangadas escondiam-lhe a realidade colonial.

Em 1937 regressa a Aveiro, mas parte no mesmo ano para Moçambique, onde se reencontra com os pais e os irmãos em Lourenço Marques.

No ano seguinte, volta para Portugal, indo viver em Belmonte[2], com o tio Filomeno, que ocupava o cargo de presidente da Câmara. Completa a instrução primária nesta localidade, vivendo em pesado ambiente salazarista, em casa do tio, sendo forçado a envergar o traje da Mocidade Portuguesa.

Em 1939 os seus pais foram viver para Timor, onde seriam cativos dos ocupantes japoneses durante três anos, entre 1942 e 1945. Durante esse período, Zeca Afonso não teve notícias dos pais.

Frequentou o Liceu Nacional D. João III e a Faculdade de Letras de Coimbra, e integrou o Orfeon Académico de Coimbra e a Tuna Académica da Universidade de Coimbra; já nesta altura, se revelou um intérprete especialmente dotado na canção de Coimbra, tendo assimilado o ambiente de mudança que, naquela altura, se estava a começar a manifestar naquela localidade.[2]

Em 1948 completa o Curso Geral dos Liceus, após dois chumbos.

Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde, com quem vem a casar em segredo, dada a oposição da família. Continua na vida associativa, fazendo viagens com o Orfeão Académico de Coimbra e com a Tuna Académica da Universidade de Coimbra[2], ao mesmo tempo que integra a equipa de futebol da Académica. Em 1949 inscreve-se no curso de Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.[2] Volta a Angola e Moçambique, integrado numa comitiva do Orfeon Académico de Coimbra.

Faleceu em 23 de fevereiro de 1987[2], no Hospital de Setúbal, às três horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica.

Carreira profissional, artística e política[editar | editar código-fonte]

Do início da carreira docente até à Década de 1960[editar | editar código-fonte]

Em Janeiro de 1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Para sustentar a sua família, Zeca Afonso dá explicações e faz revisão de textos no Diário de Coimbra. Pela mesma altura grava o seu primeiro disco, Fados de Coimbra. Tem grandes dificuldades económicas, como refere em carta enviada aos pais em Moçambique. Ainda antes de terminar o curso, é-lhe permitido leccionar no Ensino Técnico.

Cumpriu, de 1953 a 1955, em Mafra e Coimbra, o Serviço Militar Obrigatório; pouco depois, começa a lecionar, passando, sucessivamente, por MangualdeAlcobaçaAljustrelLagos, e Faro.[2] Iniciou as suas funções como professor em Lagos no dia 29 de Outubro de 1957, na Escola Comercial e Industrial Vitorino Damásio.[2]

Em 1956 é colocado em Aljustrel e divorcia-se de Maria Amália. Em 1958 envia os filhos para Moçambique, que ficam ao cuidado dos avós. Entre 1958 e 1959 é professor de Francês e de História, na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.

Apesar das exigências da sua profissão, não esqueceu as suas ligações a Coimbra, onde gravou o seu primeiro disco, em 1958.[2] Foi influenciado pelas correntes de mudança que se faziam sentir naquela localidade, e pelo convívio com figuras como António Portugal, Flávio Rodrigues da SilvaManuel AlegreLouzâ Henriques, e Adriano Correia de Oliveira, que marcou especialmente a sua obra Coimbra.[3]

Do período de intervenção social até à expulsão do ensino[editar | editar código-fonte]

Participa, frequentemente em festas populares e canta em colectividades, lançando, em 1960, o seu quarto disco, Balada do Outono. Em 1962 segue atentamente a crise académica de Lisboa, convive, em Faro, com Luiza Neto JorgeAntónio BarahonaAntónio Ramos Rosa. Começa a namorar com Zélia, natural da Fuzeta, com quem virá a casar. Segue-se uma nova digressão em Angola, com a Tuna Académica da Universidade de Coimbra, no mesmo ano em que vê editado o álbum Coimbra Orfeon of Portugal. Nesse disco José Afonso rompe com o acompanhamento das guitarras de Coimbra, fazendo-se acompanhar, nas canções Minha Mãe e Balada Aleixo, pelas violas de José Niza e Durval Moreirinhas (1937-2017). Segue-se um período de 6 anos, 1962 a 1968 em que Zeca inicia o seu período musicalmente mais rico, criando as primeiras músicas de intervenção. É nesse período que conhece o seu amigo e guitarrista, um jovem estudante de Medicina -Rui Pato - com quem grava 49 temas e percorre todo o país em dezenas de espectáculos em colectividades operárias, associações de estudantes, cineclubes, por toda a parte onde era chamado para utilizar a sua canção como arma contra a ditadura salazarista. Durante esse período, sempre delegou o acompanhamento e os arranjos das suas músicas a Rui Pato.

Em 1963 termina a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, com uma tese sobre Jean-Paul Sartre, intitulada Implicações substancialistas na filosofia sartriana.

No mesmo ano são editados os primeiros temas de carácter vincadamente político, Os Vampiros e Menino do Bairro Negro — o primeiro contra a opressão do capitalismo, o segundo, inspirado na miséria do Bairro do Barredo, no Porto — integravam o disco Baladas de Coimbra, que viria a ser proibido pela Censura.[4] Os Vampiros, juntamente com Trova do Vento que Passa (um poema de Manuel Alegre, musicado por António Portugal e cantado por Adriano Correia de Oliveira) viriam a tornar-se símbolos de resistência anti-Salazarista da época.

Realiza digressões pela SuíçaAlemanha e Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de OliveiraJosé Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo.

Em Maio de 1964 José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção Grândola, Vila Morena. A música viria a ser a senha do Movimento das Forças Armadas no golpe de 25 de Abril de 1974, permanecendo como uma das músicas mais significativas do período revolucionário. Ainda naquele ano são lançados os álbuns Cantares de José Afonso e Baladas e Canções.

Ainda em 1964, José Afonso estabelece-se em Lourenço Marques, com Zélia[3], reencontrando os filhos do anterior casamento. Entre 1965 e 1967 é professor no Liceu Pêro de Anaia, na cidade da Beira, e em Lourenço Marques[3]. Colabora com um grupo de teatro local, musicando uma peça de Bertolt BrechtA Excepção e a Regra. Manifesta-se contra o colonialismo, o que lhe causa problemas com a PIDE, a polícia política do Estado Novo. Em Moçambique nasce a sua filha Joana, em 1965.

Residiu, entre 1964 e 1967, em Moçambique, acompanhado pelos dois filhos e pela sua companheira, Zélia, tendo ensinado na Beira, e em Lourenço Marques[5]. Nesta altura, começa a sua carreira política, em defesa dos ideais de independência, o que lhe valeu a atenção dos agentes do governo colonial.[3]

Intervenção política até à Revolução de 25 de Abril[editar | editar código-fonte]

Quando regressa a Portugal, em 1967, é colocado como professor em Setúbal; no entanto, fica a leccionar pouco tempo, pois acaba por ser expulso do ensino oficial, depois de um período de doença.[3] Para sobreviver, começa a dar explicações.[3] A partir desse ano, torna-se definitivamente um símbolo da resistência democrática. Mantém contactos com a Liga de Unidade e Acção Revolucionária e o Partido Comunista Português — ainda que se mantenha independente de partidos — e é preso pela PIDE. Continua a cantar e participa no I Encontro da Chanson Portugaise de Combat, em Paris, em 1969. Grava também Cantares do Andarilho, recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo Melhor Disco do Ano, e o prémio da Melhor Interpretação. Para que o seu nome não seja censurado, Zeca Afonso passa a ser tratado nos jornais pelo anagrama Esoj Osnofa.

Em 1971 edita Cantigas do Maio, no qual surge Grândola, Vila Morena, que acaba por interpretar pela primeira vez num concerto celebrado a 10 de Maio de 1972 na residéncia universitária Burgo das Nações, hoje Auditório da Galiza, em Santiago de Compostela. Zeca participa em vários festivais, sendo também publicado um livro sobre ele e lança o LP Eu vou ser como a toupeira. Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática e grava o álbum Venham mais Cinco. Ao mesmo tempo, começa a dedicar-se ao canto, e apoia várias instituições populares, enquanto que continua a sua carreira política na Liga de Unidade e Acção Revolucionária.[3]

Entre abril e maio de 1973 esteve detido no Forte-prisão de Caxias pela PIDE/DGS.

Período após a Revolução dos Cravos[editar | editar código-fonte]

Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, acentua a sua defesa da liberdade, tendo realizado várias sessões de apoio a diversos movimentos, em Portugal e no estrangeiro; retoma, igualmente, a sua função de professor.[3] Continuou a cantar, gravando o LP Coro dos Tribunais, ao mesmo tempo que se envolve em numerosas sessões do Canto Livre Perseguido, bem como nas campanhas de alfabetização do MFA. A sua intervenção política não para, tornando-se um admirador do período do PREC. Em 1976 declara o seu apoio à campanha presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho.

Os seus últimos espetáculos terão lugar nos coliseus de Lisboa e do Porto, em 1983, numa fase avançada da sua doença (esclerose lateral amiotrófica). No final desse mesmo ano é-lhe atribuída a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa a distinção.[6]

Em 1985, é editado o seu último álbum de originais, Galinhas do Mato, no qual, devido ao estado da doença, Zeca não consegue interpretar todas as músicas previstas. O álbum acaba por ser completado por José Mário BrancoSérgio GodinhoHelena VieiraFausto e Luís Represas. Em 1986 apoia a candidatura de Maria de Lourdes Pintasilgo a Presidente da República.

A 23 de fevereiro de 1987, em Vila Nogueira de Azeitão, perto de Setúbal, onde Zeca Afonso morou nos últimos anos de vida com a sua companheira Zélia, o cantor morreu. O seu funeral na "cidade do peixe" foi um evento massivo, onde saíram à rua perto de vinte mil pessoas para prestar tributo póstumo a essa grande figura da música portuguesa. Os seus restos mortais descansam no cemitério setubalense de Nossa Senhora da Piedade.

Prémios e homenagens[editar | editar código-fonte]

Foi laureado pela Casa da Imprensa, como o melhor compositor e intérprete de música ligeira, nos anos de 19691970 e 1971.[7]

Foi, igualmente, homenageado pela Câmara Municipal de Lagos, que colocou o seu nome numa rua da Freguesia de Santa Maria.[7]

Foi igualmente homenageado pela Câmara Municipal do Porto, que colocou o seu nome em Rua que faz a ligação entre a Rua António Cândido e a Rua da Constituição. Foi homenageado pela Câmara Municipal da Moita, freguesia de Alhos Vedros abrindo uma escola com o seu nome.

Em 2007, foi homenageado na IX Grande Noite do Fado Académico, na Casa da Música (Porto), numa organização do Grupo de Fados do ISEP e da Associação de Estudantes do ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Porto).[8]

Em Abril do mesmo ano, foi organizada uma gala de homenagem ao cantor, intitulada "Sempre Abril Sempre", no Palácio de Congressos de Pontevedra, na Galiza, nação com a qual Zeca Afonso sempre manteve uma estreita ligação. Esta gala foi transmitida a 25 de Abril de 2007 pelas televisões públicas da Galiza (TVG) e de Portugal (RTP).

Em 2009 foi inaugurado um parque com o seu nome em frente ao Auditório da Galiza, em Santiago de Compostela, cidade onde em 1972 Zeca Afonso cantou pela primeira vez o tema "Grândola, Vila Morena" em público.[9]

Em 2011, pela primeira vez, uma Filarmónica dedicou totalmente um concerto de homenagem a José Afonso. A Filarmónica Idanhense, acompanhada por Janita Salomé, homenageou José Afonso com o concerto “Canções de Abril”. O concerto teve o apoio da AJA - Associação José Afonso, e nos anos seguintes apresentou-se em vários palcos do país.[10]

Legado[editar | editar código-fonte]

Oriundo do fado de Coimbra, foi uma figura central do movimento de renovação da música portuguesa que se desenvolveu na década de 1960 do século XX e se prolongou na década de 70, sendo dele originárias as famosas canções de intervenção, de conteúdo de esquerda, contra o Regime. Zeca Afonso ficou indelevelmente associado ao derrube do Estado Novo, regime de ditadura Salazarista vigente em Portugal entre 1933 e 1974, uma vez que uma das suas composições, "Grândola, Vila Morena", foi utilizada como senha pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), comandados pelos Capitães de Abril, que instaurou a democracia, em 25 de Abril de 1974.

Em 1994 seria editado Filhos da Madrugada cantam José Afonso[11], um CD duplo em homenagem a Zeca Afonso. No final de Junho seguinte, muitas das bandas portuguesas que integraram o projecto, participaram num concerto que teve lugar no então Estádio José Alvalade.

Em 24 de Abril de 1994 a CeDeCe estreia no Teatro São Luiz o bailado Dançar Zeca Afonso, com música de Zeca Afonso e coreografia de António Rodrigues, uma encomenda do Município, a propósito da Capital Europeia da Cultura.

Muitas das suas canções continuam a ser gravadas por numerosos artistas portugueses e estrangeiros. Calcula-se que existam actualmente mais de 300 versões de canções suas gravadas por mais de uma centena de intérpretes,[12] o que faz de Zeca Afonso um dos compositores portugueses mais divulgados a nível mundial. O seu trabalho é reconhecido e apreciado pelo país inteiro e Zeca Afonso, com a sua incidência política que as suas canções ganharam, indiscutivelmente representa uma parte muito importante da cultura poética portuguesa. [13]

Colaborou na revista Arte Opinião [14] (1978-1982).

Discografia[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Discografia de Zeca Afonso
José Santa-Bárbara, capa do disco de José Afonso Venham mais cinco, 1973

Álbuns de estúdio

Álbuns ao Vivo

Bibliografia activa[editar | editar código-fonte]

  • Cantares (1968)
  • Cantar de Novo (1969)
  • Quadras Populares (1980)
  • Textos e Canções (1986)

Bibliografia passiva[editar | editar código-fonte]

Ver também[editar | editar código-fonte]

http://www.jornalmapa.pt/2017/02/11/panegirico-jose-afonso/

Notas

  1.  «Zeca Afonso». Consultado em 28 de agosto de 2012. Arquivado do original em 7 de agosto de 2013
  2. ↑ Ir para:a b c d e f g h Ferro, 2002:28
  3. ↑ Ir para:a b c d e f g h Ferro, 2002:29
  4.  Viriato Teles«A discografia completa de Zeca Afonso». Associação José Afonso. Consultado em 9 de Março de 2010. Arquivado do original em 20 de abril de 2010
  5.  Sobre este período ver um testemunho de quem o viveu.
  6.  Em 1994 o Presidente da República volta a propor a condecoração a título póstumo, mas Zélia recusa-a, alegando o facto do marido a não ter aceitado em vida e, como tal, não seria depois de morto que a iria receber.
  7. ↑ Ir para:a b Ferro, 2002:30
  8.  http://www.aja.pt/?p=8374
  9.  «BLITZ – José Afonso dá nome a parque de lazer na Galiza». Consultado em 1 de agosto de 2016
  10.  Tributo a José Afonso.
  11.  Filhos da Madrugada - Cantam José Afonso Arquivado em 21 de outubro de 2008, no Wayback Machine. - Instituto de Camões
  12.  Viriato Teles, in As Voltas de um Andarilho
  13.  Verso dos versos na Associação José Afonso
  14.  Rita Correia (16 de maio de 2019). «Ficha histórica:Arte Opinião (1978-1982)» (PDF)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 22 de Maio de 2019

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

sexta-feira, 31 de julho de 2020

OBSERVADOR - 31 DE JULHO DE 2020

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José Manuel Fernandes
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Sexta,31 Jul 2020
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Os algoritmos de inteligência artificial das Big Tech – a Google, a Apple, o Facebbok, também a Amazon – sabem mais sobre nós do que os nossos familiares mais próximos. Não apenas sobre os nossos hábitos ou sobre o que andámos a ler, a pesquisar ou a comprar. Sobre a nossa psicologia. Sobre quem somos. E nós gostamos disso porque isso faz com que cada busca que realizamos seja mais rápida e mais útil. Ou pelo menos nós pensamos que é. Mas será? Será mesmo que toda essa informação serve o consumidor, mesmo que não sirva o cidadão? Ou só serve para reforçar a posição de domínio global das Big Tech?

Estas eram algumas das questões que se colocavam quando na passada quarta-feira Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple) e Sundar Pichai (Alphabet, empresa mãe da Google) depuseram perante o Congresso dos Estados Unidos. Os líderes das Big Tech foram impiedosamente interrogados durante mais de cinco horas no quadro de uma investigação que está em curso desde meados de 2019 por suspeita de eventuais abusos de posição dominante nos mercados em que operam. O líder do sub-comité onde foram ouvidos é de opinião que “apesar de terem criado produtos inovadores, a sua posição no mercado está a matar negócios mais pequenos e, em muitas casos, não há alternativas [ao que oferecem]” e muitos pensam que depois daquele “massacre” nada ficará como dantes.

trabalho do Observador sintetiza bem o que se passou na longa sessão, mas gostava de destacar também a análise do Financial Times, que escolheu destacar os momentos mais embaraçosos, aqueles em que alguns documentos internos foram divulgados e os quatro CEO’s nem sempre os souberam explicar. Em Big Tech’s leaders squirm as documents reveal their power mostram-se alguns desses mails trocados aquando das aquisições que permitiram aos gigantes tornarem-se tão gigantes, e a leitura do FT foi que apesar de a sessão não ter chegado a conclusões, “there were plenty of uncomfortable moments for the heads of Amazon, Apple, Alphabet and Facebook, who were often unable to answer questions on a trove of newly unearthed internal documents that showed how the companies chased dominance and then sought to protect it.

De entre os documentos desta audição são também de destacar os depoimentos iniciais dos três CEO’s (há links para todos no artigo do Observador), em especial o de Jeff Bezos. Era a primeira vez que o fundador e líder da Amazon, e também o homem mais rico do mundo neste momento, depunha no Congresso e ele resolveu começar por contar a sua história de vida, que é bem o exemplo do sonho americano. Filho de uma mãe adolescente, o pai era um refugiado de Cuba que o adoptou quando ele tinha apenas quatro anos e a Amazon nasceu graças sobretudo as poupanças da família: “The initial start-up capital for Amazon.com came primarily from my parents, who invested a large fraction of their life savings in something they didn’t understand.They weren’t making a bet on Amazon or the concept of a bookstore on the internet. They were making a bet on their son. I told them that I thought there was a 70% chance they would lose their investment, and they did it anyway.”

Não sei se este depoimento de Bezos comoveu os congressistas, mas a verdade é que mesmo existindo muita vontade de dobrar aquilo que muitos veem como sendo o poder excessivo das Big Tech, a verdade é que não é fácil encontrar uma solução. Isso mesmo se explicava na The Economist em Alphabet, Amazon, Apple and Facebook face an antitrust grilling, onde se escrevia que “in contrast to smoking and despite years of debate, the harms of remedies for the tech giants’ dominance are not obvious. Smoking causes lung cancer, and tobacco companies can be fined and cigarettes regulated, but even critics of big tech still cannot agree on whether breaking up the companies, for instance, would be a practical way of constraining them—or whether it is better to regulate their behaviour. The debate is also burdened by other things people do not like about these firms, including their hunger for personal data, the way they moderate content and their supposed anti-conservative bias.

Qual é um dos mais fortes argumentos usados contra as Big Tech – para além do abuso de posição dominante? É que os seus algoritmos criam uma falsa ilusão de auxílio ao consumidor, induzindo-o a consumir não o que procura ou o que lhe interessa, mas o que interessa a um anunciante ou à plataforma tecnológica. Marta L. Tellado defende esse argumento em Biased Big Tech algorithms limit our lives and choices. Stop the online discrimination., no USA Today: “In the years ahead, algorithms are poised to influence an ever larger share of what we pay, receive, see, learn and decide between — from the cost of goods and services to the headlines and search results that do and do not make it into our personal feeds. As their influence rises, the question becomes more critical: How can we guard against algorithmic biases and hold our tech giants accountable for maintaining fairness in the digital marketplace?

Há contudo uma outra discussão, mais alargada e mais profunda, que remete para a relação dos Estados Unidos com os monopólios. Até porque o país nasceu de uma revolta contra as taxas cobradas por um comércio monopolista. Isso mesmo recordam Shaoul Sussman e Matt Stoller no Polico em Why Amazon, Facebook, Google and Apple are Bad for America, um texto cuja ideia central é que “We used to believe that monopolies harm the economy and democracy.They still do.” Os autores defendem a ideia de que “Monopolies are Un-American” desde a fundação dos Estados Unidos e contam as muitas lutas legais que foi havendo para quebrar o poder das grandes companhias: “Because Americans and their leaders understood the importance of access to the marketplace, they intuitively recognized that democracy requires eliminating concentrations of power.” Até que algo mudou há sensivelmente 50 anos: “Two movements, the law and economics school from the University of Chicago on the right, and the consumer rights movement on the left, preached that legislative control of markets was corrupt.” Na sua perspectiva desde então venceu a tese de que o consumidor é rei e perderam-se direitos de cidadania. É algo que contestam: “Jeff Bezos and his fellow CEOs aren’t powerful sovereign-like entities because they are brilliant (…) They are governing us, because we the people have refused to do so through our public institutions. These men have merely stepped into the breach, filling up the void.”

David Dayen, editor executivo da The American Prospect num artigo na The Atlantic, também contesta este poder dos monopólios, só que em America’s Monopoly Problem Goes Way Beyond the Tech Giants chama a atenção para que o problema é muito mais vasto, pois “Whether you are shopping for pacemakerssanitary napkins, or wholesale office supplies, you will find very few sellers. You think you have choices in grocery aisles or at car-rental counters, but the majority of consumer products come from a handful of companies. Competition is hardly stiff when even many store brands are just renamed versions of market-leading products; at Costco, the batteries come from Duracell and the coffee from Starbucks.

Mas também há alguns argumentos a considerar do lado das Big Tech, e eles são recordados num editorial do Wall Street Journal, Big Tech’s Antitrust Paradox, o qual começa precisamente por notar que “Everyone seems to hate America’s giant tech companies these days—except the hundreds of millions of people who use their products.” Só que este argumento sempre foi o dos monopólios estabelecidos, contaria pouco não existissem outros, nomeadamente o facto de “The American giants also operate in a global economy with emerging competitors, especially from China.Breaking up U.S. tech companies would be a gift to ByteDance, Alibaba, Baidu and Tencent, among others. Alibaba wants to elbow into Amazon’s data cloud business in Europe. Politicians who are fretting about China’s drive for global economic dominance should think twice before dismantling the U.S. firms that invest heavily in artificial intelligence and can compete world-wide.” E é aqui, ou por aqui, que percebemos a dificuldade que referimos logo de entrada, a dificuldade de encontrar uma boa solução, pois “The burden is on the critics of Big Tech to prove genuine damage, and then propose solutions that don’t do more harm than good.”

E por esta semana é tudo. É possível que a leitura desta newsletter o leve a “googlar”, é possível que a tenha lido num aparelho da Apple, ou então usando um aplicativo da Google, é possível que a partilhe no Facebook ou no WhatsApp, é até possível que fique tentado a encomendar qualquer coisa à Amazon. A tecnológicas são mesmo parte do nosso dia-a-dia. Pense nisso, para o melhor e o menos bom. Tenha bom descanso, boas leituras, e boas férias se for caso disso.

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