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Do Tempo da Outra Senhora |
Santo António na tradição oral Posted: 08 Jun 2020 04:48 PM PDT Capa da revista ILUSTRAÇÃO PORTUGUEZA nº 16 de 11 de Junho de 1906. PRÓLOGO É vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António. Debruçar-nos-emos aqui sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares e cancioneiro popular alentejano. ADAGIÁRIO PORTUGUÊS. Não é extenso, mas existe algum adagiário relativo a Santo António: - “Água de Santo António tira o pão à gente e dá o vinho ao demónio.” - “Ande o calor por onde andar, pelo Santo António, há-de chegar.” - “Dia de Santo António, vêm comer as cerejas ao castanheiro.” - “Entre António e João planta teu feijão.” - “Não há sermão sem Santo António, nem panela sem toucinho.” - “Nem Deus com um gancho, nem Santo António com um garrancho.” - “Ovelha que é do lobo, Santo António Antônio não guarda.” - “Santo António tira a dor, mas não tira a pancada.” TRADIÇÔES E SUPERSTIÇÕES POPULARES - No dia de Santo António deve-se colher um raminho de erva-pinheira, para pendurar em casa. Se este reverdecer, tal facto é indício de fortuna. [2] - Para que Santo António opere o milagre de casar uma rapariga solteira, é preciso que uma sua imagem seja roubada a outra pessoa. [2] - Rezar um responso a Santo António faz com que a pessoa ou o animal responsado não consiga andar para diante, mas apenas para trás, pelo que volta ao ponto de partida. [2] - Na véspera do dia de Santo António, é costume ornamentar as portas ou as sacadas das casas com canas verdes. [7] ORAÇÕES POPULARES ALENTEJANAS Um tipo de oração popular é a encomendação (recomendação) que se faz a Jesus, à Virgem Maria ou a um Santo, para eles livrarem o encomendante de qualquer bicho ou pessoa que lhe queira fazer mal, assim como de qualquer influência maléfica ou demoníaca que o possam afectar. Vejamos uma “Encomendação a Santo António”: “Santo António se levantou, Caminho e carreira andou, Nossa Senhora encontrou, Ela lhe perguntou: - Aonde vais, António? - À vossa Santa busca vou. - Pois tu, António, irás E na terra ficarás, O meu corpo me guardarás De mau lobo e de má loba, De mau cão e de má cadela, De mau homem e de má mulher E de tudo mau que houver, Que eu nunca tenha perca Nem dano nem prejuízo algum. Em louvor da Virgem Maria Um Padre Nosso e uma Ave Maria.” [5] Um outro tipo de oração popular é o responso, entendido como uma oração a um Santo, visando o aparecimento de coisas desaparecidas ou que não ocorram males que se temem. Vejamos um “Responso de Santo António”: “Santo António se levantou, seu sapatinho calçou, seu bordãozinho pegou, seu caminho caminhou, Jesus Cristo encontrou. Jesus Cristo lhe perguntou: - Onde vais, Beato António? - Senhor, convosco vou. - Comigo não virás, na terra ficarás guardando o que está perdido, que à mão do dono seja restituído. Em nome de Deus e da Virgem Maria Pai-Nosso e Ave-Maria.” [1] Este responso reza-se três vezes, depois das quais, as coisas desaparecidas, aparecem. CANCIONEIRO POPULAR ALENTEJANO O Povo não esquece a data festiva do Santo António: “A treze do mês de Junho Santo António se demove, S. João a vinte e quatro, e S. Pedro a vinte e nove.“ [6] Pelo Santo António, S. Pedro e S. João é cantada a seguinte cantiga popular: “Santo António, S. Pedro e S. João, Santinhos padroeiros, Do meu terno coração. Olhai por mim, Protegei-me, dai-me sorte, Que eu serei vossa devota Quer na vida quer na morte.” (Évora) [3] O Povo considera que Santo António pertence a uma admirável geração: “S. Francisco é meu primo, Santo António é meu irmão, Os anjos são meus parentes, Ai que linda geração!” (Beja) [4] Tem-no, naturalmente, na mais elevada estima: “Ailé, Senhor Santo António, É o melhor cravo Do meu oratório.“ [6] O Santo é invocado para guardar olivais: “Santo António de Lisboa, Guardador dos olivais, Guarda lá minha azeitona Do biquinho dos pardais.“ [6] Igualmente é invocado para guardar amores fugitivos: “Santo António de Lisboa, Guardador dos olivais, Guardai-o meu lindo amor, Que cada vez foge mais.“ [6] Santo António é casamenteiro. Por isso, ele ou ela imploram: “Ó meu amor, pede a Deus, E eu peço a Santo António Que nos deixe juntar ambos No livro do matrimónio.“ (Alcáçovas) [4] O homem confessa o objecto da sua fé: “O sol bate de chapa, Faz a maçã coradinha; Tenho fé em Santo António Que inda hás-de vir a ser minha.“ (Odemira) [4] Por seu lado, a mulher suplica ao Santo que a case com determinado homem: “Ó meu rico Santo António, Eu bem alto aqui to digo; Casai os rapazes todos, O Josezinho comigo!“ (Alcáçovas) [4] Chegam a chamar namoradeiro ao Santo: “Santo António me acenou De cima do seu altar, Olha o maroto do santo, Que também quer namorar." [6] Apontam-lhe mesmo, certos episódios: “Santo António, com ser santo, Foi sempre um grande gaiato, Foi à fonte com três moças, recolheu, trazia quatro.“ [6] Chegam ao ponto de lhe fazer determinadas insinuações: “Senhor Santo António Tem duas ladeiras: Umas das casadas, Outra das solteiras.“ (Moura) [4] Por chalaça, Santo António é invocado pelas mulheres para escarnecer dos homens: “Santo António de Lisboa, Venha ver o que cá vai, Deu a rabugem nos homens, Como dá nos animais.“ [6] Os homens respondem na mesma moeda: “Santo António da Terrugem Venha ver o que cá vai, Anda a rabugem nas moças, Té o cabelo lhes cai.“ [6] No conceito popular, o Santo é portador da mais alta patente militar, daí que digam: “Santo António de Lisboa Não quer que lhe chamem santo, Quer que lhe chamem António, General, mar’chal de campo.“ [6] Pelo poder que lhe é atribuído, não é de estranhar que Santo António seja invocado para livrar os mancebos da vida militar: “Sant’Entóino é bom rapaz, Que livrou seu pai da morte. Também livrará meu bem Quando for “tirar as sortes””. (Mina de S Domingos) [4] Igualmente é invocado para ajudar a vencer desafios ainda maiores: “Santo António é bom filho, Que livrou seu pai da morte; Ajudai-nos a vencer Esta batalha tão forte.“ [6] Como o ramo de loureiro era utilizado para sinalizar a porta das tabernas, houve quem ironizasse a decoração do altar do Santo: “No altar de Santo António ‘Stá um ramo de lòreiro; Olha que pouca vergonha, Fazer de um santo vendeiro!“ (Évora) [4] Os homens chegaram ao ponto de o acusar de reservar o vinho para as mulheres: “Santo António de Cabanas Tem uma pipa no monte, As mulheres bebem vinho, Os homens água da fonte.“ [6] Chega a ser encarado como vendedor, a quem se solicita que seja pródigo no avio: “Santo António vende peras, Vende peras a vintém, Lá irá o meu menino, Santinho, aviai-o bem.“ [6] A invocação da sua intercessão não conhece limites: “Ó meu padre Santo António, Vestidinho d’estamenha; A quem quer ajudar O vento lhe ajunta a lenha.“ [6] O povo que tem convicções firmes e gosta de coisas rijas, considera que o Santo é mesmo um Santo com força nas canelas: “Santo António da Terruge’ Feito de pau de azinho, Tem mais força no canelo Que um barrasco no focinho.“ (Terrugem) [4] EPÍLOGO Julgamos que dentro da literatura de tradição oral, as orações populares e o cancioneiro são reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural. BIBLIOGRAFIA [1] – ALVES, Aníbal Falcato. Rezas e Benzeduras. Campo das Letras. Porto, 1998. [2] - CONSIGLIERI PEDROSO, “Supertições Populares”, O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881. [3] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Edição de Álvaro Pinto (Revista de Portugal). Lisboa, 1955. [4] – LEITE DE VASCONCELLOS, J. Leite. Cancioneiro Popular Português, vol. III. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra, 1983. [5] – POMBINHO JÚNIOR, A.P. Orações Populares de Portel. Edições Colibri-Câmara Municipal de Portel. Lisboa, 2001. [6] - THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. I. Typographia Progesso. Elvas, 1902. [7] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927. |
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