quarta-feira, 25 de março de 2020

DO TEMPO DA OUTRA SENHORA - 25 DE MARÇO DE 2020

 10:37
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Do Tempo da Outra Senhora


Posted: 24 Mar 2020 11:11 AM PDT

Isabel Pires (1955-  ).

As fotografias aqui apresentadas são reproduzidas
com a devida vénia
da página do Facebook de Isabel Pires

Maria Isabel Dias Catarrilhas Pires (1955- ) é natural de Vila Boim (Elvas) e radicou-se em Estremoz nos anos 80 do séc. XX, visto o seu marido ser funcionário da Pousada da Rainha Santa Isabel. Começou a modelar o barro em 1986 por auto-aprendizagem e com alguma orientação de Quirina Alice Marmelo. Inspirou-se nos modelos expostos no Museu Municipal de Estremoz, mas conferindo ao seu trabalho um cunho muito pessoal. Dá um tratamento naturalista às suas figuras, fruto da importância que concede aos pormenores na execução das mesmas. Nesse sentido distancia-se do estilo tradicional de Estremoz. A sua oficina situa-se na sua residência, situada na Rua Nossa Senhora do Carmo lote n.º 37, Bairro da Salsinha, em Estremoz, local onde comercializa os seus Bonecos. Estes são também vendidos na loja “Artesanato José Saruga”, no Rossio Marquês de Pombal, 98 A, bem como no Artesanato Santo André, na Rua da Misericórdia, 2, em Estremoz. Tem participado na FIAPE e em exposições individuais e colectivas organizadas pelo Museu Municipal de Estremoz. Em 2018 participou na Feira de Artesanato em Pendik, Istambul, na Turquia.

 Berço do Menino Jesus - 1.

 Berço do Menino Jesus - 2.

 Presépio de 3 figuras.

  Presépio.

  Presépio de trono.

  Reis Magos.

  Presépio alentejano.

 Última Ceia.

  Santo António.

  São João Baptista.

 São Miguel.

 Rainha Santa Isabel.

Pastor e ceifeira.

 Coqueira.

 Grupo de alentejanos e alentejanas.

 Grupo de cante alentejano.

 Casal de velhotes.

 Jogo do pião.

  Grupo de "Amor é cego".

 Reis negros.

 Cantarinhas e pucarinhos.

 Galo (assobio).

 Pombas no arco (assobio).

 Primavera (assobio).
Posted: 28 Dec 2019 08:05 AM PST

Fig. 1 - Presépio de 3 figuras (2019). Ricardo Fonseca (1986- ).

O meu amigo Elói Pardal, que muito prezo, encomendou ao barrista Ricardo Fonseca,
vários exemplares de um minúsculo presépio de 3 figuras,
a oferecer a amigos seus durante um jantar de Natal.
A mim pediu-me a elaboração de um texto que acompanhasse o presépio.
 Daí nasceu o presente texto.
A partir dele editei um folheto de 4 páginas, cuja imagem de capa aqui reproduzo (Fig. 2).

O PRESÉPIO
Entrámos no período de Natal. Este é a festividade cristã que enaltece o nascimento de Jesus Cristo. A data da sua celebração ocorre a 25 de Dezembro (Igreja Católica Apostólica Romana) ou a 7 de Janeiro (Igreja Ortodoxa). O Natal é, de resto, mundialmente encarado por pessoas de diferentes credos, como o dia consagrado à família, à paz, à fraternidade e à solidariedade entre os homens.
Um dos grandes símbolos religiosos, que retrata o Natal e o nascimento de Jesus é o presépio. De acordo com Rafael Bluteau (1) e Cândido de Figueiredo (3), a palavra “presépio” provem do latim “praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos.
PRESÉPIOS DE ESTREMOZ
Conhecem-se presépios de barro de Estremoz desde o séc. XVIII e crê-se que eles terão sido aqui introduzidos pelos monges do Convento de S. Francisco, edificado em meados do séc. XIII e cuja tradição presepista é bem conhecida, desde que o fundador da Ordem, S. Francisco de Assis, montou o primeiro presépio do mundo em Greccio (Itália), no Natal de 1223, com a função didáctica de explicar o nascimento de Jesus, ao mesmo tempo que desgostado com as liberdades da Natividade dentro dos Templos, sustinha a adoração do Natal, como nos diz Luís Chaves (2).
BONECOS DE ESTREMOZ
A manufactura de Bonecos de Estremoz é uma manufactura “sui-generis”, baseada numa técnica ancestral de produção que desde as bonequeiras de setecentos se transmitiu ao longo dos séculos e chegou até nós. Distingue-se de tudo aquilo que se faz em Portugal e no resto do mundo. Nela, o todo é criado a partir das partes, recorrendo à combinação de três geometrias distintas: a placa, o rolo e a bola. São elas que, com dimensões variáveis, são utilizadas na gestação de cada Boneco. Depois de modelados, os Bonecos sofrem sucessivamente as operações de secagem, cozedura, arrefecimento, envernizamento e pintura. Em resumo, um Boneco de Estremoz é uma figura modelada à mão, em barro vermelho, cozida e policromada, usando técnicas das quais há indícios de remontarem ao séc. XVII.
PRESÉPIO DE 3 FIGURAS
A Sagrada Família assenta numa base rectangular de cor castanha, simbolizando a terra. A cabeça de cada uma das figuras é aproximadamente esférica e revela cabelo castanho. O rosto e as mãos têm uma cor que configura a cor da pele. Os olhos são dois pontos negros, encimados por dois arcos paralelos, igualmente negros, configurando sobrancelhas e pestanas. As bocas são pontos vermelhos, representando a boca.
O menino Jesus tem à sua direita a Mãe e à esquerda o Pai. Está deitado numa cesta cuja textura da superfície e cor, evocam a verga. Encontra-se coberto por uma manta branca, orlada de dourado. Os braços estão abertos, parecendo querer dizer: Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mateus 11:28-30) (4). 
Tanto Nossa Senhora como São José têm sobre a cabeça um resplendor dourado, símbolo de santidade e envergam trajes que configuram vestes bíblicas.
Nossa Senhora está de pé e tem as mãos unidas e postas ao alto, numa atitude de oração, gesto de humildade, de confiança e de submissão à autoridade de Deus. Veste um vestido azul claro comprido, com bainha e punhos azuis. Sobre a cabeça um manto castanho com orla dourada. Repare-se no pormenor de Nossa Senhora ter a cabeça e com ela o cabelo coberto pelo manto. Para além da natural contextualização em termos de usos e costumes da época em que nasceu Jesus, a esta representação não será também estranho o reconhecimento da realidade vigente entre nós na primeira metade do século XX e que impedia qualquer mulher de entrar num local de culto, de cabeça descoberta.
São José veste uma túnica branca com bainha e punhos castanhos. Sobre os ombros enverga uma capa castanha com orla dourada. Nas mãos segura um bordão de caminheiro. Esta representação configura ainda caber-lhe a responsabilidade de ter a seu cargo a defesa da sua Família.
RICARDO FONSECA, BONEQUEIRO DE ESTREMOZ
Ricardo Fonseca nasceu em 1986 na freguesia de Santa Maria do concelho de Estremoz, onde fez a instrução primária e cursou Artes na Escola Secundária, adquirindo saberes no âmbito da Pintura, da Escultura e da História de Arte. Sobrinho de peixe sabe nadar. O seu tio Ilídio foi oleiro na Olaria Alfacinha. As irmãs Flores, suas tias, são bonequeiras. Não admira pois que se tenha sentido fascinado pela plasticidade do barro e pelas transmutações que ele permite já que, como diz o poeta António Simões: “Barro incerto do presente, / Vai moldar-te a mão do povo / Vai dar-te forma diferente, / Para que sejas barro novo.” Daí que Ricardo tenha começado a manusear o barro aí pelos catorze anos, fazendo a aprendizagem com as suas tias. Aos quinze anos já fazia pequenos presépios e algumas imagens que vendia aos turistas, assegurando assim a mesada para os seus gastos juvenis.
Ao sair da Escola, em 2005, começou a trabalhar com as tias na oficina-loja do Largo da República. Foi então que a manufactura de Bonecos deixou de ser uma brincadeira e passou a ser o seu mester. A execução das figuras continuou, todavia, a ser feita com imenso prazer e igual paixão, pois como diz o adagiário “O trabalho é o mestre do ofício” e “O prazer no trabalho aperfeiçoa a obra”. Trabalha muitas vezes por encomenda, o que é caso para dizer “A boa obra, se vai pedida, já vai comprada e bem vendida”. Confecciona espécimes dentro e fora do conjunto dos “Bonecos da Tradição”. Entre os modelos que registam maior procura figuram: “O Amor é Cego”, “Primavera”, “Rainha Santa Isabel” e “Presépios”.
A procura de coleccionadores leva-o a criar variantes de muitos exemplares, o que acontece sobretudo com “Presépios”, mas também com imagens como “Santo António”, “Nossa Senhora da Conceição” e “Rainha Santa Isabel”, o que se torna estimulante, sob um ponto de vista criativo. De resto e por auto-desafio vai criando peças cada vez mais complexas, sem abandonar porém os preceitos inerentes à manufactura dos Bonecos de Estremoz. É caso para dizer que: “Aprende por arte e irás por diante”.
É sabido que cada barrista tem o seu próprio modo de observar o mundo que o cerca e de o interpretar, legando traços de identidade pessoal nas peças que manufactura e que são marcas indeléveis que permitem identificar o seu autor. Lá diz o adagiário: “As obras mostram quem cada um é” e “Pela obra se conhece o artesão”. No caso de Ricardo, o perfeccionismo está-lhe na massa do sangue, o que o leva a dedicar-se aos pormenores, não só na pintura, como na própria manufactura do rosto, das mãos, dos pés e dos enfeites que adornam as figuras.

BIBLIOGRAFIA
(1) – BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino. Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus. Coimbra, 1713.
(2) - CHAVES, Luís. O primeiro “Presépio” de Lisboa conhecido (Século XVII). In, O Archeologo Português. Lisboa, Museu Ethnographico Português. S. 1, vol. 21, n.º 1-12 (Jan-Dez 1916), p. 229-230.
(3) – FIGUEIREDO, Cândido de. Novo Diccionário da Língua Portuguesa. Editora T. Cardos & Irmão, 1899.
(4) – SÃO MATEUS. Evangelho segundo São Mateus.

Fig. 2 - Capa do folheto editado, referido no texto.

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