A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Durante as décadas de 1950 e 1960, na sua casa reunia-se uma das mais vibrantes tertúlias de Lisboa, onde compareciam as mais destacadas figuras das artes, das letras e da política (oposicionista) portuguesas e também internacionais. A partir de 1971, essas reuniões passaram a ter lugar no bar Botequim. Ficou conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas.
Nascida na
ilha de São Miguel, quando tinha apenas 11 anos o pai
emigra para o
Brasil, fixando-se Natália Correia com a mãe e a irmã em
Lisboa, cidade onde fez estudos liceais no
Liceu D. Filipa de Lencastre. Iniciou-se na literatura com a publicação de uma obra destinada ao público infanto-juvenil, mas rapidamente se afirmou como poetisa (como ela gostava de ser chamada:
«...poetisa. Sim, chamar-lhe-ei poetisa. A homenagem que distingue o génio poético feminino com o prémio de lhe masculinizar o estro ultraja uma poesia que quer feminizar o mundo»[3]).
Notabilizada através de diversas vertentes da escrita, já que foi poeta, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora
[4], tornou-se conhecida na imprensa escrita e, mais tarde, nos anos 80, na televisão, com o programa
Mátria, onde advogou uma forma especial de feminismo (afastado do conceito politicamente correcto do movimento), o matricismo, identificador da mulher como arquétipo da liberdade erótica e passional e fonte matricial da humanidade; mais tarde, à noção de
Pátria e de
Mátria acrescenta a de
Frátria.
Foi igualmente coordenadora da Editora Arcádia, uma das principais editoras livreiras portuguesas do seu tempo.
Dotada de invulgar talento oratório e grande coragem combativa, tomou parte activa nos movimentos de oposição ao
Estado Novo, tendo participado no MUD (Movimento de Unidade Democrática, 1945), no apoio às candidaturas para a Presidência da República do general
Norton de Matos (1949) e de
Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, 1969), liderada por
Mário Soares.
Foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação da
Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, considerada ofensiva dos costumes (
1966) e processada por ter tido a responsabilidade editorial das
Novas Cartas Portuguesas de
Maria Isabel Barreno,
Maria Velho da Costa e
Maria Teresa Horta; processo que ficaria conhecido como
Três Marias.
Foi autora de polémicas intervenções parlamentares. Ficou célebre, durante um debate sobre o aborto, em 11 de novembro de 1982, o poema satírico que fez a
João Morgado, deputado do
CDS que afirmara que «o acto sexual é para ter filhos». O poema foi publicado dias depois pelo
Diário de Lisboa.
Fundou em 1971, com Isabel Meireles, o bar
Botequim, onde durante as décadas de 1970 e 1980 se reuniu grande parte da intelectualidade portuguesa. Foi amiga de
António Sérgio (esteve associada ao Movimento da Filosofia Portuguesa),
David Mourão-Ferreira ("a irmã que nunca tive"),
José-Augusto França ("a mais linda mulher de Lisboa")
[2],
Luiz Pacheco ("esta
hierofântide do século XX"),
Almada Negreiros,
D. Maria Pia de Saxe-Coburgo e Bragança ("confidente íntima")
[5],
Mário Cesariny ("era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo")
[6],
Ary dos Santos ("beleza sem costura")
[7],
Amália Rodrigues,
Fernando Dacosta, entre muitos outros. Foi uma entusiasmada e grande impulsionadora pelo aparecimento do espectáculo de
café-concerto em Portugal. Na sua casa, foi anfitriã de escritores famosos como
Henry Miller,
Graham Greene ou
Ionesco.
A 13 de Julho de 1981 foi feita Grande-Oficial da
Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Natália Correia recebeu, em 1991, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro
Sonetos Românticos. No mesmo ano a 26 de Novembro foi feita Grande-Oficial da
Ordem da Liberdade.
[8]
Natália Correia casou-se por quatro vezes. Após dois primeiros curtos casamentos, casou em Lisboa a 31 de Julho de 1953 com Alfredo Luís Machado (1904-1989), gerente e dono do
Hotel do Império, a sua grande paixão, bem mais velho do que ela e já viúvo, casamento este que durou até à morte deste, a 17 de Fevereiro de 1989. (São já notáveis as cartas de amor da jovem Natália para Alfredo Luís Machado). Em 1990, tinha Natália 67 anos de idade, casou com
Dórdio Guimarães, seu admirador desde sempre, cineasta e filho de Manuel Guimarães.
Na madrugada de
16 de Março de
1993, morreu
[1], subitamente, com um
ataque cardíaco, em sua casa, depois de regressada do
Botequim. A sua morte precoce deixou um vazio na cultura portuguesa muito difícil de preencher. Legou a maioria dos seus bens à
Região Autónoma dos Açores, que lhe dedicou uma exposição permanente na nova Biblioteca Pública de
Ponta Delgada, instituição que tem à sua guarda parte do seu espólio literário (que partilha com a Biblioteca Nacional de Lisboa) constante de muitos volumes éditos, inéditos, documentos biográficos, iconografia e correspondência, incluindo múltiplas obras de arte e a biblioteca privada.
- Rio de Nuvens (poesia), 1947
- Poemas (poesia), 1955
- Dimensão Encontrada (poesia), 1957
- Passaporte (poesia), 1958
- Comunicação (poema dramático), 1959
- Cântico do País Emerso (poesia), 1961
- O Vinho e a Lira (Poesia), 1969
- Mátria (Poesia), 1967
- As Maçãs de Orestes (Poesia), 1970
- Trovas de D. Dinis, [Trobas d'el Rey D. Denis] (Poesia), 1970
- A Mosca Iluminada (Poesia), 1972
- O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro (Poesia), 1973
- Poemas a Rebate, (poemas censurados de livros anteriores) (poesia), 1975
- Epístola aos Iamitas (poesia), 1976
- O Dilúvio e a Pomba (poesia), 1979
- O Armistício (poesia), 1985
- Sonetos Românticos (poesia), 1990 ; 1991
- O Sol nas Noites e o Luar nos Dias (poesia completa), 1993 ; 2000
- Memória da Sombra, versos para esculturas de António Matos (poesia), 1993
- Grandes Aventuras de um Pequeno Herói (romance infantil), 1945
- Anoiteceu no Bairro (romance), 1946 ; 2004
- A Madona (Romance), 1968 ; 2000
- A Ilha de Circe (romance), 1983 ; 2001
- Onde está o Menino Jesus? (contos), 1987
- As Núpcias (romance), 1992
- Descobri Que Era Europeia: impressões duma viagem à América (viagens), 1951 ; 2002
- Não Percas a Rosa. Diário e algo mais (25 de Abril de 1974 - 20 de Dezembro de 1975) (Diário), 1978 ; 2003
- Sucubina ou a Teoria do Chapéu (teatro), em colab. com Manuel de Lima, 1952
- O Progresso de Édipo (poema dramático), 1957
- D. João e Julieta, peça escrita em 1959 (teatro), 1999
- O Homúnculo, tragédia jocosa (teatro), 1965
- O Encoberto (Teatro), 1969 ; 1977
- Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente (teatro), 1981 ; 1991
- A Pécora, peça escrita em 1967 (teatro), 1983 ; 1990
- Poesia de Arte e Realismo Poético (ensaio), 1959
- A Questão Académica de 1907 (ensaio), 1962
- Uma Estátua para Herodes (Ensaio), 1974
- Notas para uma Introdução às Cantigas de Escárnio e de Mal-Dizer Galego-Portuguesas (ensaio), 1982
- Somos Todos Hispanos (ensaio), 1988 ; 2003
- Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à actualidade (Antologia), 1965 ; 2000
- Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses (Antologia), 1970 ; 1998
- O Surrealismo na Poesia Portuguesa (Antologia), 1973 ; 2002
- A Mulher, antologia poética (Antologia), 1973
- Antologia de Poesia do Período Barroco (antologia), 1982
- A Ilha de Sam Nunca: atlantismo e insularidade na poesia de António de Sousa (antologia), 1982
- A Ibericidade na Dramaturgia Portuguesa (ensaio), 2000
- Breve História da Mulher e outros escritos (antologia de textos de imprensa), 2003
- A Estrela de Cada Um (antologia de textos de imprensa), 2004
Notas e Referências
- ↑ Ir para:a b c «Natália Correia». Instituto Camões. Consultado em 26 de Junho de 2011
- ↑ Ir para:a b «Da Menina mais Bonita de Lisboa à Senhora da Rosa dos Açores, a hierofântide do século XX». teiaportuguesa.com. Consultado em 26 de Junho de 2011
- ↑ CORREIA, Natália (1981). prefácio a "Diário do Último Ano de Florbela Espanca". Lisboa: Bertrand. 11 páginas
- ↑ Ir para:a b «Depósitos- CORREIA, Natália, 1923-1993». Biblioteca Nacional de Portugal. Consultado em 26 de Junho de 2011
- ↑ Fernando Dacosta; O Botequim da Liberdade. Casa das Letras: Lisboa, 2013. pp. 176-177
- ↑ «A primeira vez que vi a Natália Correia foi no São Carlos. Eu estava na galeria ela no segundo balcão. Quando? Ui! Aí pelos anos 1950. Apesar de já não ter muito afecto a senhoras, ia caindo para o lado do espectáculo de beleza que ela apresentava. Era quase extra-humana, era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo. Era uma coisa impressionante. Mas era também uma mulher de um desdém muito grande. Cheguei a julgá-la assexuada ou frígida mas parece que não era bem isso…», Mário Cesariny entrevistado por Carlos Câmara Leme, jornal Público, 2003.03.16
- ↑ "A casaca", in Adereços, Endereços (1965)
- ↑ Ordens Honoríficas Portuguesas