Golpe de 25 de Novembro de 1975
O golpe de 25 de Novembro de 1975 foi uma tentativa de golpe militar conduzido por uma fação das forças armadas, cujo fracasso resultou no fim do Processo Revolucionário em Curso, permitindo que se instaurasse em Portugal uma democracia pluralista, política e constitucionalmente baseada num regime semi-presidencialista, e economicamente baseada numa economia de mercado.[1]
Após o Verão Quente desse ano, em que se efetua a disputa entre forças revolucionárias e forças moderadas pela ocupação do poder do Conselho da Revolução, civis e militares começaram a contar espingardas para um possível confronto armado. Este, tantas vezes anunciado pareceu por fim inevitável, quando, na madrugada de 25 de Novembro de 1975, tropas paraquedistas ocupam diversas bases aéreas, na expectativa de receber apoio do COPCON. Mas opondo-se-lhes um grupo operacional de militares, chefiado por Ramalho Eanes, conseguiu contrariar a revolta, substituindo o PREC, acrónimo para Processo Revolucionário em Curso, pelo Processo Constitucional em Curso.[2]
Índice
Contexto histórico[editar | editar código-fonte]
O levantamento militar de 25 de Abril de 1974, conhecido pela Revolução dos Cravos, teve como objectivo principal a implantação em Portugal de um regime democrático, pondo fim a 48 anos de ditadura, proporcionando uma solução política imediata para a guerra colonial. A definição desse regime não foi consensual entre as diversas facções partidárias e movimentos sociais e políticos que surgiram então. Com a adesão espontânea de grande parte da população das principais cidades do País, o Golpe de Estado transformou-se em processo revolucionário (PREC). Na noite de 25 de Abril de 1974 o MFA deu a conhecer à população portuguesa o seu Programa político e militar, o qual comportava diversas medidas de carácter político, jurídico, social e económico. O Programa do MFA não apontava para qualquer tipo específico de regime democrático mas, em contrapartida, no seu ponto 6 apontava para uma reorganização económica e social do País de tipo socialista (ou no mínimo socializante), antimonopolista e favorável às classes e camadas sociais mais desfavorecidas[3]. Foi sobretudo a favor ou contra estas provisões do Programa do MFA que a luta política, social, ideológica, económica e militar - a luta de classes - se iria desencadear. Esse debate ideológico entre ainda permanece, nos moldes da democracia portuguesa, ao nível de historiadores, politólogos, especialistas de relações internacionais ou elementos da classe política.
As forças mais identificadas com o modelo económico e social, comummente definidas de economia de mercado, de livre iniciativa, ou capitalista, considerando os respetivos conceitos da Ciência Política, como o PS, o PPD, o CDS, o PPM e as fações militares suas aliadas (spinolistas, direita militar mais conservadora, melo-antunistas, moderados mais ou menos aliados à ala direita do PS, como os soaristas) iriam tudo fazer para inviabilizar a implementação do ponto 6 a) e b) do Programa do MFA. Aliar-se-iam inclusive a potências estrangeiras e as respetivas agências de espionagem (EUA, RU/GB, RFA).
Algumas forças mantiveram-se fiéis ao referido PREC, acrónimo para Processo Revolucionário em Curso, nomeadamente as forças políticas da esquerda parlamentar e constitucional, formada pelo MDP/CDE - Movimento Democrático Português - Comissão Democrática Eleitoral e a UDP União Democrática Popular e de vez em quando aliadas ao PCP - Partido Comunista Português. Constituíam o que se chamou Frente de Unidade Revolucionária e todas visavam a implantação de uma república popular.[necessário esclarecer] Todas elas detinham, em conjunto com o PCP, 36 dos 250 Deputados Constituintes.
Por oposição outras facções mais moderadas que um ano depois, em 1975, detinham uma ampla maioria dentro da Assembleia Constituinte, (214 dos 250 Deputados Constituintes), constituída por PS - Partido Socialista, PPD - Partido Popular Democrático e CDS - Centro Democrático Social, defendem a implantação de uma Democracia constitucional de cariz semi-presidencialista.
Antecedentes[editar | editar código-fonte]
A 25 de Abril de 1975 decorreram as eleições para a Assembleia Constituinte. O Partido Socialista vence as eleições, as primeiras eleições livres dos últimos 50 anos e com uma participação eleitoral excepcional e sem incidentes de maior, dando a este 38% e 116 eleitos, o Partido Popular Democrático obtém 26,5% e 81 eleitos, o Partido Comunista Português obtém 12,5% e 30 eleitos, o Centro Democrático Social obtêm 7,6% e e 16 eleitos, MDP/CDE - Movimento Democrático Português - Comissão Democrática Eleitoral obtêm 4,14% e 5 eleitos, UDP União Democrática Popular obtém 0,79% e 1 eleito e a Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (ADIM; representava os interesses de Macau e estava conotada com o CDS) obtém 0,3% e 1 eleito.
A 21 de Junho, Otelo Saraiva de Carvalho, à data detentor do comando do COPCON, juntamente com o capitão Marques Júnior, à data membro do Conselho da Revolução, iniciaram uma visita de 10 dias a Cuba. A viagem foi realizada a pedido do Partido Comunista Português e apoiada pelo comunismo internacional, e tinha com o intuito atrair Otelo para o seu lado e assim garantir o controle do poder militar por parte dos comunistas.[4]
A 11 de Novembro, uma manifestação de trabalhadores da construção civil cerca a Assembleia Constituinte, impedindo a saída dos deputados constituintes e do Primeiro-Ministro do Palácio de S. Bento, após 36 horas. No dia 13 de Novembro o almirante Pinheiro de Azevedo é obrigado a ceder às reivindicações dos operários que exigiam aumentos salariais.
Em 16 de Novembro é realizada uma manifestação de trabalhadores da cintura industrial de Lisboa e das Unidades Colectivas de Produção alentejanas no Terreiro do Paço, em Lisboa, de apoio ao "Poder Popular", nesse dia vários dirigentes e deputados do PS, PPD e CDS estão no Porto, correndo rumores que a Assembleia Constituinte pode vir a ser transferida para aquela cidade.
A 20 de Novembro o VI Governo Provisório auto-suspende-se enquanto não lhe forem dadas garantias para poder governar, nesse dia é realizada uma manifestação em frente ao Palácio de Belém a favor do "Poder Popular", Costa Gomes fala com os manifestantes, afirmando ser indispensável evitar uma guerra civil.
No dia 21 de Novembro, o Conselho da Revolução destitui o general Otelo Saraiva de Carvalho do comando da Região Militar de Lisboa e substitui-o pelo capitão Vasco Lourenço ligado à linha moderada, dois dias depois é realizado em Lisboa um comício do PS, em apoio ao VI Governo Provisório, na Alameda D. Afonso Henriques, o mesmo conta com milhares de pessoas. No dia seguinte em 24 de Novembro, os populares de Rio Maior[5] e os agricultores associados da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), na altura conotados com a direita tradicional e patriótica, cortam as estradas de acesso a Lisboa, separando o Norte de Portugal e o Sul.
Golpe Militar de 25 de Novembro[editar | editar código-fonte]
No dia 25 de Novembro[editar | editar código-fonte]
Na sequência de uma decisão do coronel piloto-aviador José Morais da Silva, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea,[6] que dias antes tinha mandado passar à disponibilidade cerca de 1000 camaradas de armas de Tancos, paraquedista da Base Escola de Tancos ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto, Escola Militar da Força Aérea e mais cinco bases aéreas e detêm o tenente-coronel Aníbal Pinho Freire e exigem a demissão de Morais da Silva.
Este atos são considerados pelos militares ligados ao Grupo dos Nove como o indício de que poderia estar em preparação um golpe de estado vindo de sectores mais radicais, da esquerda. Esses militares apoiados pelos partidos políticos moderados como o PS e o PPD e depois do Presidente da República, General Francisco da Costa Gomes ter obtido por parte do PCP a confirmação de que não convocaria os seus militantes e apoiantes para qualquer acção de rua,[7] decidem então intervir militarmente para controlar o país.
O Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS), conotado com a Esquerda Militar, toma posições no aeroporto de Lisboa, portagem de Lisboa A1 e Depósito de Material de Guerra de Beirolas; e forças da Escola Prática de Administração Militar ocupam a RTP e a PM controla a Emissora Nacional, as duas Unidades militares eram conotados respectivamente com a esquerda revolucionária e com a referida Esquerda Militar ('gonçalvistas') e com a Esquerda Militar Radical ('otelistas').
O Regimento de Comandos da Amadora, conotada com os moderados, com a Direita Militar ('spinolistas' e outros sectores conservadores e ultra-conservadores militares, e identificados com os partidos da Direita política parlamentar, a Igreja e sectores da Extrema-Direita) e com o Centro Militar ('melo-antunistas' ou 'moderados', identificados com o PS e o 'grupo do Florida'), cerca o Emissor de Monsanto, ocupado pelos Paraquedistas, e a emissão da RTP é transferida para o Porto.
Mário Soares, Jorge Campinos e Mário Sottomayor Cardia, da Comissão Permanente do PS, no seguimento de um plano contra-revolucionário previamente estabelecido, saem clandestinamente de Lisboa, na tarde do dia 25, e seguem para o Porto, onde se apresentam ao moderado Pires Veloso no Quartel da Região Militar Norte, através do General piloto-aviador José Lemos Ferreira que teria oferecido resistência ao seu comandante o brigadeiro graduado Eurico de Deus Corvacho;
O Presidente da República decreta o estado de sitio na área da Região Militar de Lisboa, e teve um papel determinante na contenção dos extremos. O Tenente-coronel António Ramalho Eanes, adjunto de Vasco Lourenço e futuro presidente da republica, ilude pressões dos militares da extrema-direita que o incitam a mandar bombardear unidades.
Vasco Lourenço dá voz de prisão a Diniz de Almeida, Campos Andrada, Cuco Rosa e Mário Tomé, todos militares conotados forças políticas de esquerda revolucionária, sendo o último inclusivamente filiado na UDP; diversos Oficiais ditos 'moderados' estavam então conotados com o PS (com o qual conspiraram na preparação do plano e das operações que desembocaram no '25 de Novembro de 1975') e o PPD.
Posteriormente o "Grupo dos Nove", vanguarda de todas as forças políticas e militares do Centro e da Direita (parlamentar e extra-parlamentar) e os seus aliados, alcançam o controlo da situação.
No dia 25 de Novembro[editar | editar código-fonte]
Jaime Neves, e uma unidade por si dirigida dos Comandos da Amadora, ligados aos moderados, atacam o Regimento da Polícia Militar da Ajuda, unidade militar tida como próxima das forças políticas de esquerda revolucionária. Após a rendição, o resultado são três mortos,[8] tendo posteriormente os militares revoltosos sido presos. As forças das Regiões Militares do Norte e Centro deslocam-se para Lisboa, e Melo Antunes declara na RTP que o PCP "é indispensável à democracia”.
No dia 27 de Novembro[editar | editar código-fonte]
Os Generais Carlos Fabião e Otelo Saraiva de Carvalho são destituídos, respectivamente, dos cargos de Chefe de Estado Maior do Exército e de Comandante do COPCON. Ramalho Eanes é nomeado Chefe de Estado Maior do Exército em substituição de Carlos Fabião e graduado em General. O COPCON é integrado no Estado Maior Geral das Forças Armadas. Por decisão do Conselho de Ministros a Rádio Renascença é devolvida à Igreja Católica. São enviadas para a prisão de Custóias algumas dezenas de militares detidos na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro, sendo que Costa Gomes, Presidente da República, decreta o estado de sítio parcial na região abrangida pela Região Militar de Lisboa.
Acalmia[editar | editar código-fonte]
A 28 de Novembro, o VI Governo Provisório retoma as suas funções e é suspensa a publicação dos jornais estatizados, no dia seguinte em conferência de imprensa, Sá Carneiro acusa o PCP de ser responsável pela insubordinação militar verificada, o PS tem idêntica atitude.
É levantado o estado de sítio em Lisboa a 2 de Dezembro,[9] no dia seguinte a Assembleia Constituinte PS, PPD e CDS acusam o PCP de estar envolvido nos acontecimentos de 25 de Novembro.
Em conferência de imprensa, a 4 de Dezembro, Mário Soares acusa o PCP de ter participado activamente no 25 de Novembro, utilizando a extrema-esquerda como ponta-de-lança e critica o PPD por "anti-comunismo retrógrado" ao pretender o afastamento do PCP, como condição da sua permanência no Governo, nesse mesmo dia o PS a par do PPD e CDS defendem a revisão do "Pacto MFA-Partidos".
O PCP realiza, em 7 de Dezembro, um comício no Campo Pequeno, Álvaro Cunhal reconhece a derrota sofrida pela esquerda revolucionária, e apela à "unidade das forças interessadas na salvaguarda das liberdades, da democracia e da revolução".
A 1 de Janeiro de 1976 a GNR intervém, junto à prisão de Custóias, para dispersar a manifestação de solidariedade com os militares presos após o 25 de Novembro de que resultam quatro mortos e seis feridos [10]
É preso, em 19 de Janeiro, Otelo Saraiva de Carvalho após a divulgação do Relatório Preliminar dos acontecimentos de 25 de Novembro, alegadamente este estaria implicado no possível golpe militar de esquerda.
É realizada uma grande manifestação popular, no dia 20 de Fevereiro, em Lisboa pela libertação dos militares presos em consequência dos acontecimentos de 25 de Novembro.
No dia 3 de Março de 1976, Otelo Saraiva de Carvalho, é libertado e passa ao regime de residência fixa.
Referências
- ↑ Manuel Braga da Cruz (1994). «O Presidente da República na génese e evolução do sistema de governo português». Análise Social. 29 (125/126): 237-265
- ↑ 25 de NOVEMBRO- QUANTOS GOLPES AFINAL? - Maria Manuela Cruzeiro - Centro de Documentação do 25 de Abril
- ↑ Estado-Maior do Exército (10 de setembro de 1975). «Programa do M.F.A.». Centro de Documentação do 25 de Abril, Universidade de Coimbra. Consultado em 24 de novembro de 2017
- ↑ «Otelo em Cuba a pedido do PCP». Diário de Notícias. 31 de julho de 2005. Consultado em 30 de abril de 2015
- ↑ Memórias do 25 de Novembro: A «moca» de Rio Maior, Aventar
- ↑ Morreu coronel Morais da Silva, ex-chefe do Estado-Maior da Força Aérea, Observador, 30 de Dezembro de 2014
- ↑ https://www.dorl.pcp.pt/index.php/obras-alvaro-cunhal-menumarxismoleninismo-107/2135-lvaro-cunhal-o-25-de-novembro-cap-8-qverdade-e-mentira-na-rev-de-abril
- ↑ Jaime Neves - Militar de elite chega a general na reforma para de ambos os lados, Diário de Notícias, 11 abril 2009]
- ↑ Presidência da República (2 de dezembro de 1975). «Decreto N.º 674-B/75 - Diário do Governo N.º 278/1975, 1º Suplemento, Série I de 1975-12-02». Imprensa Nacional Casa da Moeda - Diário da República Electrónico (DRE)
- ↑ Diário de Lisboa, 2 e 3 de Janeiro de 1976
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
- 25 de Novembro, o fim do Verão Quente, Áreamilitar
- O 25 de Novembro de 1975, A Nossa História, comandosportugal
- Maria Manuela Cruzeiro, «25 de NOVEMBRO- QUANTOS GOLPES AFINAL?», Centro de Documentação do 25 de Abril, Universidade de Coimbra, Comunicação apresentada em 2005 no Colóquio sobre o 25 de Novembro, realizado no Museu da República Resistência (Lisboa)
- O 25 de Novembro, por Álvaro Cunhal
- O Golpe de 25 de Novembro nos Arquivos RTP
Fontes virtuais[editar | editar código-fonte]
- Partido Socialista - 25 anos no sitio do Fórum Cidadania
- Centro de Documentação 25 de Abril - Cronologia de A Revolução Portuguesa de 25 de Abril
- Fundação Mário Soares - Cronologia Século XX
- O VERÃO QUENTE - Caderno n.º 6 - Francisco Martins Rodrigues (Política Operária nº 1 e 2, 1985)