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FILIPE SANTOS COSTA
JORNALISTA DA SECÇÃO POLÍTICA
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Perdoai-lhes, Senhor? Eles sabiam o que faziam
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Bom dia.
Hoje, no Vaticano, é dia de audiência geral do Papa e a expectativa é sobre se Francisco falará do escândalo de pedofilia que volta a abalar a Igreja Católica - desta vez, atingindo-o diretamente e beliscando a sua imagem de uma forma que nunca tinha acontecido ao longo do pontificado. A acusaçãode que Francisco sabia dos abusos sobre menores perpetrados pelo cardeal norte-americano Theodore McCarrick, tendo ocultado essa informação e até dado provas de confiança no acusado, fragilizou de forma inédita o atual chefe da Santa Sé, deixando-o na mira dos setores mais conservadores da Igreja.
Ontem surgiu uma nova revelação neste caso: o procurador-geral da Pensilvânia, o estado norte-americano onde teve origem o capítulo que reacendeu a polémica da pedofilia na Igreja Católica, garantiu que existem provas de que o Vaticano tinha conhecimento de décadas de práticas criminosas protagonizadas por centenas de padres de seis dioceses da Pensilvânia. “Há exemplos concretos em que o Vaticano sabia e estava envolvido na ocultação”, assegurou o procurador-geral Josh Shapiro, um dos responsáveis pelo relatório divulgado na semana passada sobre essa longa história de abusos sobre menores e respetiva ocultação por parte da hierarquia católica. Shapiro só não pôde responder se Francisco sabia aquilo que o Vaticano sabia. “Só não posso falar sobre o Papa.”
Mas tudo indica que, pelo menos em relação aos crimes cometidos pelo cardeal McCarrick, Francisco sabia mesmo, e ocultou mesmo. Na segunda-feira, um dia depois de ser divulgada a carta em que o antigo embaixador (núncio) do Vaticano em Washington revelou que em 2013 deu conhecimento ao Papa da existência de dossiês sobre práticas pedófilas de McCarrick - acusando Francisco de ter ignorado essa informação e dado novas responsabilidades ao cardeal suspeito, o que agora motiva a exigência de que o Papa se afaste do cargo -, o Sumo Pontífice recusou-se a responder às acusações. Mas não desmentiu o conteúdo da carta do arcebispo italiano Carlo Maria Vigano. Apenas se recusou a comentá-la.
O New York Times explica quem é o arcebispo Vigano e conta como este desapareceu depois de escrever a cartaem que pede a Francisco que resigne.
O silêncio do Papa tornou-se demasiado ruidoso, numa história feita de silêncios que nunca deviam ter acontecido. Ao calar as denúncias que recebeu sobre McCarry, e ao calar-se outra vez agora, que é confrontado com essa responsabilidade, Francisco repete o pecado da Igreja, que desde sempre encobriu os casos de pedofilia de que ia sabendo, escolhendo sempre olhar para o outro lado. Há uns anos, essa conspiração de silêncio caiu com estrondo sobre a própria Igreja, quando o Boston Globe descobriu uma parte do que estava oculto (lembra-se do filme Spotlight?). E agora, que consequências terá mais silêncio e mais ocultação?
A ironia, neste caso, é que a recusa de Francisco em comentar a carta acusatória aconteceu no voo em que o Papa voltava a Roma depois de uma viagem à Irlanda em que admitiu o “falhanço das autoridades eclesiásticas” relativamente aos casos de pedofilia, que classificou como “crimes repugnantes”.
No avião de regresso, como é tradição, o chefe da hierarquia católica conversou com os jornalistas e, embora sem falar das acusações de que é alvo, falou de outros temas. Como a homossexualidade. O seu intuito seria - como já fez noutras ocasiões - exortar os católicos com filhos homossexuais a que os entendam e “não os condenem”. Mas uma frase lançou gasolina num tema inflamável: “Quando [a homossexualidade] se manifesta na infância, a psiquiatria pode desempenhar um papel importante para ajudar a perceber como as coisas são”. A declaração do Papa dava a entender que vê a homossexualidade como um distúrbio psiquiátrico - e essa foi a razão do clamor que se levantou, sobretudo junto de organizações LGBT. Ontem, na habitual transcrição da conversa do Papa com os jornalistas, o Vaticano apagou a palavra “psiquiatria”. Segundo o gabinete de imprensa da Santa Sé, o que o Papa disse não reflete o seu pensamento - Francisco “não queria dizer que se trata de ‘uma doença psiquiátrica’”.
Por falar em doença psiquiátrica, vale a pena ler estas duas reportagens, que desenterram o passado de instituições católicas que ao longo de décadas foram autênticas casas de horror.
Aqui, uma magnífica reportagem multimédia do New York Times publicada em outubro, sobre um lar na Irlanda para jovens mães solteiras e para os seus filhos. A “casa de horrores de Tuam” foi um dos casos que assombraram a visita do Papa à Irlanda, neste fim de semana, e que Francisco prometeu estudar com atenção.
Aqui, uma investigação publicada ontem pelo BuzzFeed sobre um orfanato católico no estado do Vermont, EUA. O caso não é novo, mas a longa reportagem conta com pormenores como era a vida das crianças que caiam nas mãos de freiras sádicas que parecem saídas de um filme de terror de quinta categoria. Há muitos relatos de abusos, violência, e até denúncia de mortes. Um aviso: não é a típica leitura levezinha de agosto. Mas, de qualquer forma, agosto está a acabar...
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Por inesperado que possa parecer, os fabricantes de automóveis andam a enganar-nos. Há anos que a indústria fornece dados sobre o consumo dos veículos que não correspondem à realidade - ou seja, os carros consomem bastante mais combustível do que os fabricantes anunciam. Só em Portugal, os automobilistas gastaram, desde 2000, mais 1,6 mil milhões de euros do que gastariam se os consumos apregoados pela indústria fossem verdadeiros.
Não se sabe quem pagou a conta, mas sabe-se que a situação do PSD constou da ementa. Pedro Santana Lopes e Carlos Carreiras almoçaram ontem e Rui Rio deve ter ficado com as orelhas a arder. Santana, por estes dias a trabalhar no seu novo partido, não precisa de apresentações, mas convém recordar que Carreiras é um dos poucos no PSD com poder real no país real: preside à autarquia de Cascais, a principal câmara liderada pelo PSD e é, desde há semanas, um dos mais destacados críticos de Rui Rio e da atual direção do PSD. Há algo de dejá vú nas críticas que Carreiras tem feito a Rio: há uns anos, quando Rio era o nº2 de Manuela Ferreira Leite, Carreiras também foi dos mais ativos sociais-democratas a demolir essa direção do PSD, que teve um fim inglório e previsível. E agora?
Para já, sabe-se que Rui Rio não diz uma palavra em público desde que foi de férias no início de agosto. Parece que volta ao ativo em setembro.
O setor do turismo continua a valer muita riqueza a Portugal. Só no ano passado foram cerca de 15 mil milhões de euros(mais 3,4 mil milhões do que em 2016). Os dados são da Organização Mundial do Turismo.
O Jornal de Negócios examinou o meio milhão de empregos criados em Portugaldepois do período negro do resgate da troika. E concluiu que o emprego novo é diferente do que desapareceu: mais feminino, mais envelhecido, mais qualificado e mais concentrado nos serviços e nas regiões de Lisboa e Porto. Na mesma, só se manteve o nível de precariedade.
Na Alemanha, a violência racista voltou às ruas. Hoje poderá ser o terceiro dia consecutivo de confrontos entre manifestantes de extrema-direita e contra-manifestantes de esquerda na cidade de Chemnitz, no Leste do país. Até ontem, a violência já havia feito 20 feridos. Tudo começou, como vai sendo hábito, com rumores empolados pelas redes sociais, relacionados com a morte de um alemão, que levou à detenção de um iraquiano e um sírio. O crime ainda está por esclarecer, mas o rastilho pegou fogo nos movimentos de extrema-direita, exigindo justiça popular. Apesar da condenção de Angela Merkel, a incapacidade da polícia para reagir ao que se passa nas ruas, associada a um "cocktail de medo e preconceito", faz temer o pior.
A propósito: ontem encontraram-se dois dos faróis do racismo, da xenofobia e do autoritarismo na Europa. O primeiro-ministro hungaro, Viktor Orbán, foi a Itália conhecer Mateo Salvini, o ministro da administração interna. Como seria de esperar, houve muitos elogios mútuos, chegando-se ao ponto do PM húngaro dizer sobre o líder da extrema-direita italiana. "Ele é o meu herói!". Podia ser um daqueles momentos em que só se estraga uma casa, mas estragam-se várias: Orbán e Salvini não escondem a ambição de promover uma liga europeia de partidos nacionalistas e xenófobos, para uma União Europeia de fronteiras fechadas. "Estamos próximos de um ponto de viragem para o futuro da Europa", disse o italiano.
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Um dos alvos da liga Orbán/Salvini é Angela Merkel; o outro é Emmanuel Macron. Mas o presidente francês tem em casa muito com que se preocupar. Ontem, o ministro do Ambiente, Nicolas Hulot, demitiu-se em direto durante uma entrevista radiofónica. Depois de ter sido mais uma vez desautorizado no Governo, anunciou simplesmente: "Não quero mais mentir a mim próprio." Hulot era "apenas" o ministro mais popular do Governo (numa altura em que a popularidade Macron está a pique) e um dos mais conhecidos ambientalistas da Europa, tendo sido um dos grandes trunfos do presidente quando este formou o Governo. O Libération traçou o perfil deste "verde" que estava instalado "à sombra do poder".
Donald Trump continua a sua guerra contra o mundo em geral, e agora contra a Google e os motores de busca em particular. O presidente dos EUA tomou como boa e assumiu para si a acusação de um site conservador, segundo o qual, quando é feita uma pesquisa sobre “Trump news”, 96% dos resultados disponibilizados pela Google são de meios de comunicação social adversários de Trump. Aqueles a quem Trump chama “fake media”, e que sobre ele só produzem “fake news”. Tendo em conta que o inquilino da Casa Branca tem feito esta acusação a quase todos os grandes títulos da comunicação social norte-americana, do New York Times à CNN (escapa a Fox News e pouco mais), talvez o problema esteja na banalização do rótulo, e não no algoritmo do motor de busca...
Entretanto, a Rússia anunciou as maiores manobras militares desde o fim da União Soviética. E a China, que já tem a maior armada do mundo, desafia o domínio dos EUA no Oceano Pacífico.
Sem surpresa, o golo de bicicleta que Cristiano Ronaldo marcou pelo Real Madrid contra a Juventus, nos quartos de final da Liga dos Campeões, foi escolhido como o melhor golo da épocano site da UEFA.
Hoje, às 20h, o Benfica joga com o PAOK a segunda mão para decidir quem avança para a fase de grupos da Liga dos Campeões. É um jogo que vale 43 milhões de euros.
João Sousa arrancou bem a participação no US Open. O tenista português bateu, na primeira ronda, o espanhol Marcel Granollers.
AS MANCHETES DE HOJE
i: "Metro desvia fundo de pensões para obras de expansão"
Jornal de Notícias: "Subsídio de desemprego vai aumentar até 17,5 euros"
Público: "Governo e Bruxelas deram aval aos prémios extras da Caixa"
Jornal de Negócios: "Economia recuperou 500 mil empregos. O que mudou?"
Correio da Manhã: "Crime passional ganha força"
O QUE ANDO A LER
Há anos que tencionava ler “O homem que gostava de cães”, de Leonardo Padura (Porto Editora). Tardou, mas aconteceu. A primeira estranheza, quando me recomendaram a obra, foi o facto de essa recomendação ter chegado um amigo apaixonado por História e biografias. Surpreendeu-me o entusiasmo desse meu amigo por um livro do romancista e ex-jornalista cubano, conhecido essencialmente pelos livros policiais em que o detetive Mario Conde investiga crimes nas ruas obscuras de Havana. Depois percebi: em “O homem que gostava de cães” também há um crime, também há deambulações fora de horas pelas ruas erradas de Havana e também há o rigor descritivo de Padura, servindo o cuidado trabalho de investigação do antigo jornalista que virou escritor celebrado internacionalmente. Só que, neste caso, o crime é real, assim como os protagonistas (quase todos, pelo menos).
No princípio - e no fim - deste thriller histórico há um dos mais célebres crimes do século XX: o assassinato de Trotski, por ordem de Estaline. E assim estão apresentados três personagens do livro: Leon Trotski e o seu assassino, Ramón Mercader, são os protagonistas, e José Estaline é uma sombra omnipresente ao longo das 624 páginas - por ter sido o homem que condenou Trotski (primeiro, ao ostracizá-lo e exilá-lo, em sequência da grande cisão que se seguiu à morte de Lenine - uma disputa de poder que Estaline venceu de forma implacável -, e depois ao dar a ordem efetiva para a sua morte), mas também por ter moldado o mundo comunista em que cresceu Iván, o narrador de toda a história - um pacato, frustrado e fictício escritor cubano que tropeça neste caso ao passear numa praia de Havana. Num desses seus devaneios solitários pelas praias, quase sempre acompanhado de um livro, Iván confessa a sua predileção por Raymond Chandler, autor que elevou os romances policiais ao nível da literatura - e não se pode deixar de ler essa passagem como uma referência autobiográfica do próprio Padura (para além de toda a experiência da vida na Cuba dos anos 70, 80 e 90, vivida por Padura e relatada por Iván, personagem que surge como uma projeção do seu criador).
Dividido por este triângulo de protagonistas, “O homem que gostava de cães” é um ambicioso mosaico que entretece três vidas: um jovem e sedutor comunista catalão que conhecemos de armas na mão, no final dos anos 30, em plena Guerra Civil de Espanha; um dos pais da revolução russa, celebridade mundial caída em desgraça e à beira de ser deportado da Mãe Rússia para um exílio que acabou por ser definitivo; e o narrador cubano, que no final dos anos 70 vive num país moldado por essa utopia comunista, embora fosse (então) completamente alheio às desventuras tanto da utopia comunista como de Trotski ou de Mercader.
A História é conhecida: Mercader, jovem burguês tornado combatente republicano, foi recrutado por um agente do NKVD (a agência que antecedeu o KGB), foi para a Rússia onde treinou com o objetivo de vir a assassinar Trotski quando Estaline desse a ordem. O que aconteceu numa tarde de 1940, no México, onde o velho companheiro de Lenine acabou por encontrar refúgio depois de anos de exílio que foram também anos de peregrinação - com Hitler a ameaçar e Estaline a consolidar o seu poder, o homem que um dia comandou o Exército Vermelho era o hóspede que ninguém queria receber. A peregrinação de Mercader também foi longa, minuciosa e paciente - como Moscovo queria distanciar-se do crime, Ramon adotou várias identidades e nacionalidades, e o logro obrigou-o a fixar-se em diversas cidades até tudo confluir para o encontro entre vítima e algoz. Aí tudo se cumpriu, com uma picareta de gelo cravada no crânio de Trotski.
Impressiona o fôlego de Padura ao longo de mais de 600 páginas (o NYT chamou-lhe a “novela russa” do autor cubano, não só pelo tema, mas também pela dimensão) em que saltamos das serras de Barcelona para os cafés de Paris, das estepes russas para uma ilha turca, do bulício de Nova Iorque para a miséria de Havana, do cinzento de Moscovo para o azul saturado da casa de Frida Kahlo e Diego Rivera. São muitos lugares e muitos tempos - ora estamos no início do século XX, num flashback em que Trotski conspira com Lenine, ora nos anos 30 a resistir às tropas de Franco ou em pleno terror estalinista, ora no final do século XX, numa praia de onde os ‘balseros’ fogem de Cuba.
O enorme talento narrativo de Padura mede-se na capacidade com que consegue pegar em tantas peças, em tantas geografias, e em personagens com tanta bagagem, e fazer com que tudo encaixe e se articule num fresco épico, sem gorduras e, quando se trata de factos, sem dever nada ao rigor histórico.
Fico por aqui.
Tenha uma boa quarta-feira.
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