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Francisco de Melo.
Francisco Manuel de Melo (
Lisboa,
23 de Novembro de
1608 –
Lisboa,
Alcântara,
24 de Agosto ou
13 de Outubro de
1666) foi um
escritor,
político e
militarportuguês, ainda que pertença, de igual modo, à história literária, política e militar da
Espanha. Historiador, pedagogo, moralista, autor teatral, epistológrafo e poeta, foi representante máximo da literatura barroca peninsular. Dedicou-se à
poesia, ao
teatro, à
história e à
epistolografia. Tendo publicado cerca de duas dezenas de obras durante a sua vida, foi ainda autor de outras, publicadas postumamente. Aliou ao estilo e temática barroca (a instabilidade do mundo e da fortuna, numa visão religiosa) o seu
cosmopolitismo e espírito galante, próprio da aristocracia de onde provinha. Entre suas obras mais importantes, pode-se destacar o texto moralista da
Carta de Guia de Casados ou a peça de teatro “Fidalgo Aprendiz” (que é uma "Farsa", como foi descrita pelo seu autor desde o início e não um "Auto" como tem vindo a ser designada por edições recentes).
Nasceu em Lisboa numa família de alta fidalguia, seu pai Luís de Melo, militar, morre em 1615, na ilha de São Miguel, deixando a par de Francisco com 7 anos de idade, uma filha, Isabel. A mãe, Dona Maria de Toledo de Maçuellos, era filha dum "alcalde mayor" de
Alcalá de Henares, e neta do cronista e gramático português
Duarte Nunes de Leão. Pensa-se que terá tido a sua educação académica num colégio de
Jesuítas (provavelmente, no colégio jesuíta de Santo Antão, onde terá estudado humanidades), e adquiriu uma erudição que se tornaria patente nas obras. Como pretendia seguir a carreira das armas, a exemplo do pai, estudou
matemática. Começou, desde cedo, a frequentar a corte. Foi
Fidalgo da
Casa Real e
Cavaleiro da
Ordem de Cristo.
Seguiu a vida militar a serviço da armada espanhola em
Flandres e na
Catalunha. O episódio mais famoso do período ocorreu em
1627, descrito na sua “Epanáfora Trágica”: estando a servir na esquadra comandada por
Manuel de Meneses, esteve perto de naufragar no
Golfo da Biscaia, tendo atingido a custo a costa francesa. Pouco depois, em
1629, combateu, vitoriosamente, corsários turcos num combate naval no
Mar Mediterrâneo e foi armado cavaleiro. Em
1631 recebeu a
ordem de Cristo das mãos de
Filipe IV de Espanha. A sua presença na corte de Madrid torna-se constante. Capital do Império, a cidade assumia-se como o grande centro político e cultural da Península. Francisco Manuel de Melo entrou aí em contacto com os mais eminentes intelectuais, incluindo o célebre
Francisco de Quevedo.
Em
1637 tinha participado na pacificação da
revolta de Évora, acontecimento que viria a preparar a
restauração portuguesa. Assim que esta foi declarada por
João IV de Portugal, a coroa espanhola manda prendê-lo por suspeitar do seu envolvimento na revolução em solo luso. Tendo-lhe sido autorizado deslocar-se para a Flandres, fugiu daí para
Inglaterra, de onde regressou a Portugal. Em
1641, livre, foi encarregado de missões diplomáticas em
Paris,
Londres,
Roma e
Haia. Neste ano aderiu à causa do rei português, João IV, a quem prestará os seus serviços, a nível militar e diplomático.
Em
1644, em Portugal, depois de receber a comenda da Ordem de Cristo, foi preso por envolvimento num caso que acarreta muitas dúvidas e conjecturas.
Enquanto alguns referem um móbil político, outros defendem um caso passional: A rivalidade do rei João IV e do poeta, para com a esposa do
Conde de Vilanova de Portimão, Mariana de Lancastre, chegando ao ponto de uma briga dos dois uma noite, em que apenas o rei teria reconhecido Francisco. Morrendo assassinado Francisco Cardoso, criado do Conde, que entretanto teria denunciado ao amo os amores clandestinos da esposa, as suspeitas teriam ido para Francisco. O espírito de vingança do Conde, tal como a inimizade do rei teriam levado então Francisco a ser aprisionado
[1] .
Manteve-se na prisão até
1655, onde escreveu muitas das suas mais celebradas obras. Foi condenado ao degredo em
África, conseguindo, depois, que a pena lhe fosse comutada para o exílio no
Brasil, e viveu por três anos na
Bahia, encarcerado no
forte de São Filipe de Monte Serrat ao qual sucedeu o actual
forte de Monte Serrat. A influência do Novo Mundo, ainda que pouco acentuada, encontra-se em alguns aspectos da sua obra. Em
1658, morto João IV, regressou a Portugal.
Frontispicio do Teodosio II, desenhado por um primo do autor, mas concebido por este
Três (ou quatro) cabeças aparecem... sob o olhar do moucho
Em
1647, compõe uma parte do
Teodosio II, em castelhano !! sobre a história da Casa de Bragança, que apenas chega à infância de Teodosio II, seu 7mo Duque, pai do futuro Rei Restaurador ; para este livro Francisco com a ajuda do seu primo
Francisco de Melo (que desenha) cria um frontispicio que ele explica da seguinta maneira numa carta dirigida a um amigo, Azevedo, datada de 10 de maio de 1649 :
- "Neste livro Teodósio, que a S. Majestade escrevo, de que determino fazer-lhe cedo presente, fiz debuxar um capricho por meu primo Francisco, que com raro acêrto o pôs em efeito, -- para dêle, se abrir uma estampa que sirva de rosto ao verdadeiro livro ; mas para que a pintura nem a tensão fique muda, desejo explicá-la em dous Dísticos, ao pé do debuxo, para o que fiz deixar lugar. É tal a pintura: -- a Verdade em figura de Ninfa, que está pintando em sua estante; e por detrás à orelha lhe dita o que há de pintar outra Ninfa, que significa a Memória. Em o painel se vê a pessoa do Duque Teodósio armado como pintura feita de verdade. Por detrás está Mercúrio moendo tintas, significando o estilo (por sêr ele o deus da Eloqüência) -- que são as tintas de que se compõe a formosa história."
Foi em olhando precisamento o "debuxo" que me apareceram três figuras dissimuladas, que parecem ser mais que traços tirados do acaso. Não esquecemos que Melo interessa-se a tudo, e notavelemente à Cabala, e podemos-nos perguntar porque é tão importante para ele compôr este frontispicio. Melo está preso há 5 anos ("prêso na Tôrre Velha", indica ele ao fim do prólogo dessa obra), e (pode-se distinguir isso nos seus escritos e no que resta dos documentos da época), é um (ou vários) inimigo potente que conseguio essa prisão, com a caução do Rei. Ora é o proprio Rei (foi só depois de sua morte que Francisco foi libertado) que lhe pede uma historia do seu pai Teodósio II!!! Situação dificil. Francisco tinha utilizado todos os meios possiveis para obter sua libertação, até uma carta do proprio Louis XIV de França. Noutras circunstâncias que não estas (misterioas até hoje), já teria saído de prisão há muito. O "rosto" que finalemente nunca foi publicado (apenas em 1944 com uma publicação desta obra), poderá sêr que Francisco o terá querido para poder fazer aí figurar a história do seu drama: Dum lado acima da pirâmide, como vindo depois do corpo duma serpente, uma cara de perfil, homem calvo, corpulento, (o inimigo?); a um dos pés (de seus pés), da cadeira, a cabeça pisada dum outro homem, ainda novo, de cabelos compridos (Francisco?, que tinha 40 anos); o outro pé dessa cadeira parece pisar o pé da "Ninfa" da Memória e indica, pé esquerdo da pirâmide, uma outra cabeça, Cabelos curtos e escuros, olhos grande abertos, escondida atrás de cortinas (a saia da Ninfa), ou com um corpo fantasmático deitado sobre a palavra Memória, se calhar o morto à origem do drama, que a primeira figura fixa, no cume da pirâmide... Acima aínda, um moucho, garras exageradas, asas abertas... Pura especulação?
Francisco Manuel de Melo foi autor de uma obra vasta e diversificada, em português e em castelhano.
”Finis Gloriae Mundi”, de Juan Valdez Leal: exemplo, na pintura, da concepção barroca do mundo e do tema da transitoridade, também presente na poesia de Francisco Manuel de Melo
Em
1628, publicou um conjunto de
sonetos. É, contudo, nas suas “Obras Métricas” (
Lyon,
1665), que o autor se mostra digno representante do estilo barroco, espelhando igualmente a influência do
renascimento e
maneirismo português. Entre a obra poética publicada neste volume encontra-se também o “Auto do Fidalgo Aprendiz”, já que está escrito em verso.
Francisco Manuel de Melo.
Obras métricas. Lyon, 1665
O tema do desconcerto do mundo predomina na sua poesia, tal como na generalidade da poesia e arte
barroca. Muito do que conhecemos da sua biografia advém da interpretação de muitas das passagens reflexivas e meditações morais da sua obra poética. Esta, está dividida em três partes: a primeira e a terceira, em castelhano e a segunda em português, contendo sonetos,
éclogas,
romances e
trovas. A primeira parte, “Las três musas del Melodino”, publicada pela primeira vez em Lisboa em
1649, está dividida em “El harpa de Melpómene”, “La cítara de Erato” e “La tiorba de Polymnia”. A segunda parte, em língua portuguesa, designada por “As Segundas Três Musas do Melodino” que se dividem em “A Tuba de Calíope”, “A Sanfonha de Euterpe” e “A Viola de Talia”. A terceira parte, de novo em castelhano, designada por “El Tercer Coro de las Musas del Melodino”, divide-se em “La Lira de Clio”, “La Avena de Tersicore” e “La Fistula de Urania”.
Em “A Tuba de Calíope”, cerca de cem sonetos transmitem as suas reflexões que aliam o humor irónico ao pessimismo barroco, através de sentenças moralistas típicas do autor. Na “Sanfonha de Euterpe” encontramos o famoso poema “Canto da Babilónia”, inspirado na não menos célebre redondilha “Babel e Sião” de
Luís Vaz de Camões. As éclogas “Casamento”, “Temperança” e “Rústica”, influenciadas pelo estilo de
Sá de Miranda, encontram-se no mesmo volume.
O tema da
morte está diversas vezes presente, como no soneto “Vi eu um dia a Morte andar folgando”, onde se reflecte sobre o poder desordenador, caótico e desequilibrado que a morte impõe ao mundo dos vivos e incautos. O soneto, com a sua forma limitada a catorze versos, vai ao encontro do poder de síntese próprio do autor. É frequente um estilo coloquial que se verifica noutros sonetos, como no “Que vos hei-de mandar de
Caparica”, que não é mais que uma carta de Natal a uma prima, na altura em que esteve preso.
Frontispício do Auto do Fidalgo Aprendiz
O teatro português da época estava numa fase pouco criativa, apesar de se representarem muitos
autos populares nas ruas e feiras, e
tragédias clássicas nos colégios dos jesuítas, como aquele em que Francisco estudou. Imitava-se e adaptava-se muito o que era feito em Espanha.
Escrito anteriormente a 1646, na Torre Velha, o
Auto do Fidalgo Aprendiz, publicado pela primeira vez, nas suas
Obras métricas em
1665, satiriza a fidalguia provinciana. Ainda que seja duvidosa a influência directa, há quem a estabeleça com a obra de
Molière,
Le Bourgeois Gentilhomme – é provável que os dois dramaturgos tenham trocado impressões e ideias que tenham resultado em obras semelhantes. Apesar de Francisco ter escrito muitas mais peças (entre as que se perderam, podemos contar algumas das quais nem sequer conhecemos o nome), esta é a mais conhecida da sua produção teatral. Segue a tradição
vincentina (a sátira, a crítica social, o uso da
redondilha – nota-se também a influência, no tema, da farsa “Quem tem farelos?”), ainda que denote claras influências do teatro espanhol (e, em especial de
Lope de Vega, como se verifica na divisão da peça em “jornadas”). Os equívocos e cenas ao estilo de “
capa e espada” eram também inovadores em Portugal, apesar de já serem recursos frequentes no teatro castelhano.
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por
ANTÓNIO FONSECA