O relógio marca as 22h. O aparato de segurança na estação da Trindade é notório, este sábado, como sempre acontece nos dias de festa na Invicta. A cidade aguarda e prepara-se para uma conquista antecipada. O trânsito está cortado em várias artérias do coração da baixa portuense, mas os preparativos para os festejos já estão em marcha. Ali bem perto, na Rua do Bonjardim, um grupo de aproximadamente duas dezenas de pessoas assiste, na calçada, ao derby de Lisboa entre Sporting e Benfica. Estão vestidas a rigor, com camisolas e cachecóis do FC Porto, enquanto os olhos estão fixados no ecrã colocado no exterior da Confeitaria Sissi. Todos torcem por um empate, resultado que permitirá aos adeptos azuis e brancos celebrar o título. Falta pouco para terminar a partida e nenhum dos dois rivais desfaz a igualdade no marcador. Tudo lhes corre de feição, mas o tempo passa lento. “Por favor acaba assim, por favor acaba assim e vai ser noite de borracheira até ao fim”, entoa, em êxtase, aquele grupo de apoiantes dos dragões. As cervejas numa das mãos simbolizam o prelúdio de uma celebração, enquanto o cigarro na outra é o indício de algum nervosismo.
A indignação e a ansiedade acentuam-se quando o árbitro Carlos Xistra dá sete minutos de compensação. “Sete minutos é contra nós”, afirma Célio Soares, um dos mais apreensivos e expectantes. “Isto agora até ao final é um tirinho”, acalma-o Ricardo Ferraz, de 31 anos, um dos mais animados. “É quando estás a precisar de marcar, mas quando é para segurar o resultado parece que nunca mais acaba”, responde o amigo. O coração bate rápido, ao ritmo dos tambores, que acompanham melodias improvisadas. “Chora o Vitória, chora o Vieira e o penta ciao, o penta ciao, o penta ciao ciao ciao”, vão cantando, depois de uma série de quatro temporadas protagonizadas pela hegemonia encarnada.
“Olha a hora”, grita alguém. “Tira! Tira! Limpa a bola daí, c...”, afligem-se, sempre que uma das equipas se aproxima com mais perigo da grande área adversária. “Eish ó mano, que troçada”, exclamam quando Bruno Fernandes faz uma entrada mais violenta sobre Franco Cervi. Instala-se um misto de emoções, culminada com uma explosão de euforia quando ouvem o apito final do jogo. “Campeões”, gritam, entre abraços apertados e um banho de cerveja, enquanto garrafas são estilhaçadas na rua. Começa a construir-se uma noite de farra, com muitos brindes e sem contas à moda do Porto na hora de pagar mais uma “jola” a um “comparsa”.
A REVOLUÇÃO AZUL E BRANCA NOS ALIADOS
Os olhos de Célio Soares estão marejados. “É uma revolta interior exteriorizada na forma de lágrimas”. Tem 42 anos e já assistiu a vários conquistas do FC Porto. Acompanha a equipa para todo o lado e, em 2004, estava no Estádio Internacional de Yokohama quando Jorge Costa ergueu o troféu da Taça Intercontinental (atual Mundial de Clubes).
“A festa ia ficar para amanhã, porque vamos todos ao estádio, mas o que sabe bem é ser campeão. Foi hoje e estamos muito felizes. Tivemos de remar contra a maré e finalmente conseguimos”, assevera Ricardo Ferraz ao Expresso, pronto para se juntar à onda de celebração azul, com um cravo vermelho colocado ao peito. Está em curso a revolução dos adeptos portistas que vão desembarcando nos Aliados aos milhares. A confraternização é a senha, mas ninguém pretende aceder à caixa de correio eletrónico. “Hoje não vou enviar e-mails para os meus amigos benfiquistas. Mas dir-lhes-ia que para o ano há mais, mas este é nosso”.
A avenida é o epicentro do primeiro dia das comemorações, que prometem prolongar-se, garantem os adeptos, até segunda-feira. “O campeão voltou, o campeão voltou, o campeão voltou”, é o grito de ordem que se propaga. Se para muitos portistas esta é já uma tradição, para outros é uma experiência inédita, como é o caso dos pequenos Afonso e Guilherme Santos, dois irmãos gêmeos de seis anos. Estão acompanhados pelos pais e envergam camisolas do FCP. “Hoje a festa vai demorar só um bocadinho, é mais para mostrar aos meus filhos como é viver tudo isto”, explica Pedro, pai do “Copy” e do “Paste”. Mais habituado a estas andanças está António Esperança. Tem 65 anos, já vivenciou várias noites como esta e acredita que as “toupeiras” foram a “praga” para que o Dragão não saísse à rua em festa nos últimos anos, até que Sérgio Conceição “trouxe o antídoto”.
“Olha o chapéu do Porto, olha o chapéu do Porto”, apregoa um vendedor aos adeptos que passam, a pé, cobertos por um manto de alegria. Circular de automóvel é quase impossível e ouvem-se buzinões. Não são sinónimo de impaciência, mas de um entusiasmo com via verde para se prolongar até de manhã. “Vai ser festa até o sol nascer”, garante o jovem de 17 anos Diogo Alves, envergando uma bandeira do Mali onde está escrito o nome do avançado Marega, atleta que os adeptos defendem ser um dos estandartes para a obtenção do título.
AS FESTAS QUE SE CASAM
A Avenida dos Aliados está pintada de azul e branco e, no meio da multidão, encontramos Armanda Silva, num momento de “muita alegria, muita alegria, há muitos anos que não a sentia”. É portista dos pés à… quase à cabeça, vá. “Só o cabelo é que é vermelho, mai nada”, frisa prontamente a adepta de 52 anos.
Outras celebrações casam também com a festa. Atingida pela flecha do Cupido, Flávia Freitas caminha alegremente pelas ruas, coberta por um véu e agarrada a um boneco insuflável chamado Zé. É a despedida de solteira desta jovem de 26 anos, rodeada por amigas enfeitadas com coroas de flores nos cabelos. A alguns metros de distância, um grupo de mulheres madeirenses, com cachecóis do Nacional, estão extasiadas com a subida do clube à Primeira Liga. “Somos um clube que faz história por só termos estado um ano na segunda divisão, tal como aconteceu no passado com o Vitória de Guimarães. Estamos de regresso ao lugar que merecemos”, afirma Rita Grilo, também simpatizante do Porto e para quem “um dois em um sabe sempre bem”.
Hélder Martins e Patrícia nem tencionavam sair de casa, mas a filha de 16 anos arrastou-os para a festa. “Nós já estávamos deitados no sofá. Éramos os típicos campeões de sofá”, conta a mãe de Ariana, “tola pelo Porto”. A agitar uma enorme bandeira dos Super Dragões está Rita Freitas. Ainda está “toda a tremer”, mas continua incansável nos festejos. “É incrível conseguir aquilo que conseguimos, mesmo sem a ajuda dos árbitros. Nem tenho a noção real do que está a acontecer”, confessa a jovem de 19 anos, a quem uma amiga pergunta: “ui, já dás entrevistas para o Expresso?”
Para Vítor Barros “foram quatro anos de sofrimento concluídos com a conquista de um campeonato muito merecido”. Amanhã não vai estar no estádio. “Provavelmente estarei de ressaca”, diz, entre risos, o adepto de 55 anos, com força para erguer o filho de 11 anos aos ombros e festejar até que a voz lhe doa. O pai destaca a “solidez” de Marcano ao longo do campeonato. “E o Brahiiiiimi”, acrescenta o pequeno Pedro. Enquanto isso, as inevitáveis farpas para o eterno rival manifestam-se nas tarjas e fazem-se ouvir, em uníssono, pela moldura humana que lotou a habitual “sala de festas” do FCP. “Era o penta, ficou o tenta”. E pela Avenida dos Aliados ficou uma grande massa humana até às 2h da manhã, quando muitos dos adeptos começaram a dispersar. Este domingo há mais. Antes, durante e após o jogo com o Feirense.