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PEDRO CANDEIAS
EDITOR
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Eu bem sei de que planeta vieste, Ronaldo
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Julgo não chegar atrasado à discussão Cristiano Ronaldo, porque o tempo mediático, que agora tem a duração de um fósforo em combustão, ainda está congelado nas 21h04 de terça-feira. Pois que, além de marcar golos que desafiam a biomecânica na idade de Cristo, Ronaldo também faz isso: pára o relógio enquanto levita no ar como um faquir musculado a enganar a gravidade, de costas para a baliza e com o pé direito misticamente apontado ao céu. [A propósito deste pulo o, Diogo Pombo, na Tribuna Expresso, faz-lhe uma descrição melhor do lance épico, num texto que começa numa bicicleta e acaba no Olimpo].
Hoje, à hora que escrevo, os telejornais da noite referem o 2-0 à Juventus, tal como os da tarde e os da manhã tinham arrancado com o 2-0 à Juventus; os jornais impressos, todos os jornais impressos de quase todo o lado, arrisco, deram destaque de primeira página ao 2-0 à Juventus; nas rádios também não se falou de outra coisa que não o 2-0 à Juventus e, nos lugares da internet, o 2-0 à Juventus fez manchetes virtuais a granel.
Às tantas, o 2-0 ganhou vida, como um organismo. Primeiro, alimentou-se a si próprio, através do que se foi dizendo dele, de Buffon a Allegri, de Zidane a Marcelo, o único equiparável a Ronaldo ao nível do super-heroísmo, dada a sua ubiquidade. Depois, o 2-0 adaptou-se aos suportes por onde foi crescendo, no papel, ondas hertzianas, fibras óticas, algoritmos ou em tokens. E o 2-0, enfim, reproduziu-se abundantemente na forma dos-melhores-golos-da-história, de sicrano a beltrano, numa lista onde constavam Pelé, Ronaldinho, Rivaldo, van Basten e Zlatan Ibrahimovic. Que disse que o golo era bom, mas Ronaldo que experimentasse fazer o mesmo a 40 metros da baliza, para ver o que era realmente bom [relembre-o aqui].
Zlatan gosta de números e eu também, e por isso ofereço-lhe estes: Ronaldo tem 649 golos na carreira, tantos golos (22) nos quartos-de-final da Liga dos Campeões como a Juventus em toda a sua história na mesma fase da competição. Além disso, Ronaldo marca há dez jogos consecutivos na Champions. Zlatan está a jogar nos LA Galaxy.
Por outro lado, Zlatan também gosta de cinema e intitula-se Benjamin Button, mas não é Benjamin Button. Porque é Ronaldo quem não apenas pára o tempo, como parece fazê-lo recuar enquanto, usando um verbo futebolístico da moda, se projeta para a frente.
É que Ronaldo está, basicamente, no futuro. Ele é o rendimento constante que se traduz em golos [estão aqui todos, especificados] e os golos são factos que não permitem subjetividades e fake news, ainda que este seja um texto subjetivo sobre o facto de ele ser objetivamente um dos maiores.
Ronaldo é o talento sustentado por uma inquebrável, e inquebrantável, ética de trabalho incomum num país que se entrega facilmente ao desenrasca.
É o multitasking, na medida em que começou como extremo e acabará como ponta-de-lança. É o modelo da mobilidade social, pois nasceu pobre e hoje é rico muito para lá das suas ambições - sim, o futebol paga desmesuradamente à sua elite, mas ele não tem culpa de andar há 15 anos nessa shortlist.
E ele é as métricas e as visualizações das redes sociais que governam as nossas vidas: aparece normalmente no topo das celebridades com maior número de seguidores; se não está momentaneamente em número um, estará em número dois, atrás de alguém de quem ninguém se lembrará. Ao contrário de Ronaldo, a estrela verdadeiramente planetária, justificada pelas marcas e títulos que o consagrarão como um dos melhores de sempre. E a lenda continuará a engordar até quando? Até quando ele quiser porque este não será, seguramente, o último artigo sobre um golo improvável de Ronaldo. Há quem o chame extra-terrestre, mas ele é daqui, anda entre nós, embora não seja um como nós.
P.S. O título deste curto aproveita-se descaradamente da mítica frase de Victor Hugo Morales no relato do segundo golo de Maradona à Inglaterra, no Mundial do México86: "De que planeta veniste?" |
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OUTRAS NOTÍCIAS Adequavam-se em número, mas não podiam estar na mesma equipa de futebol porque dificilmente atacariam para o mesmo lado. Os 11 juízes do Supremo Tribunal que votaram nesta madrugada sobre o habeas corpus pedido por Lula da Silva já tinham - porque isto é o Brasil - apresentado previamente as suas afinidades políticas. Toda a gente sabia no que aquilo ia dar, exceto num determinado caso. Passo a explicar: Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli estavam no team Lula; Carmen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Alexandre Moraes encontravam-se do outro lado. Ora, como cinco mais cinco são dez, faltava perceber a posição de Rosa Weber, a votante ambígua que se dizia pró-Lula, embora tivesse falado sempre contra o habeas corpus em contextos anteriores.
Como cada um dos juízes tinha direito a justificar a sua posição antes de a tornar pública, era natural que a sessão se prolongasse. E então, quando apanhei a transmissão televisiva no Youtube, por volta das 23h30 (sim, o habeas corpus foi transmitido em streaming), já a “Veja” relatava intensas discussões ideológicasentre os pares, foi a vez de Rosa Weber votar. O marcador registava 3-1 contra Lula, ficou 4-1 e acabou 6-5. “Há um momento em que a decisão individual cede espaço à razão institucional”, justificou Weber. A partir desse “momento”, percebeu-se que o habeas corpus seria rejeitado e que Lula perdera. Não tudo, nem já, porque ex-presidente tem, ainda, direito a um derradeiro recurso no Tribunal Regional Federar da 4.ª Região, uma espécie de embargo de um embargo (perceba o que isto é) que pode adiar a sua ida para a prisão (a pena fora agravada de nove para 12 anos, em segunda instância, por corrupção e branqueamento de capitais) e, eventualmente, abrir espaço à campanha presidencial. Enquanto não se sabe para onde vai Lula, é preciso perceber para onde vai o Brasil.
Quem não vai a lado nenhum é Mark Zuckerberg: o patrão do Facebook lamenta que a Cambridge Analytica tenha usado ilegalmente dados de 87 milhões de utilizadores,mais ou menos a população da Alemanha, através da sua empresa, e promete que tudo irá fazer para melhorar a segurança da rede social. Mas confessa que isso demorará “anos”, durante os quais continuará à frente do FB para monitorizar o processo e pede, claro, a nossa ajuda. Um chefe-modelo.
O modelo de apoio à Cultura do Governo não agradou e a gradação da contestação “agressiva” a António Costa e seus pares subiu até ao ponto necessário para que as coisas acontençam. A Alexandra Carita escreveu, na quarta-feira, que o Executivo se prepara para aumentar a “dotação orçamental para os Concursos Sustentados de Apoio às Artes”. O PCPestava à escuta e, hoje, numa carta aberta aos agentes da Cultura a que a Lusa teve acesso, António Costa “anunciou um reforço de 2,2 milhões de euros para as artes”. Pode encontrar a carta em que o PM garante a centralidade do tema aqui, no portal do Governo.
No desporto, O Barcelona despachou naturalmente a Romapor 4-1, em Camp Nou, e tem a porta das meias-finais escancarada. Já o Liverpool surpreendeuo todo-poderoso, e quase campeão inglês, Manchester City com um triunfo robusto por 3-0, em Anfield. O futebol-turbo de Klopp desalinhou as ideias de Guardiola, impotente para dar a volta ao resultado construído na primeira-parte. Chegar às meias-finais não é impossível, mas pouco provável.
O Sporting quer desafiar as probabilidades e procura, hoje, um resultado positivo em Madrid, diante do Atlético (20h05, com direto na Tribuna Expresso). A equipa de Jorge Jesus parte como o underdog desta eliminatória, mas as exibições diante da Juventus e do Barcelona desta época podem justificar uns pozinhos extra nas casas de aposta. Leia esta análise se quiser perceber como e porquê.
As manchetes, No “Jornal de Notícias”: “Ambulâncias do INEM paradas por causa da cor”. Diz o jornal que o “Instituto de Transportes recusa licença a veículos com traseira vermelha”. Uma originalidade burocrática.
No “Público”: “Partidos preparam corte no tempo de fidelização”. “Bloco e PAN levam a votos redução do tempo de fidelização. Propostas são muito contestadas pelos operadores”. O Partido Socialista pede mais tempo.
No “DN”: “Atos sexuais relevantes com criança de 10 anos dão pena suspensa”. Porquê? “Tribunal de Braga considerou crime probado mas atenuou castigo por o réu não ter antecedentes criminais.
No “i”: “Venda dos Prédios da Fidelidade em Lisboa [são] uma bomba-relógio”, diz Helena Roseta.
FRASES “Dar-me bem com a Rússia é uma coisa boa. Penso que poderia ter uma muito boa relação com a Rússia e com o Presidente Putin e, se tivesse, seria ótimo. Mas também há uma grande possibilidade de isso não vir a acontecer. Quem sabe?” Dão-se alvíssaras a quem não acertar no autor da frase. É grande, tem um penteado icónico e a solidez política de uma gelatina.
“Acredito nos nossos aliados, sobretudo os que são democracias” Augusto Santos Silva. Leia aqui as seis razões do ministro dos negócios estrangeiros para não expulsar os diplomatas russos
“As melhoras! É um percalço, mas tenho a certeza de que vais voltar ainda mais forte” Sérgio Conceição, no Twitter, sobre a lesão do jogador Danilo Pereira
“Nós não podemos deixar que para Mário Centeno possa brilhar os serviços públicos fiquem às escuras” Catarina Martins, de lanterna na mão, em entrevista ao Público e à Renascença
O QUE ANDO A LER Católico, pecador, casado, adúltero inveterado, pai extremoso, homem de letras, fanático do Fluminense e bom de bola, cronista, dramaturgo, jornalista, perseguido pela esquerda e pela direita e pela Igreja e pelos progressistas, irmão de Mário Filho, tuberculoso, truculento, generoso. Acima de tudo, genial. Nelson Rodrigues está condensado num livro de Ruy Castro, que o descreve tão bem e com tanta graça como se “O Anjo Pornográfico” fosse um romance e não uma biografia. É Ruy Castro quem nos alerta para isso, logo no início, justificando o tom da sua obra com a vida rica e complexa de Nelson Rodrigues.
Se Rodrigues fosse um personagem de ficção, é provável que carregasse sobre ele o peso do mundo e ainda uma nuvem negra por cima. Porque tudo lhe aconteceu, tendo ele sobrevivido a quase tudo durante muito tempo, sempre com ironia, humor, amor, dor, sarcasmo e marasmo. “O Anjo Pornográfico” recupera a infância e o contexto familiar dos talentosos Rodrigues, e prossegue com histórias absolutamente extraordinárias, metade delas inverossímeis, outras tantas anedóticas, sobre um dos escritores brasileiros mais célebres da história.
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