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RUI GUSTAVO
EDITOR DE SOCIEDADE
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“Quando mexemos uma peça há milhões de opções mas só uma é a jogada certa.” Não quero ser tão determinista como Bobby Fisher, o perturbado xadrezista americano que foi campeão do mundo e só seria derrotado pela paranóia e mania da perseguição. Mas de tantos milhões de palavras só uma me parece certa para começar este expresso curto: fogo. Ou então, inferno. Juro que preferia falar da vitória de Roger Federer, do regresso de A Guerra dos Tronos ou do europeu feminino de futebol que desta vez vai ter a participação de uma seleção portuguesa.
Mas não dá para fugir da triste efeméride: há precisamente um mês, a 17 de junho de 2017, um fogo que parecia igual aos outros rebentou em Pedrógão Grande, tornou-se incontrolável, matou 64 pessoas e destruiu 200 casas perante a impotência e a desorganização de bombeiros e da Proteção Civil e de quem fez um contrato connosco para nos proteger (estou a falar do Estado, sim). O país só tinha uma opção: uniu-se, juntou dinheiro para doar às vítimas e até Governo e oposição fizeram tréguas para cuidar dos vivos e enterrar os mortos. Trinta dias chegaram para apagar o fogo?
Sara morreu. Tinha 35 anos e foi apanhada pelo fogo. Sarita, como era conhecida na aldeia de Vila Facaia deixou um filho de sete anos e uma irmã com um coração tão grande como fraco. Apesar dos 15 milhões de euros que se juntaram em donativos e fundos e de o Governo já ter definido as regras de acesso aos fundos, Catarina não tem dinheiro nem recebeu ajuda para pagar o funeral da irmã. A história foi contada pela Christiana Martins na edição de sexta-feira do Expresso Diário. Catarina escreveu ao presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa a pedir ajuda. Espero que a carta seja lida por todos os que viram o inferno pela televisão. Ajuda a perceber como foi na terra.
Dois dias depois de enviar a carta, Catarina recebeu um telefonema da Segurança Social de Leiria a garantir que se a seguradora não a ressarcisse, seria o Estado a pagar a despesa. O presidente da República ligou-lhe a partir do México a garantir que ele próprio trataria das despesas se o problema não se resolvesse. “Eu atrapalhei-me toda, chamei-o uma série de vezes de professor, e fiquei, mais uma vez, revoltada, porque este telefonema nunca deveria ter partido inicialmente dele.” Exemplar.
De acordo com o Jornal de Notícias, “não há apoios” e o dinheiro não chegou a uma única vítima.o Governo promete que até ao final de julho, daqui a uma semana, a situação estará resolvida.
António Costa disse no fim-de-semana que é preciso “humildade” para “aprender com os erros” e a verdade é que o Governo tem-se esforçado por continuar a errar bastante. A comissão independente nomeada para perceber o muito que correu mal ainda não começou a trabalhar depois de um processo- não lhe queria chamar surreal mas acho que não tenho outra opção - em que os partidos escolhem os seus representantes “independentes”, negoceiam e só depois se começa a trabalhar (neste caso ainda não se começou). A IGAI também ainda não começou qualquer inspeção ao que correu mal e a PJ e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera não se entendem sequer sobre a origem do fogo. Um raio invisível ou mão criminosa? Se não fosse trágico até podia ter piada.
Podia ser a lei a valer-nos: o pacote legislativo com que o Governo se propõe fazer a tão esperada e eternamente adiada reforma das florestas vai a discussão no parlamento daqui a dois dias. Mas corre o risco de ser chumbada porque não há acordo com os parceiros da geringonça (sem ofensa) sobre os poderes e competências da Entidade da Gestão Florestal. Mesmo que seja aprovada, a lei só entrará em vigor no final do ano, depois do verão e da época dos incêndios. Num mês nada mudou.
Indiferente, o inferno continua a arder: no Alijó as chamas obrigaram à evacuação de uma aldeia. Um helicóptero caiu e houve casas e pessoas em risco. Hoje de manhã o fogo ainda não tinha sido extinto. E, adivinhem, o Siresp, o sistema de comunicações que nos custa 40 milhões de euros por ano, voltou a falhar. Com grande humildade o Governo encomendou um estudo a um escritório de advogados para perceber se o contrato feito por um escritório de advogados não lesa os direitos do Estado. Ainda temos mais um mês e meio de verão e calor. Quem acredite, reze. Às vezes é a única opção para escapar ao inferno. |
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OUTRAS NOTÍCIAS
Começam a faltar os adjetivos para classificar Roger Federer por isso vou usar um inventado: espantabulástico. O tenista suíço ganhou o torneio de Wimbledon pela oitava vez, tornou-se o maior campeão de sempre da prova inglesa e já tem 19 títulos do grand slam, Um recorde do ténis masculino. Tem quatro filhos adoráveis que viram a coroação do pai com relativa indiferença e aos 35 anos está de volta à forma que fazem dele o maior de sempre (já tinha dito isto), o Mozart das raquetas.A oitava maravilha do planeta. Na final de domingo esmagou facilmente o croata Cilic e venceu o torneio sem perder um único set. Houve lágrimas de impotência de Cilic e de felicidade de Federer quando viu os filhos nas bancadas. O suíço já viveu o inferno das lesões, das derrotas improváveis e da queda anunciada. No fim do jogo, disse que “quem sonha” consegue tudo. Ele sonhou e conseguiu.
A seleção portuguesa de futebol começa a disputar na quarta-feira o europeu que se joga na Holanda desde ontem. Isto não seria notícia não fosse o facto de a equipa ser formada por mulheres e de ser a primeira vez que uma equipa feminina portuguesa consegue apurar-se para um grande torneio de futebol feminino. O que é que o Eder tinha escrito naquela luva branca que tirou dos calções quando marcou o golo a França que valeu o título no euro 2016? Believe, não era?
Os venezuelanos ainda acreditam que podem sair pacificamente da situação de pré-guerra civil em que vivem desde o regime do falecido Hugo Chavez. Ontem participaram num plesbicito promovida pela oposição, que controla o parlamento, para dizerem se concordam com as alterações à constituição proposta pelo Governo de Nicolas Maduro e se aceitam um governo de transição. O presidente condena a consulta que considera “ilegal”, mas sete milhões de venezuelanos foram votar. Uma mulher foi assassinada a tiro.
Na Polónia, milhares de pessoas manifestaram-se contra a iniciativa governamental que dá mais poder ao Estado para nomear e destituir juízes. “A Polónia é uma democracia baseada no Estado de direito, não é uma ‘tribunalocracia’”, justificou o ministro da Justiça, Zbigniew Ziobro. “É assim que a ditadura começa”, avisou o deputado da Plataforma Cívica, Borys Budka. A Polónia é um país da união europeia e a história do endurecimento do regime tem passado mais ao menos entre os intervalos da chuva.
Na Turquia, o presidente Erdogan não deixou muito espaço a interpretações no discurso de comemoração do suposto golpe de Estado falhado do ano passado: “Vamos cortar a cabeça aos traidores.” Não é uma figura de estilo: o presidente quer reintroduzir a pena de morte num país que quer aderir à União europeia.
Manchetes.
Público: “Governo abandona projeto de lei do PS sobre alojamento local”. Notícia sobre habitação, a mais recente paixão do Governo, como António Costa anunciou este fim-de-semana.
Correio da Manhã: “Carros rendem 23 milhões /dia ao Estado”. Uma paixão de qualquer Governo: receitas recorde nos impostos.
Jornal de Notícias: “Siresp volta a falhar”. Uma manchete que provavelmente será escrita várias vezes este verão.
Diário de Notícias: “Lutamos contra o sistema que perpetua esta violência e não contra a polícia”. Entrevista com uma das vítimas da alegada violência racista da PSP. Infelizmente não é caso único. A IGAI está a investigar 11 queixas de casos policiais de racismo.
I: “Um mês depois Pedrógão já não arde mas ainda queima”. Por baixo o candidato do PSD à Câmara de Loures faz por provar que o racismo está longe de poder ser declarado como extinto: “Os ciganos vivem quase exclusivamente dos subsídios do Estado”
O que ando a ver
“Agora é tempo de tristeza”. Documentário do Expresso sobre “uma ferida aberta”, a tragédia de Pedrógão Grande. Sei que sou suspeito, mas é um trabalho notável da Joana Beleza.
É mais o que vou ver logo à noite: Winter is coming e essa não é a única má notícia da sétima temporada de A Guerra dos Tronos: a série só vai ter sete episódios por causa das restrições orçamentais e esta é a penúltima temporada da série que andamos a ver há dez anos. O primeiro episódio chama-se “Daenerys Regressa a Casa”. Se não sabe o que o que isto quer dizer não merece saber.
Por hoje é tudo. E apetece-me fechar com uma canção foleira. “Dont stop believing”, dos Journey. Tenho de deixar de ouvir tanto a M80. |
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