A decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre alterações climáticas suscitou muitas reações de indignação, muitos editoriais de condenação, movimentações diplomáticas aparentemente destinadas a isolar os Estados Unidos e divisões nos Estados Unidos, onde líderes da indústria se demarcaram da decisão enquanto alguns governadores parecem determinados a continuarem a cumprir o que o acordo estabelecia. Por ser sexta-feira não vou multiplicar as referências a essas reacções, antes chamar a atenção para alguns trabalhos, alguns jornalísticos, outros mais opinativos, que suscitam algumas perplexidades.
Começo pelo Financial Times e pela sua análise
What a Trump exit from the Paris deal means for the US. Lendo este trabalho verificamos que o Acordo de Paris não possui mecanismos para obrigar os estados a cumprirem as metas com que se comprometeram, pelo que não parece haver forma de castigar quem se retira do acordo – como já não havia forma de castigar quem se mantivesse formalmente no acordo mas incumprisse as metas estabelecidas: “
There is no legal requirement for any country with emissions targets such as those in the US plan to meet its goals”, escreve o FT. Sendo que mais adiante nota, a propósito da intenção de Trump de renegociar o acordo: “
Mr Trump’s suggestion the accord could be renegotiated provoked some bafflement as it is a voluntary deal that includes no enforcement mechanism. “It’s a sham. There is no process for it. He’s laid out no criteria,” said David Doniger of the Natural Resources Defense Council, an environmental group.”
Esta constatação gera algumas perplexidades, sendo que a primeira delas é sobre quais as vantagens de um gesto político com este impacto mas que era eventualmente desnecessário, uma vez que a administração Trump podia simplesmente incumprir os planos da administração Obama. De resto esta é uma das razões que leva Ramesh Ponnuru, da Bloomberg View, a escrever em
The Plain Truth About the Climate Accord que “
Both sides say Trump's decision to withdraw from it is a turning point. Both sides are wrong.” Isto porque “
both Trump and his critics know that very little in the accord is binding on the parties to it. As a result, withdrawing from it can’t have major consequences by itself.”
Porquê então a decisão? Um texto do nosso conhecido FiveThirtyEight onde Maggie Koerth-Baker talvez ajude a encontrar uma explicação. Trata-se de
The Paris Agreement Would Have Been Less Partisan 30 Years Ago onde se mostra como os temas ambientais se tornaram em temos geradores de profundas divisões nos Estados Unidos. Nem sempre foi assim: “
Environmentalism in the U.S. used to be a fairly bipartisan issue. The Environmental Protection Agency, founded in 1970, was a product of the Nixon administration. But somewhere around 1990, everything changed. And it changed quickly, in ways that had big impacts on our ability to negotiate international environmental accords like the Paris agreement.” Depois explica-se que “
One of the teams that spotted this 1990 shift is a group of German and Norwegian researchers, who published a 2012 paper analyzing U.S. participation in multilateral environmental agreements. They concluded that this was the tipping-point year by looking at the content of international treaties that were signed by U.S. presidents only to end up in senatorial limbo”. E aqui descobrimos um aspecto pouco conhecido da política norte-americana: como os tratados internacionais exigem a aprovação de dois terços do Senado, muitos acordos negociados pelo poder executivo nunca chegam a ser ratificados – só entre 1990 e 2012 houve nove tratados internacionais relacionados com o ambiente que ficaram nesse limbo.
Neste ambiente de guerra partidária a decisão de Trump acaba por surgir mais como uma decisão para consumo interno, destinada a agradar à sua base de apoio, mesmo que à custa de degradação das relações com os aliados e amigos dos Estados Unidos. E a verdade é que mesmo em publicações conservadoras e republicanos que criticaram o seu populismo encontramos agora textos de apoio a esta decisão. Cito dois, de duas instituições sérias, para que se conheçam os seus argumentos:
- Forget The Paris Accords, uma análise de Richard A. Epstein na Defining Ideas, uma publicação da Hoover Institution da Universidade de Standford. Neste texto regressa-se à habitual crítica às bases científicas do acordo – fala-se mesmo de “bad science” – e defende-se que nos próximos tempos continuará a não haver alternativa aos combustíveis fósseis: “It is a given that coal, oil, and natural gas will remain central pillars of the world’s energy supply for the indefinite future, given their energy richness and operational reliability. Research that reduces harmful emissions from these widely used sources has a far higher rate of social return than any improvements in wind and solar, which are large enterprises that require a huge number of workers to generate a tiny amount of energy: 374,000 people work in solar and 100,000 in wind, compared to 160,000 for coal and 398,000 for natural gas. These “green” energy sources are clearly inefficient, which is why so much labor is wasted on so little output.”
- Goodbye to Paris, de Oren Cass, saiu na Commentary, uma das mais influentes revistas conservadores. Pequeno extracto, em que se criticam os termos do Acordo de Paris: “The Accord was doomed before negotiators ever assembled for photographs in December 2015. They were not there to commit each country to meaningful greenhouse-gas reductions; rather, everyone submitted their voluntary pledges in advance, and all were accepted without scrutiny. Pledges did not have to mention emissions levels, nor were there penalties for falling short. The conference itself was, in essence, a stapling exercise.” A seguir defende-se que este mecanismo voluntário teve como consequência que a maioria dos países em desenvolvimento – “whose emissions will drive climate change this century” – pouco ou nada farão para reduzir as suas emissões, dando exemplos concretos. O impacto real do acordo seria nesta perspectiva pequeno, sendo citado um estudo – nomeadamente aqui – onde se defende que com compromissos tão débeis pouco acontecerá. O gráfico abaixo ilustra esse impacto, de acordo com a projecção de Bjorn Lomborg, um dos mais conhecidos críticos destes acordos, considerando que este se limitaria a... 0,05ª C em 2100:
Como contraponto a estes pontos de vista, e para não tornar este Macroscópio muito longo, deixo-vos uma tomada de posição forte de um conjunto de figuras influentes na definição das políticas públicas nos Estados Unidos no tempo da administração Obama:
Why Abandoning Paris Is a Disaster for America, um quase manifesto publicado na Foreign Policy. É um texto longo e bem argumentado, de que vos deixo este extracto: “
Action on climate and economic growth go hand in hand, and are mutually reinforcing. That is why twice as much money was invested worldwide in renewables last year as in fossil fuels, and why China is pouring in billions to try to win this market of the future. A bipartisan group of retired admirals and generals on the CNA Military Advisory Board is about to release a report that will also spell out the importance of competitiveness in advanced energy technologies — not just to the economy, but also to the country’s standing in the world. Pulling out of climate will result in a loss of U.S. jobs and knock the United States off its perch as a global leader in innovation in a quickly changing global economic climate.”
Por hoje, e por esta semana, é tudo. Algo sobra contudo para os próximos tempos e que transcende Trump e o Acordo de Paris: o destino da liderança americana à escala global e como principal garante e referência da tradição ocidental, uma tradição em nome da qual, há exactamente 100 anos, os seus soldados começaram a embarcar para combater numa Europa então mergulhada na primeira das suas duas terríveis guerras totais. Depois da visita de Trump à NATO, da reunião do G7 e desta sua decisão esse será um dos temas que mais deverá mobilizar a nossa reflexão.
Tenham um bom fim-de-semana.