Dir-se-ia que o mais difícil tinha sido conseguido – ou pelo menos o
mais difícil nesta fase. Primeiro soube-se que António Domingues, um
gestor de competência reconhecida, ia ficar tomar conta da Caixa Geral
de Depósitos, à frente de uma administração que não é uma espécie de
mini-parlamento. Todos aplaudiram. Depois foi conhecido que a Comissão
Europeia e o Banco Central Europeu tinham aceite um ambicioso plano de
recapitalização. Aqui já houve mais dúvidas e mais pedidos de
explicação, mas parecia que se tinha conseguido desatar o nó e criar
condições para permitir que a CGD respirasse, algo que não fora possível
no quadro regulatória anterior. Mas de repente tudo se complicou, e não
apenas por causa da controvérsia do costume em torno do salário dos
seus gestores – tudo se complicou por comportamentos criticados pela sua
falta de transparência. O que lança dúvidas sobre as explicações que
são devidas sobre o plano de recapitalização, e ainda mais dúvidas sobre
a aceitabilidade de algumas das soluções encontradas. Sinto por isso
necessidade de dedicar um Macoscópio a este tema, mesmo que guarde para o
fim duas breves notas sobre as eleições norte-americanas, como é
inevitável nesta sua recta final.
Primeiro que tudo, e para entender o que se está a passar na CGD,
comecemos por um texto mais informativo e por uma análise que procuram
fazer uma síntese dos pontos mais controversos e dos erros que terão
sido cometidos. Começo por isso por
As seis polémicas da nomeação do novo presidente da Caixa Geral de Depósitos,
um texto de Rita Dinis e Ana Suspiro onde se faz uma boa síntese do que
está em causa nas diferentes frentes de controvérsia. Assim:
- Salários “milionários” e a exceção dos gestores da Caixa, um
ponto onde se recorda o decreto-lei que o Governo elaborou para
permitir que os administradores da CGD tivessem salários mais elevados
do que os previstos no estatuto dos gestores públicos;
- As reservas do BCE aos nomes propostos para a administração, onde
de recupera a controvérsia sobre algumas das escolhas para a nova
administração e a humilhação imposta a alguns dos novos gestores,
obrigados a frequentar cursos de especialização numa escola francesa;
- Uma exceção que o isenta de ser escrutinado pelo Tribunal Constitucional. E não, “não é lapso”, ou
seja, o ponto mais quente e por onde tudo pode romper, uma vez que o
decreto-lei feito à medida para a CGD não impõe deliberadamente aos seus
administradores os deveres de transparência a que estão sujeitos os
titulares de cargos políticos e os outros gestores públicos;
- Salário e reforma: 2 em 1? Sim, sobre
a possibilidade de António Domingues acumular o seu salário com a
reforma a que terá direito a partir do próximo mês de Janeiro;
- Teve ou não teve acesso a informação privilegiada? Uma guerra aberta com Passos Coelho, porventura
uma guerra desnecessária e temerária que, mesmo sendo sobre um tema a
que a opinião pública deu pouca atenção, deixa dúvidas sobre a forma
como António Domingues preparou a sua ida para a CGD e o respectivo
plano de recuperação;
- Uma auditoria prometida mas não executada (ainda), onde
se recorda o que tem mesmo de ser recordado, pois só uma auditoria pode
ajudar a perceber bem os crimes (pois há muitos que estão convencidos
que é mesmo de crimes que se trata) praticados por anteriores
administrações.
Num registo mais analítico ou mesmo opinativo, João Vieira Pereira discorreu no Expresso Diário (paywall) sobre
Os sete pecados da administração da Caixa. E que são, respectivamente:
- A Carta branca dada pelo Governo a António Domingues, que este utilizou sem moderação;
- Os convites, por estes terem sido feitos quase exclusivamente no banco de onde veio Domingues, o BPI;
- Escolha duvidosa, recordando que um dos novos gestores trababalhou na PT com Zeinal Bava;
- A McKinsey, por causa da forma como a consultora foi contratada;
- Plano de recapitalização, onde a propósito de polémica com Passos Coelho se refere que “Simplesmente
não é possível fazer um plano desse género sem, por exemplo, conhecer
em pormenor a carteira de crédito da Caixa. Das duas uma: ou tiveram
acesso a essa informação - e não tido; ou, se não tiveram, o plano corre
o sério risco de estar todo mal feito.”;
- As exigências, sublinhando que o Governo devia ter dito que não a pedidos politicamente insistentáveis; e, por fim,
- O processo, pois houve deselegâncias absolutamente escusadas.
Com base na recapitulação dos principais factos e controvérsias, vejamos algumas das reflexões publicadas na última semana:
- O banqueiro que vergou o Estado, um texto de Manuel Carvalho no Público onde se considera que estamos este gestor “fez do Governo o que não faria de nenhum accionista: um agente subalterno”. Em concreto: “Experiente,
inteligente e competente como é, bastou-lhe pôr-se nos píncaros e
subalternizar quem o queria contratar. Na prática, é ele quem tem
mandado em tudo o que se relaciona com o processo da Caixa.” Só que isso tem consequências e levanta dúvidas: “Por
que razão há-de um ministro ser obrigado à transparência e o presidente
da Caixa não? Não tratam ambos de matérias de interesse público? Não
trabalham ambos com os nossos impostos, não devem os dois dar completas
garantias que serviram o público e não se serviram dele?”
- A gestão da CGD e a falta de bom senso, uma opinião de Helena Garrido no Observador onde a autora invoca o texto anterior para lhe acrescentar novos pontos: “O
Governo preparava-se para dispensar a gestão da CGD do “Controle
Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos” a que estão
submetidos o Presidente da República, o primeiro-ministro, todos os
membros do Governo, todos os gestores públicos e os próprios juízes do
Tribunal Constitucional. Objectivo, mais uma vez: aproximar a CGD dos
bancos privados, respondendo apenas ao Governo e ao supervisor. Na
realidade, se tal viesse a acontecer, a CGD estaria menos escrutinada
que os seus pares directos, entidades cotadas em bolsa. Uma decisão
deste tipo só faria sentido caso estivesse a planear-se a privatização
da CGD, o que não é o caso.”
- A Caixa é um banco igual aos outros?,
um texto de Tiago Freire no Jornal de Negócios onde também se destaca a
contradição entre o discurso em torno do banco público e a adopção de
medidas mais próprias de um banco privado. O que leva a paradoxos: “Para
muitos dos que foram nomeados, a pior coisa que lhes podem dizer é que
são funcionários públicos ou gestores nomeados politicamente. E vêem
esta história do património como a linha que separa esse universo
daquele onde se querem inserir: gestores profissionais, com um mandato
qualitativo e quantitativo e eminentemente técnico, e não político. No
fundo, querem gerir o banco público como se fosse outro banco qualquer.
Serão as duas visões conciliáveis?”
- Doze pontos a favor da privatização da CGD,
uma tese interessante de António Costa no jornal digital Eco que leva
mais longe os raciocínios enunciados nos dois textos que acabei de
referir, concluindo que as opções tomadas neste dossier militam todas
elas a favor da ideia de que a CGD devia era ser um banco privado: “O
primeiro-ministro diz que a CGD tem de ser pública, 100% pública, mas
os objetivos traçados para o banco público e acordados com a nova
administração gritam outra coisa. Se o governo e a nova administração da
CGD têm estes entendimentos, a conclusão óbvia é a de que a
privatização é a peça que falta, e coerente, para completar o puzzle. A
privatização acabava com uma série de contradições nos termos. Além
disso, evitava que fossem os contribuintes a pôr o dinheiro sem direito
ao exercício de controlo que cabe a qualquer acionista numa empresa
privada.”
Mas deixemos a Caixa Geral de Depósitos para referir apenas de passagem o
tema que prende há meses a nossa atenção, a corrida presidencial nos
Estados Unidos. Hoje faço-o apenas de raspão e porque a “bomba” que o
director do FBI deixou cair, ao revelar que a agência abriu uma nova
investigação aos emails de Hillary Clinton obriga-me a satisfazer o que
presumo serem as duas grandes interrogações dos leitores desta
newsletter, a saber:
- Mas afinal o que história é essa dos emails? É uma história complicada, mas Rita Tavares procura dar 6 respostas para perceber a gravidade do caso dos emails de Hillary em mais um Explicador do Observador. Respostas às seguintes questões: Afinal o que fez Hillary?; Por que motivo usava um servidor privado?; Se os emails estavam fora do circuito como foram descobertos? Hillary cometeu alguma ilegalidade?; Então porque é que o caso voltou a aparecer agora?; Isto pode ser importante para as eleições?
- E o que é que está a acontecer com as sondagens?, onde naturalmente recorro a Nate Silver do FiveThirtyEight que, no Election Update de hoje escreve que Comey Or Not, Trump Continues To Narrow Gap With Clinton.
Mas, atenção, a aproximação de Trump a Hillary não deverá ter a
dimensão dada pelas sondagens que às vezes fazem grandes títulos, pois a
media dos estudos ainda coloca a candidate democrata 4,7 pontos
percentuais à frente de Trump, menos do que os 5,7 pontos de vantagem
que tinha sexta-feira e bem menos que os 7,1 pontos de há duas semanas,
mas aind assim uma margem confortável. Mas que não dá para dormer
descansado: “It’s not easy to tell how much of that shift reflects a reaction to Comey, as compared with a race that had been tightening already.
And it remains the case that the margin is closing because Trump is
gaining ground from undecided voters and third-party candidates, rather
than Clinton losing support. The fact is, though, that the data we’ve
gotten during the past few days is consistent with a reasonably
competitive race — although one in which Clinton has the advantage —
especially given the significant disagreement in the polls and the relatively high uncertainty surrounding the polling this year.”
Creio que, face ao muito de interessante que tenho lido sobre esta
importante eleição a ela regressarei no próximo Macroscópio. Afinal há
tanta coisa em jogo no próximo dia 8 de Novembro…
Entretanto, tenham bom descanso e boas leituras.
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