O ponto de partida do Macroscópio de hoje é um estudo encomendado pelo
governo alemão e que o diário económico Handelsblatt revelou hoje em
exclusivo Em
Demographic Tax Bomb
(paywall) explica-se que, na Alemanha, o rápido envelhecimento da
população pode muito em breve ter como resultado uma diminuição das
receitas fiscais e um aumento da dívida pública. A Alemanha é, a par com
Portugal, a Grécia e a Itália, um dos países mais envelhecidos da
Europa. O que este relatório mostra é que aí há real preocupação com
esse desenvolvimento (não se poderá dizer o mesmo de Portugal, onde o
anúncio da nova taxa sobre o património
foi apresentada
como permitindo, só por si, ganhar mais seis anos de sustentabilidade
do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social).
Vale a pena citar algumas das conclusões do estudo citado pelo
Handelsblatt uma vez que a realidade que ele retrata não é muito
distinta da de outros países europeus, como Portugal:
- “The figures contain political dynamite: sharp future rises in
social security obligations have long been feared, but the new figures
show that tax revenues will be plummeting just as heavy pension
commitments kick in. The German social state could be choked on both
sides.”
- “Even increased migration will not protect
against the demographic time bomb: even with 200,000 immigrants per
year, Germany’s population will fall to 73 million by 2060 [hoje é de 81
milhões], and that figure will contain a much higher proportion of
senior citizens.”
- “The old tend to be less eager
consumers than the young, pushing down sales tax revenues. And lower
consumption may impact on overall economic growth, leading in turn to
lower tax revenues.”
As conclusões deste relatório, lembra o mesmo Handelsblatt, não são
muito diferentes das de um relatório sobre sustentabilidade das finanças
públicas realizado, também a pedido do governo de Berlim, por Martin
Werding e que concluia que “
without early counter-measures,” the
danger would grow that “demographic developments will lead to an
unsustainable build-up of debt.”
Mas porquê retomar o tema da demografia numa altura destas? Primeiro,
porque se trata de um dos temas que mais devia preocupar as autoridades,
e não apenas do ponto de vista mais habitual, o da promoção da
natalidade. Sendo que a natalidade é um tema central, que até já conta
com um site a ela dedicado e organizado pela Fundação Francisco Manuel
dos Santos,
Nascer em Portugal.
O gráfico que mostro a seguir, retirado desse site, mostra bem como tem
evoluído de forma negativa o número médio de filhos por mulher, ao
mesmo tempo que o primeiro filho surge cada vez mais tarde (aos 30 anos
em 2014).
Depois, porque a quebra da natalidade e o aumento da esperança de vida
transformaram de forma tão profunda o perfil demográfico da população
que começam a aparecer estudos que relacionam essa evolução com a
dificuldade que os países mais desenvolvidos têm tido em retomar o
caminho do crescimento. Também por estes saiu sobre esse tema um
interessante texto no Financial Times,
[It’s%20the%20demography,%20stupid!]It’s the demography, stupid!, no
qual Gavyn Davies discute a relação entre a demografia, o crescimento e
as taxas de juro definidas pelos bancos centrais. Mais concretamente: “
It seems that the Federal Reserve is starting to recognise that the decline in the equilibrium interest rate
in the US (r*) has been driven not by temporary economic “headwinds”
that will reverse quickly over the next few years, but instead has been
caused by longer term factors, including demographic change.” O
texto refere depois alguns estudos recentes (incluindo um do Banco de
Inglaterra e outro da Reserva Federal) que suportam esta tese.
Isto pode significar que as políticas de juros baixos que têm vindo a
ser seguidas pelos bancos centrais desde a crise de 2008 não deram
resultado porque, no fundo, não alteram o que já é uma tendência de
fundo das economias avançadas. Idênticas dúvidas devem ser colocadas
relativamente à actual política de fornecimento de liquidez aos
mercados, o chamado “quantitative easing” que o Banco Central Europeu
tem vindo a prosseguir de forma agressiva. Este é precisamente um dos
temas a que regressa, no El Español, Daniel Lacalle, em
¿Camino de la estanflación?
O seu ponto de vista é abertamente crítico das opções de Mario Draghi,
começando por sublinhar o que surge cada vez mais como uma evidência: “
La
política monetaria ultraexpansiva (…) incentiva el endeudamiento, la
mala asignación de capital y la creación de burbujas en el mercado de
bonos, mientras que los efectos positivos se muestran cada vez menos
evidentes.” Pelo contrário, as consequências podem ser pesadas: “
Endeudarse
para “crecer”, entrar en desequilibrios desproporcionados porque los
tipos son bajos, no conseguir el crecimiento estimado, cubrirlo con más
impuestos y entrar en otra crisis.”
A Europa, no entanto, parece ter colocado o seu destino nas mãos de
Mario Draghi, porque quanto ao resto oscila entra a falta de rumo e o
assumido desnorte. Talvez o melhor exemplo disso seja a forma como, de
um lado e outro do Canal da Mancha, o tema do Brexit começa a ser gerido
e negociado. Todos os sinais que nos chegam apontam para um desastre
anunciado que pode prejudicar gravemente não apenas o Reino Unido, mas
toda a União Europeia. Dois textos chamaram a atenção de isso mesmo este
fim-de-semana:
- Teresa de Sousa escreveu no Público uma análise dos últimos desenvolvimentos a que chamou sugestivamente Negociar em francês ou a “doença infantil” do "Brexit". Nesse texto descreve o ambiente da mais recente cimeira europeia, chama a atenção para alguns disparates – “A
“infantilidade” europeia veio ao de cima nalgumas atitudes
completamente gratuitas. A última coube ao comissário francês Michel
Barnier, que será o responsável pelas negociações e que resolveu
anunciar que elas vão decorrer em francês.” –, mas sobretudo sublinha que “O
tom duro e ameaçador que cada lado da barricada resolveu adoptar não é
mais do que uma tentativa para disfarçar que, de um lado e de outro, não
há qualquer estratégia que faça sentido para tentar resolver com
prudência e com visão esta separação extremamente difícil”.
- João Marques de Almeida, no Observador, defende em Hard Brexit, que não existe saída indolor para as negociações que se aproximam. Ou seja, que não haverá um “soft Brexit”: “Desde
a vitória do Não, o cenário ideal seria o modelo norueguês: fora da
União, dentro do mercado. As últimas semanas mostraram que este cenário é
uma fantasia. Uns acreditaram na fantasia simplesmente porque foram
incapazes de aceitar a nova realidade imposta pelo referendo de Junho. A
negação da realidade, quando ela não agrada, faz parte da condição
humana.”
A acrimónia na discussão política, mesmo entre parceiros, é fruto de uma
situação económica que não satisfaz ninguém, tal como esta resulta de
falhas de política económica e uma visão de longo prazo. O que me leva a
regressar ao tema com que abri este Macroscópio, o da demografia,
porque encontrei, quase por acaso, um outro texto igualmente intitulado
It's the Demography, Stupid,
só que este em vez de ter sido publicado no Financial Times, saiu no
Wall Street Journal, e em vez de ser recente, tem uma dezena de anos (é
de Janeiro de 2006, tendo uma componente conjuntural em algumas
passagens). A tesa aqui é diferente, mas talvez não divergente, pois o
que nele Mrk Steyn pretende abordar é “
The real reason the West is in danger of extinction”. É um ensaio relativamente longo, do qual vos deixo apenas dois pequenos aperitivos:
- “Much of what we loosely call the Western world will not survive
this century, and much of it will effectively disappear within our
lifetimes, including many if not most Western European countries.
There'll probably still be a geographical area on the map marked as
Italy or the Netherlands--probably--just as in Istanbul there's still a
building called St. Sophia's Cathedral. But it's not a cathedral; it's
merely a designation for a piece of real estate.”
- “The
design flaw of the secular social-democratic state is that it requires a
religious-society birthrate to sustain it. Post-Christian
hyperrationalism is, in the objective sense, a lot less rational than
Catholicism or Mormonism. Indeed, in its reliance on immigration to
ensure its future, the European Union has adopted a 21st-century
variation on the strategy of the Shakers [uma seita religiosa derivada
dos Quakers, hoje quase desaparecida], who were forbidden from reproducing and thus could increase their numbers only by conversion.”
O texto prossegue quase sempre num registo bastante desafiador, mas
nalguns momentos presciente, nomeadamente quando antevê (em 2006) que a
partir de 2010 íamos assistir na Europa a motins e ver edifícios a
arder, algo hoje relativamente comum nos subúrbios de algumas grandes
cidades europeias.
E assim, entre uma evolução demográfica que pode fazer implodir as
finanças públicas daqui por uma geração e derivas políticas que colocam o
abismo já ao virar da esquina, regresso o título que escolhi para este
Macroscópio. E à ideia de que, antes do colapso (em 1914, em 1989)
ninguém previa seriamente a iminência desse mesmo colapso. Teremos
aprendido as lições da História?
Com esta dúvida e este inquietação, despeço-me por hoje. Tenham bom descanso e boas leituras.
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