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Por Pedro Candeias
Coordenador
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31 de Agosto de 2016 |
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O juízo final de Dilma: Deus, esperteza malandra, choros, cadáveres e mau cheiro
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Àquela, enquanto no canal 182 passava o episódio 172 dos "10 Mandamentos" e o 184 a "Opção Saúde", a "Hora News" do canal 183 mostrava mensagens de Whatsapp
da Francilene de Araguanã, da Marcélia de Porto Alegre, do Temistocles
de Guarulhos, da Neuza de Curitiba, e do José Francisco de Guaianases.
Entre a Araguanã da Francilene e a Guaianases do José Francisco
é possível traçar uma linha vertical de um ponto ao outro, porque a
primeira fica no nordeste e a segunda no sudeste do Brasil, e estão a 2.853 de quilómetros uma da outra. É como ir e voltar de Faro a Melgaço - e repetir as viagens. É uma distância
tão grande quanto o sim está do não, o favor do contra, a “justiça” do
“golpe”, e, se bem me lembro, a Francilene do José Francisco.
Ela não queria o impeachment, ele queria o impeachment, e foi com SMS
digitais destas que a “Hora News” da TV Record se fez durante horas,
entre conversas de pivots que se revezaram, reportagem no Senado, o
julgamento de Dilma no Senado, tudo embrulhado no conceito chamado “O Julgamento Final”. É como quem diz Dia do Juízo Final, que é hoje, quarta-feira, embora o fim disto - que pode ser também o fim de Dilma, porque 54 dos 81 senadores devem votar “sim”, segundo a Folha de São Paulo - estivesse agendado para ontem. Só que ontem Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, fez as contas e concluiu que era impossível ouvir os discursos dos 65 senadores inscritos - e
cada um deles tinha direito a falar dez minutos. 65 x 10 = 650 minutos,
e 650 minutos são mais de 10 horas. Não dava para aguentar. No “Hora News” do canal 183
passaram algumas dessas horas de monólogos políticos palavrosos,
intensos ou cómicos, assustadores ou deprimentes, mas sempre teatrais. Até houve tempo para Fernando Collor de Melo fazer o revisionismo do seu impeachment: “Me condenaram politicamente em meio de tramas e ardis de uma aliança de vários vértices”. Ficou tudo na mesma
Mas antes deste rodízio de senadores ter tomado o púlpito, houve três
intervenções que marcaram o dia, porque quiseram mexer com a indecisão
dos votantes. Puxar ao sentimento. A primeira foi de Janaína Paschoal, advogada de acusação, que disse que o impeachment era um ato divino: “Foi
Deus que fez que, ao mesmo tempo, várias pessoas percebessem o que
estava acontecendo no país. A perícia foi toda a favor da acusação,
toda. A perícia confirmou os empréstimos, confirmou que são operação de
crédito, confirmou que não foram contabilizados”. Janaína ainda pediu desculpas aos netos de Dilma que estava justamente a fazer isto por eles e pelos brasileiros, “vítimas de uma grande fraude" da avó”. E Janaína chorou. Depois dela, Miguel Reale Júnior, o outro advogado de acusação, falou no fim da “esperteza malandra” (a nossa chico-espertice ou esperteza malandra) e do “lulopetismo” (os brasileiros são bons no soundbyte) que usou os “bancos oficiais para financiar o Tesouro”. E, para encerrar: “A comida desapareceu da mesa do brasileiro, aí está o cadáver, o mau cheiro” (os brasileiros são os melhores no soundbyte). A seguir a Paschoal e Reale Júnior, foi a vez de José Eduardo Cardozo, advogado de defesa de Dilma Rousseff, que chorou porque Janaína tinha chorado. “É
inadmissível alguém pedir a condenação e dizer que o faz pelos netos
dessa pessoa. É muito triste. Espero convencer alguém, mas é muito
injusto”. E comparou este movimento a uma “ditadura”. É tempo de recapitular, para se perceber como se chegou aqui: Em dezembro
de 2015, Eduardo Cunha, na altura presidente da Câmara dos Deputados,
disse sim à abertura de um processo para afastar Dilma Rousseff da presidência, sob acusações de manipulações orçamentais, vulgo, pedalada financeira, como o João Silvestre nos lembrou ontem
- isto aconteceu um bocadinho depois de se saber que o PT, de Dilma,
tinha aconselhado os seus deputados para votarem a favor de um inquérito
contra Cunha. Depois, meteram-se pelo meio o Natal, o Reveillón e o Carnaval, e já perto da Páscoa, em março, Michel Temer,
vice-presidente do PMBD, deixou o Governo e o seu partido pulou para o
lado de lá - o da oposição. A meio do mês, ouvimos as escutas entre Lula
e Dilma que o juiz Moro pôs cá fora, percebemos que a Presidente era a "querida" do ex-Presidente e o ex-presidente era o "senhor" para a Presidente, e no dia
30 a Câmara Baixa do Parlamento enviou o processo de destituição de
Dilma. A 12 de maio, o Senado aceitou, a 'Presidenta' foi suspensa,
Temer assumiu a liderança interinamente, e marcou-se o processo de impeachment para o final de agosto. Para hoje.
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OUTRAS NOTÍCIAS Hoje já era tarde para começar o trabalho de reconstrução de um lugar que deixou de existir quando a terra tremeu e o engoliu, levando a vida e trazendo a morte. No arranque desta reportagem da Joana Beleza em Itália, sente-se, vê-se e ouve-se o desespero e a angústica das gentes de Amatrice, Accumoli, Arquara del Tronto e Pescara del Tronto
perante uma força esmagadora que comprime os sonhos e faz colapsar o
futuro numa fração de tempo. Mas também se percebe no final que a esperança é, literalmente, a última a morrer - e que vale a pena procurá-la por lá. Por cá e por aqui, no Expresso Diário, a Ângela Silva e a Helena Pereira escreveram que o CDS
está pronto para avançar com o fim de insenção do Imposto Municipal
sobre Imóveis para os partidos e para os sindicatos se o Governo puser a
Igreja a pagar mais IMI. “[O CDS] Ou aproveita a
apreciação parlamentar que tem agendada sobre o IMI e apresenta
propostas de alteração à tributação dos partidos. Ou apresenta um
projeto de lei autónomo. Ou muda as regras em sede de orçamento”, disse Nuno Magalhães ao Expresso. Esta seria, de acordo com a notícia, uma
forma de o CDS tentar abanar a “geringonça”, que não se entende
relativamente ao IMI: o PCP é contra a tributação dos partidos, o BE é a
favor, o PS ainda não se pronunciou. Mais tarde, num comunicado, o PCP fez um follow up da história: os comunistas garantem ter pagado “cerca de 29 mil euros de IMI, referentes a 2014 e que estão refletidos nas contas de 2015 entregues ao Tribunal Constitucional”. Quanto à Igreja, o PCP considera que “devem ser respeitados os termos da Lei de liberdade religiosa e da Concordata com as isenções que comportam”. Daqui a pouco vamos saber como nos comportámos e como o Estado se comporta com alguns de nós, porque hoje é o dia em que o INE revela os números do crescimento ecónomico entre abril e junho, e é também o dia limite para o Governo reembolsar os que pagaram IRS a mais. Mas vamos ao PIB. A “última estimativa rápida” do INE - e cito o texto do João Silvestre e do Jorge Nascimento Rodrigues - “apontava para uma desaceleração do crescimento homólogo - de 0,9% para 0,8% . e uma manutenção do crescimento em cadeia em 0,2%”. Acontece que Marques Mendes disse na SIC, há dias, que o INE “poderia rever em alta o crescimento em cadeia de 0,2% para 0,3%” e essa décima a mais representa algumas dezenas de milhões de euros. Se quiser perceber como, faça como eu e vá por aqui. O que não se percebe é como conseguem os espanhóis viver sem um Governo desde dezembro. Hoje, Mariano Rajoy vai outra vez a votos para tentar ser investido como Primeiro Ministro de Espanha, mas, para tal, precisa da ajuda do PSOE. Que é improvável. Ontem, durante o discurso no Congresso dos Deputados, Rajoy falou do risco de um bloqueio enómico do país se a coisa continuasse assim, e pediu apoio para evitar “aventuras de radicalismos”. E a esquerda radical de Pablo Iglesias, o Podemos, disse à
Cadena Ser fechou a porta a um acordo com o PSOE antes da votação pela
maioria absoluta (hoje), mas abriu uma portinhola para o entendimento
para a maioria simples (sexta-feira) se os socialistas votassem contra o
PP. “Se o PSOE votar não a Rajoy, a partir do dia seguinte temos
que nos por a trabalhar, porque não o fazer é apostar diretamente em
terceiras eleições". Chapuza, espanhol para geringonça. Agora, os jornais: No dia em que António Domingues assume a liderança da Caixa Geral de Depósitos, o Público faz manchete com os “700 milhões de euros” que o banco “tem para gastar com a saída dos trabalhadores”. No Diário de Notícias,
escreve-se que “o Estado vai contratar 300 polícias mas tem 324 de
licença sem vencimento”, que preferem trabalhar “noutros organismos -
públicos, privados, ou até fora do país”. Ainda com números, o Jornal de Notícias noticia
que a “dívida dos hospitais aumenta 194 milhões”. E reforça:
“Pagamentos em atraso disparam. Reposição de salários e horas extra
esvaziam orçamentos. Governo diz que está tudo normal” No Jornal I,
diz-se que “o Governo admite aumentar pensões mais baixas” e discute-se
o tema da colocação dos professores: “Mais de 28 mil professores sem
colocação nas escolas”, porque dos “36 mil docentes que se apresentaram a
concurso, apenas 7306 conseguiram um lugar para dar aulas”. Ontem, o Ministério da Educação emitiu um comunicado a garantir a colocção de 7306 professores, um aumento de 494 docentes relativamente ao ano letivo 2015/16. Nos jornais desportivos, o mercado domina as primeiras páginas. O Record faz manchete com o regresso de Elias ao Sporting e defende que Rafa está perto do Benfica; A Bola lança o Sporting no encalço de Rafa; e O JOGO garante Boly no FC Porto, Adrien e Slimani no Leicester e Rafa entre o Benfica e o Sporting. FRASES “Os
cargos têm um preço. Numa visita oficial, não podia um Presidente de
repente tirar a roupa e mergulhar. Isso seria ortodoxia em excesso” Marcelo Rebelo Sousa not into the wild, nas Selvagens “Marques
Mendes defende agora que (eu) seja candidato à Câmara de Lisboa (…)
Agora, 10 anos depois, quando estou mais velho, quando sou um has been
(…) faz-me confusão” Pedro Santana Lopes has usual, na SIC “O
destino nunca facilitou a vida a este judeu assumido sem fé nem pulsão
para a religião. O humor funcionou na sua vida quase sempre como uma
forma superior de exorcizar o sofrimento” Herman José, o grande Herman José, sobre Gene Wilde “A
aposta na distribuição de recursos internos para consumo interno já foi
testada no passado e resultou da forma que todos nós sabemos: uma crise
financeira que obrigou um pedido de resgate.” Maria Luís Albuquerque a ensina a narrativa na Universidade de Verão O QUE ANDO A LER A Guerra do Fim do Mundo é a versão romanceada de Mario Vargas Llosa da Guerra dos Canudos, que provocou a morte a 15 mil pessoas quando uma rebelião comandada e liderada espiritualmente por um tipo messiânico chamado António Conselheiro
foi esmagada pelo Exército brasileiro ao fim de dois anos (1896-1897).
Vargas Llosa viveu na Bahia durante meses e procurou fontes primárias e
secundárias para se sentir mais próximo desta incrível história de um
homem que vagueou de lugarejo em lugarejo no interior do estado,
arrebatando fiéis para a sua causa reaccionária (anti-republicana),
conservadora e profundamente religiosa. “Peregrinei por todas as vilas
onde, segundo a lenda, o Conselheiro pregou, e nelas ouvi os moradores a
discutir sobre Canudos, como se os canhões ainda trovejassem no reduto
rebelde e o Apocalipse pudesse acontecer a qualquer momento naqueles
desertos salpicados de árvores sem folhas, cheias de espinhos”diz no
prefácio. Para já é tudo, mas deixo-lhe uma sugestão cá da casa. Hoje, 31 de agosto, é o fecho de mercado futebolístico e nós vamos estar a acompanhá-lo em direto na Tribuna (www.tribuna.expresso.pt), atentos às contratações, às vendas e aos rumores, com humor e rigor. E a coisa promete, porque, até às 23h59m, Benfica, Sporting e FC Porto
estarão a mexer-se à procura daquele último negócio que possa fazer a
diferença. Deixo aqui uns nomes, correndo o risco de ficarem
desatualizados quando estiver a ler este Curto: Rafa, Adrien, Mangala, Slimani, Luisão, Salvio, Adrián - e por aí fora.
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