Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral
Escutemos o Papa Leão XIII, em excertos da sua encíclica "Tametsi Futura", promulgada em 1 de Novembro de 1900:
«Talvez
seja necessário demonstrar o que a experiência contìnuamente prova, e
que cada um, até quando se encontra na abundância dos bens terrenos,
sente profundamente dentro de si: Que não há nada fora de Deus que possa
total e absolutamente satisfazer o desejo humano. O Fim do Homem é
Deus, e todo este tempo que ele passa na Terra consiste sòmente numa
espécie de peregrinação. Mas Cristo é o nosso "caminho" porque nesta
viagem mortal tão difícil e cheia de perigos, não podemos, de nenhuma
forma, chegar ao Bem Supremo, Deus, sem a Obra e a Guia de Nosso Senhor
Jesus Cristo. "Ninguém vem ao Pai senão por Mim" (Jo 14,6). O que
significa isso? Significa, principalmente e antes de tudo, que não se
pode ir ao Pai a não ser por meio da Graça de Jesus, a qual, contudo,
permaneceria infrutuosa no homem, se se descuidasse da observância dos
Seus preceitos e das Suas Leis. (...)
Daqui
fàcilmente aparece o que se deve esperar do erro e da soberba, daqueles
que desprezada a Soberania do Redentor, COLOCAM O HOMEM ACIMA DE TODAS
AS COISAS, E QUEREM O REINO ABSOLUTO E UNIVERSAL DA NATUREZA HUMANA;
também se na prática não podem conseguir este reino, e até nem saibam
definir bem no que ele consiste. O Reino de Jesus Cristo toma forma e
consistência da Caridade Divina; o amor santo e ordenado é o fundamento e
compêndio dele. Daqui necessáriamente derivam os seguintes princípios: É
preciso cumprir bem o próprio dever, não se deve cometer nenhuma
injustiça ao próximo, é preciso estimar as coisas terrenas COMO
INFERIORES ÀS CELESTES, É PRECISO AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS.
(...)
São
inumeráveis as matérias nas quais o engenho humano pode livremente
mover-se para investigar e contemplar, como num campo muito fértil e
próprio; e isso não sómente é consentido, mas é querido explìcitamente
pela natureza. Porém é coisa ilícita e contrária à natureza NÃO QUERER
MANTER A MENTE DENTRO DOS SEUS CONFINS, E ABANDONADA A NECESSÁRIA
MODERAÇÃO, DESPREZAR A AUTORIDADE DE CRISTO QUE ENSINA. AQUELA DOUTRINA
DA QUAL DEPENDE A SALVAÇÃO DE TODOS NÓS, QUASE TODA TIRADA DE DEUS E DAS
COISAS QUE DIZEM RESPEITO À DIVINDADE: ELA NÃO É PRODUTO DA SABEDORIA
HUMANA, MAS O FILHO DE DEUS A OBTEVE TODA DO PRÓPRIO PAI.»
A
resposta para a questão que titula este artigo é um rotundo NÃO.
Efectivamente, o mundo corruptível, o mundo de prova, onde os homens
devem merecer para a Eternidade, É UM MUNDO DE FENÓMENOS;
consequentemente, as verdades de Fé, por definição, não podem ser
detectadas como fenómenos. As verdades de Fé só podem constituir objecto
da Virtude Teologal da Fé, bem como dos Dons do Espírito Santo da
Sapiência e do Entendimento. Se as verdades de Fé concorressem com os
fenómenos do mundo, como mais um fenómeno, então a Fé Católica não seria
Fé, mas ciência, e não mais poderia existir qualquer mérito da nossa
parte.
Mesmo
no que concerne aos "Preambula Fidei", se por acaso as provas da
existência de Deus envolvessem a detecção da Divindade como mais um
fenómeno, então essa entidade não seria Deus, mas um fenómeno
intramundano. Anàlogamente, a imortalidade da alma não pode ser
alcançada por instrumentos científicos, visto constituir uma realidade
transcendente e não um fenómeno. Imensos livros se têm escrito,
relatando, fraudulentamente, experiências de pessoas "que morreram e
voltaram". Ora tal é completamente absurdo; uma fez consumada a morte
cerebral nunca ninguém "voltou", e se não se registava morte cerebral é
porque a pessoa não estava verdadeiramente morta, embora o coração
estivesse parado. A medicina tem realizado o que até há poucos anos se
pensava impossível; mas não pode concretizar algo de contraditório, tal
como uma verdadeira ressurreição. Só Deus Nosso Senhor pode operar
ressurreições; nenhuma natureza, nenhum ente contingente o pode fazer,
salvo, muito, muito, remotamente, como causa instrumental.
O
Professor Egas Moniz, neurologista português, prémio Nobel, mas
materialista, como quase todos os da sua geração, (1874-1955) afirmava
nunca ter visto a alma na ponta do seu bisturi. Nem podia ver, e se
acaso visse algum fenómeno que tal lhe parecesse - decerto que a alma
não era, nem podia ser.
Deus
Nosso Senhor, na Sua Inteligência Infinita, concebeu o mundo dos
fenómenos, que é o nosso, e o além-túmulo, como realidades
incomensuráveis, sem possibilidade de comunicação fenoménica entre si.
SÓ DEUS NOSSO SENHOR PODE OPERAR QUALQUER COMUNICAÇÃO ENTRE ESTES DOIS
MUNDOS. Recordemos as Aparições da nossa querida Mãe do Céu, do próprio
Jesus Cristo, de muitos santos. Por outro lado, as almas que já estão no
Purgatório podem receber de Deus espécies inteligíveis que lhes
ministrem alguns conhecimentos sobre as coisas deste mundo. As almas que
já se encontram no Céu, contemplam na Infinita virtualidade Divina,
portando com a forma da Essência Divina, tudo o que se passa na Terra;
podendo ainda obter esses conhecimentos mediante espécies inteligíveis
naturais constitutivas da denominada "felicidade acidental".
O
certo é que as realidades Sobrenaturais e mesmo as naturais
transcendentes (preambula Fidei) jamais se podem constituir como
fenómenos positivos. E a razão profunda reside no facto de no fenómeno
positivo, a representação, o objecto representado, e o objecto
significado, coincidirem verdadeiramente. É que os Dogmas de Fé são de
uma absoluta objectividade, mas não são fenómenos positivos. Exactamente
porque na Fé Teologal Sobrenatural, a adesão da inteligência à Verdade
Revelada não se produz mediante uma evidência intrínseca com que essa
Verdade vincule a inteligência, mas sòmente através de uma acto
Sobrenatural de vontade, sustentado pela Graça de Deus, com o qual a
alma se quer comprometer formalmente com a Verdade de Deus Nosso Senhor.
É certo que a Fé Teologal é perfeitamente razoável, mas não é "ex
ratione" mas sim "cum ratione" e "ex voluntate". Nos "preambula Fidei"o
processo é "cum voluntate" e "ex ratione" porque muito embora a prova da
existência (ou melhor, do Ser) de Deus constitua um acto formal da
inteligência natural (sem excluir a Graça Medicinal Preternatural), essa
inteligência necessita estar ancorada num estatuto moral nobre e puro.
Questionar-se-á,
mas então e quando Nosso Senhor Jesus Cristo andava pelo mundo, na Sua
vida mortal, e mesmo na Sua vida gloriosa; não era Nosso Senhor, Ele
próprio, um fenómeno positivo? Nossa Senhora, quando vivia neste mundo, e
os Apóstolos, necessitavam de Fé Teologal como nós?
Nosso
Senhor, verdadeiro Homem, viveu neste mundo, como uma realidade
objectiva positiva, sem dúvida, MAS PARA RECONHECER N'ELE O VERBO
ENCARNADO, SEMPRE FOI NECESSÁRIA A FÉ TEOLOGAL SOBRENATURAL, MESMO PARA
NOSSA SENHORA, MESMO PARA OS APÓSTOLOS. A MORTE DE NOSSO SENHOR NA CRUZ,
COMO REALIDADE REDENTORA DE TODO O GÉNERO HUMANO, SÓ PELA FÉ TEOLOGAL
PODIA SER CONHECIDA, MESMO PARA NOSSA SENHORA E OS APÓSTOLOS, OS QUAIS
ESTAVAM CONFIRMADOS EM GRAÇA. A RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR, SENDO UMA
VERDADE OBJECTIVA, NA SUA FORMALIDADE SOBRENATURAL, SÓ PODIA SER
CONHECIDA PELA FÉ TEOLOGAL, MESMO PARA NOSSA SENHORA E OS APÓSTOLOS.
Neste
pobre mundo mortal, os mesmos mortais só podem atingir verdades de
Ordem Sobrenatural pelas Virtudes Teologais e pelos Dons do Espírito
Santo; isto é verdade mesmo para aqueles que foram testemunhas oculares
da vida mortal e gloriosa de Nosso Senhor, porque só pela Fé podiam
ultrapassar as suas impressões fenoménicas e alcançarem assim os
Mistérios Sobrenaturais. São Tomé acreditou Sobrenaturalmente na
Ressurreição de Nosso Senhor, NÃO PELA EVIDÊNCIA DO QUE VIA, MAS PORQUE
DEUS O TOCOU COM SUA GRAÇA; A VISÃO FÍSICA DE JESUS CONSTITUIU A
CONDIÇÃO EXTRÍNSECA PROVIDENCIAL DA ACÇÃO DA GRAÇA. OS videntes de todos
os séculos, MESMO OS CONFIRMADOS EM GRAÇA, jamais ficaram dispensados
da Virtude Sobrenatural da Fé. Só a Visão Santíssima da Essência Divina
elimina a Fé, por sua própria natureza, e essa visão não é possível
neste mundo.
A própria Parúsia Final, JÁ NÃO SERÁ UM FENÓMENO HISTÓRICO E POSITIVO - MAS SÓMENTE UMA REALIDADE RELIGIOSA E SOBRENATURAL.
Todas
estas distinções não só não diminuem os Mistérios Sobrenaturais, COMO,
PELO CONTRÁRIO, OS EXALTAM NA SUA ABSOLUTA OBJECTIVIDADE. Considerar as
realidades do Além ao mesmo nível fenoménico-positivo das coisas deste
mundo, é tornar a Santíssima Religião CATÓLICA uma coisa humana, um
fenómeno como qualquer outro, e que portanto constituiria objecto
adequado da ciência. A grande maioria dos católicos dos séculos XIX e
XX, mesmo católicos não nominais, caíram nesse erro terrível.
Recordemos,
todavia, que os fenómenos deste mundo podem constituir, e constituem
efectivamente, Graças puramente naturais quando se tornam condições
extrínsecas Providenciais das Graças Sobrenaturais. Porque Deus Nosso
Senhor, na Sua Infinita Sabedoria, produziu uma analogia puramente
extrínseca entre a hierarquia dos fenómenos naturais e a irradição dos
Bens Celestes Sobrenaturais, comunicando assim aos homens, toda a
suavidade, toda a harmonia, todo o enlevo, dos Seus Eternos desígnios.
LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
Lisboa, 1 de Agosto de 2016
Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral