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Por Ricardo Marques
Jornalista
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13 de Maio de 2016 |
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Nada é real
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Vai bola ou vai Brasil? Bola sem Brasil é como Brasil sem bola. Michel Temer presidente não existe sem Dilma ausente. Tal como campeão algum o pode ser sem haver quem fique em segundo. E a
questão é essa. Algo acabou por lá, mas não conseguimos evitar a
sensação de que tudo está apenas a começar. Por cá, ainda que nada tenha
começado, só pensamos em como vai acabar. Venha então a bola primeiro, não há como escapar. Bill Shankly, jogador e treinador que tem uma estátua diante do estádio do Liverpool, "o futebol não é só uma questão de vida ou de morte; é muito mais importante do que isso". O problema é que há muita gente a levar isto muito a sério. No domingo, há Benfica na Luz, contra o Nacional da Madeira. Há Sporting em Braga, na Pedreira. Há dois pontos a separá-los e noventa minutos entre um deles e a festa.
Às cinco da tarde de domingo, em dois campos separados por 371
quilómetros, haverá onze de cada lado e, hora e meia depois, uma rotunda à espera no centro de Lisboa. Redonda como uma bola. Até a meteorologia ajuda. Num domingo vermelho e verde, regressa o amarelo do sol para tornar ainda mais português o dia em que será conhecido o campeão nacional. Se tudo correr mal como no ano passado – e é difícil esquecer as cenas de violência que Pombal contemplou do alto - os problemas só chegarão à noite. O Hugo Franco e o Rui Gustavo prepararam um guia para sobreviver à festa de depois de amanhã no Marquês, seja ela verde ou vermelha, acabe mais cedo ou mais tarde. Porque acaba sempre. Quando a rotunda ficar deserta de gente e cheia de lixo, lá para as três ou quatro da manhã, tudo terá chegado ao fim. A emoção dos golos, o calor das discussões sobre penáltis e foras-de-jogo que se arrastam semanas a fio, as bocas trocadas à segunda-feira, o nervoso miudinho antes de um dérbi, as intermináveis discussões televisivas, a gritaria e as buzinadelas por todo o lado... Tudo desaparecerá, para ficar apenas a tranquilidade que só vem da certeza. Mas como pode ser aborrecida a tranquilidade. Felizmente, na terça-feira, Fernando Santos anuncia a convocatória para o Europeu de França e o jogo pode recomeçar. Atenção, eis que, pelo centro, Dilma já se desmarca. Pega que é sua.
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OUTRAS NOTÍCIAS Qual é a diferença entre os filmes e a vida real? Bom,
digamos que ao fim de uns anos a pagar bilhete já todos percebemos que
se o filme começa às duas da tarde é provável que acabe pelas quatro.
Essa certeza, que resulta de termos visto que há uma sessão às 16h15,
permite-nos gerir o ritmo da história que se desenrola à nossa frente. Se
às duas e meia o protagonista está pendurado no parapeito de uma janela
e seguro apenas por um dedo cheio de sangue, enquanto um louco furioso o
ameaça com uma motosserra, nem pestanejamos. Em menos de nada, está o louco estendido no passeio e o herói a acelerar num descapotável. Na vida real, tudo isso é mentira. Andamos
há meses a ver ferver um país em lume brando, e ontem assistimos ao
momento em que a água saltou fora da panela. Na verdade, foi Dilma que saltou fora do Planalto, ao que parece a caminho de Porto Alegre. E pensámos: acabou, devem ser quatro da tarde. Nada disso. Brasil não é apenas filme, não. É novela a sério. E as novelas nunca acabam, têm episódios especiais, confundem-se com a vida - que não vai ser fácil. Michel Temer tomou posse como presidente. Tem cara novo no pedaço,e tem 22 ministros com ele. Hoje vão ser conhecidas as medidas do ministério das Finanças para os próximos tempos e, a julgar pela amostra
que inclui expressões como "ações para equilibrar as contas públicas e
estimular o emprego", "sacrifícios", "meta fiscal" "déficit"…, é
possível que os brasileiros estejam a poucos dias de ver um filme que já deu cá. Ontem, 35 mil já saíram à rua para defender pedir a demissão do novo presidente. No momento mais dramático do episódio de ontem, qual filha rebelde que os pais conservadores expulsam de casa, Dilma não disse adeus.
"Já sofri a dor indizível da tortura, a dor aflitiva da doença e agora
sofro a dor inominável da injustiça. Mas eu não esmoreço. A população
saberá dizer não ao golpe. A luta contra o golpe é longa e é uma luta
que vamos vencer. Vamos vencer o golpe”. E no Expresso não vamos perder pitada. Nem uma gotinha. Sim, uma gota é uma gota, um cêntimo é um cêntimo. Ontem aprendemos que um cêntimo pode também ser uma gota. E vice-versa.
A tão aguardada e discutida descida do imposto sobre combustíveis, o
ISC, está entre nós. Depois do "Vai descer, vai descer" e do "menos de
três cêntimos é derrota" (como admitiam alguns especialistas pela
manhã), Mário Centeno anunciou à tarde que o preço do litro da gasolina e
do gasóleo vai cair 1 (um) cêntimo. O João Palma Ferreira pergunta, aqui, para onde foram os outros dois? ISC, perdão, isto é como quando dois miúdos têm de dividir os rebuçados: um para mim, um para ti, um para mim. Agora
começamos outra vez. Um para mim, um para ti, um para mim. E quem tem
carro, mas não mora perto da fronteira nem tem uma empresa de
transportes, sente-se cada vez mais como o Porto por estes dias: não
interessa muito bem quem ganha, porque já se sabe quem perde. Um saltinho à Coreia? Aí ganham sempre os mesmo. O
Grande Líder - filho do Líder Ainda Maior e neto do Maior Líder de
Sempre Desde De Que Há Líderes e Pessoas – decidiu promover a irmã
(doravante conhecida como Irmã Suprema e Grande do Grande Líder) a
membro do Comité Central do Partido dos Trabalhadores. Encontra aqui um bom e real balanço do congresso do único partido de um país que não parece deste planeta.
A consequência de por lá ganharem sempre os mesmos é que também são
sempre os mesmo a perder – como percebeu um jornalista da BBC de visita a
um hospital em Pyongyang. Os médicos eram estranhos, as crianças doentes pareciam saudáveis e
até os cientistas estrangeiros convidados começaram a desconfiar. Mas
só jornalista da BBC disse em público aquilo que todos estavam a pensar:
nada disto parece real. Vale a pena ver o momento. Certo, certinho é que o homem está de volta. Agora que se sabe que Paulo Portas vai ter um programa de comentário político
na TVI, vale a pena recordar que em Janeiro, na revista E do Expresso,
foi publicado um perfil de Portas, escrito por Filipe Santos Costa. Um
retrato do homem que abandonava a política. Um texto de fim de ciclo que
tinha por título: "Esta história não acaba aqui". Na verdade, o artigo acaba
assim: "O Portas caixeiro-viajante, que vendia Portugal como um
Oliveira da Figueira (o português vendedor de banha da cobra dos livros
do Tintim) passou a ser vendedor em proveito próprio. Resta saber se
conseguirá vender-se como candidato a Presidente da República. Que toda a vida tenha sido monárquico é só um pormenor que não o atrapalha. Também não atrapalhou Marcelo." Marcelo. O que dirá o Presidente sobre a polémica do momento na educação, a que opõe o ministro Brandão aos estabelecimentos de ensino privado? O país, por esta altura viciado em elevadas doses diárias de protagonismo presidencial,
aguarda com expetativa a posição de Belém que irá colocar um ponto
final no ensurdecedor silêncio das últimas horas. Enquanto não chega, a
Isabel Leiria fala-lhe de quatro batalhas jurídicas de uma guerra política que promete ser longa. O Presidente ainda não falou? Bom, então repare nesta história onde se conta como um dos melhores atletas de todos os tempos se está a tornar num dos memes (imagem humorística viral) mais usados de sempre. Sim,
Michael Jordan, o 23 dos Bulls que pôs meio mundo com vontade de jogar
basquetebol e que chorou quando entrou para o Hall of Fame da NBA, não
passa hoje de uma fotografia usada para gozar com quem perde. Dentro de
anos, quem irá lembrar-se dos triplos e daquele encolher de ombros contra os Portland, dos cruéis lançamentos contra os Cleveland, dos afundanços da linha de lance livre? Ou daquela jogada contra os Lakers, imortalizada no comentário de Carlos Barroca: "Era fácil demais lançar com a mão direita. Vamos tornar a coisa mais complicada, vamos dar espetáculo"? Marcelo? Nada? Temos mais uns minutos, tempo suficiente para conhecer o Sub2, um projeto secreto que tem como objetivo conseguir que um atleta corra a maratona, a prova mais fascinante de sempre, em menos de duas horas.
Para isso, é preciso tirar três minutos ao atual recorde do mundo,
estabelecido em 2014 pelo queniano Dennis Kimetto, em Berlim: 2h02m57s.
Desde 1998, o recorde do mundo caiu três minutos e oito segundos e, como
explica o artigo, a maioria dos cientistas acredita que será apenas uma
questão de tempo até alguém conseguir correr a maratona abaixo das duas
horas. Mais precisamente, arriscam, isso poderá suceder algures em 2028, 2035 ou 2041.
Que mundo teremos nessa altura? E como olharão para os dias de hoje os
humanos mais rápidos de sempre? O que dirão sobre a guerra, sobre a Síria, sobre Alepo? Como irão entender que, ao contrário de tudo o que resto, os dois lados tenham respeitado escrupulosamente o fim do cessar fogo? Tardam as novas de Belém? Pois bem, arrancou hoje a contagem decrescente para o Centenário das Aparições de Fátima. A página do Santuário na Internet, onde estiveram mais de 180 mil pessoas, tem um relógio a andar para trás e, sendo 13 de maio, aproveite para ver o regresso a casa da Imagem Peregrina, que passou o último ano a seguir em frente para visitar todas as dioceses do país. É às 11h30. Manchetes CM: "Função pública com saúde mais cara" Jornal de Notícias: "Gasolina subiu 12 cêntimos mas só desce 1" Público: "Governo mexe na ADSE e beneficiáriios passam a pagar 20% das próteses" Diário de Notícias: "Estado volta a atrasar pagamentos às empresas" i: "Fátia, altar do mundo" FRASES "O
ministro das Finanças amanhã apresentará os resultados. O seu a seu
dono. Sabe, é muito difícil ser ministro das Finanças e é bom deixar aos
ministros das Finanças a oportunidade para dar boas noticias", António Costa, em entrevista SIC, na quarta-feira, sobre o preço dos combustíveis "É preciso acabar com as PPP e as rendas pagas aos negócios privados na saúde", Catarina Martins, em entrevista ao Diário de Notícias "Ronaldo
ganhou 82 milhões de dólares no ano passado, tornando-se não só o
jogador de futebol mais bem pago como também o mais bem pago atleta de
equipa", Christina Settimi, jornalista da Forbes que assina um artigo sobre os negócios do futebol "A
equipa confirmou que as duas peças de destroços encontradas na África
do Sul e na Ilha Rodrigues são quase de certeza do MH370", Liow Tiong Lai, ministro dos transportes da Malásia O QUE ANDO A LER Há dias, enviaram-me o link de um artigo (em boa verdade, o que é um link? O que é um artigo?) O titulo da entrevista ao cientista Donald Hoffman é "The Evolutionary Argument Against Reality". O assunto não podia ser mais intrigante: o mundo que nos chega através dos sentidos não é real. Ou melhor, não é a realidade.
O exemplo mais claro é o ecrã do computador ou telefone onde está a ler
este já longo Expresso Curto. Fixe os olhos num dos ícones que está no
ecrã (um azul e retangular, só para dar jeito). "Isso significa que o
ficheiro propriamente dito é azul e retangular e que vive no ecrã? Claro
que não. Mas essas são as únicas coisas que podemos apreender sobre
qualquer coisa no ecrã - tem cor, posição e forma. Essas são as únicas
categorias que estão disponíveis, e no entanto nenhuma delas é
verdadeira acerca do ficheiro propriamente dito ou de qualquer outra
coisa no computador". Hoffman explica que todos nós, enquanto
produtos de uma longa evolução, fomos sendo treinados para ter perceções
que nos permitem sobreviver, e que por isso temos de as levar a sério. É
o que nos leva a fugir de uma cobra ou não saltar para a frente de um
comboio. O erro, explica, é pensar que, por termos de as levar a sério,
temos também de acreditar que são a sério. "As cobras e
os comboios, como as partículas da física, não tem objetivo, nem
características que sejam independentes de quem os observa. A cobra que
eu vejo é uma descrição criada pelo meu sistema sensorial para me
informar das consequências das minhas ações. A evolução forma soluções
aceitáveis, não soluções ideais. A cobra é uma solução aceitável para o
problema de como devo agir numa situação. As minhas cobras e os
meus comboios são as minhas representações mentais. As suas cobras e os
seus comboios são as suas representações mentais" Um outro exemplo, mais próximo de nós. Lembra-se da estátua de D. Sebastião, a tal que caiu quando um tonto se empoleirou para tirar uma selfie?
Lembra-se de El-Rey que deverá regressar um dia para nos salvar feito
em cacos no passeio à frente da estação do Rossio? Dias depois soubemos que, afinal, o rei desaparecido não era aquele e, provavelmente, aquele não era sequer o original. Como diria Hoffman, nada disto é real. Tudo não passa de uma representação. O chamado Sebastião mental.
Às seis terá o seu Expresso Diário, às 23h00 o Expresso da Meia-Noite
na SIC Notícias e amanhã, nas bancas, o Expresso de sempre. Bom fim de semana.
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