A notícia é de de sexta-feira passada: depois de alguns dias de promessas e expectativa, o ministro da Educação anunciou um novo sistema de avaliação no Ensino Básico que cria provas de aferição no 2.º, 5.º e 8.º anos, mantém os exames no 9.º ano, ao mesmo tempo que acaba com quaisquer provas no final dos dois primeiros ciclos, isto é, no 4.º e 6.º anos. A mudança foi tão radical que apanhou todos de surpresa – até porque ocomunicado do Ministério é parco em explicações.
Antes de irmos às reacções à nova política de avaliação, é bom recuperar o que, na véspera do anúncio ministerial, o Conselho Nacional da Educação tinha concluído num relatório realizado a pedido da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência. Foi um parecer onde se defenderam provas de aferição no 4.º ano e a criação de mais um teste de literacia científica no 9.º ano. Mais do que expor as razões daquele organismo onde se sentam representantes da comunidade educativa, vale a pena remeter os leitores do Macroscópio para os documentos produzidos pelo CNE: o Parecer sobre Avaliação das Aprendizagens e Realização de Provas Finais no Ensino Básico e o Relatório Técnico sobre Avaliação das Aprendizagens dos alunos no Ensino Básico.
Manifestamente o novo ministro da Educação – que ontem ensaiou uma primeira tentativa de explicação das suas opções – não seguiu o parecer dos especialistas nem atendeu a uma das principais preocupações do Conselho Nacional de Educação: "Um sistema de avaliação precisa de estabilidade para que seja previsível e de credibilidade para que haja confiança". Não tem sido essa a regra: nas contas da próprio CNE, avaliação dos alunos mudou mais de 20 vezes em 16 anos. Se considerarmos apenas o subgrupo do ensino básico, então esta alteração será a 15.ª desde o ano 2000, de acordo com o levantamento realizado pelo Expresso (a foto que ilustra esta newsletter é a desse artigo).
A questão da estabilidade foi a que mais comentários suscitou mal foi conhecida mais esta pequena revolução. O Expresso dedicou-lhe mesmo o principal editorial de sábado passado, Experiências na Educação (só para assinantes), escrevendo que “O novo modelo de avaliação do ensino básico é isso mesmo, mais um. São experiências a mais em pouco tempo”. Mesmo um dos maiores críticos do anterior ministro da Educação, Carlos Fiolhais, considerou no blogue De Rerum Natura que estamos perante umaDecisão precipitada. Para ele, “Começa mal o novo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. É óbvio que a sua decisão sobre a avaliação do ensino básico - exames e provas de aferição - não está suficientemente fundamentada. É uma medida tomada à pressa sem falar com praticamente ninguém nem apresentar em seu abono qualquer investigação séria sobre o sistema educativo nacional.” Pior, se possível: “O "eduquês", que sempre foi inimigo da avaliação, está de volta, ainda mais forte do que antes.”
De entre o que tem vindo a ser escrito um pouco por todo o lado, permitam-me começar por recomendar o texto de Alexandre Homem Cristo publicado aqui no Observador, Ziguezagues nos exames (e o silêncio do ministro). Na minha perspectiva, trata-se da crítica mais estruturada e fundamentada da lógica e da estrutura do novo sistema de avaliação. É um texto que identifica quatro grandes problemas no regime proposto – Primeiro problema: a política pesou mais do que a avaliação dos factos; Segundo problema: fragiliza a avaliação dos alunos; Terceiro problema: esta reforma rompe com a compilação estatística dos desempenhos escolares e impede a prestação de contas no sistema educativo e Quarto problema: mais instabilidade no sistema educativo – e que, depois de referir as reacções negativas da comunidade negativa, destaca a única reacção positiva: “Quem ficou satisfeito com o anúncio do ministro? A Fenprof que, entre elogios, saudou as mudanças no tempo certo. São estes os beijos que matam.”
(Registe-se que no jornal I Inês Teotónio Pereira dedica mesmo toda a sua crónica ao que considera ser O novo ministro Nogueira.)
Outro texto muito marcante, este por ser ao mesmo tempo o testemunho de um pai com filhos afectados por mudanças abruptas introduzidas a meio do ano lectivo é o de João Miguel Tavares no Público, A palhaçada. Eis uma passagem onde mostra o seu desespero de pai: “E essa vida planeia-se, desde o início do ano lectivo. Por incrível que possa parecer a Tiago Brandão Rodrigues e à frente de esquerda que nos governa, há pais que entendem que a educação que o Estado propõe aos seus filhos não é toda a educação que querem para eles. Os meus filhos frequentam a escola pública, mas fora dela estudam música e inglês, que têm avaliações próprias. Essas avaliações articulam-se com as da escola, e há opções que se tomam logo em Setembro em função dos exames de Maio. Mais: a escola tem também implicações profundas na vida de lazer das famílias. Há pais que viajam com os filhos, marcando férias com meses de antecedência – e para isso contam que o calendário escolar seja respeitado (a prova de aferição do oitavo ano acaba de ser marcada para a semana seguinte ao fim das aulas). Sim: há vida para além do Estado.”
Graça Franco, que também tem filhos afectados pelas mudanças, também escreve sobre a sua experiência na Renascença, em Há miúdos azarados, onde sublinha a existência de contradições entre a decisão de agora e as promessas do programa eleitoral do PS: “O novo Governo apressou-se a entrar na História. O que é feito da ideia defendida a 20 de Maio, no projecto de programa de uma redefinição progressiva da estrutura dos vários ciclos do básico, de forma a atenuar “os efeitos negativos das transições entre ciclos”? Será que está morta e enterrada a ideia da introdução da figura de um professor único até ao 6º ano (uma das ideias mais inovadoras colocada a debate em campanha eleitoral)? Quanto tempo vamos ainda esperar para o saber? Não temos casa, mas já temos telhado.”
Um outro texto a merecer referência é o de um velho, e empenhado, adversário do “eduquês”, o editor Guilherme Valente que, no Público, se indigna: Educação, o paroxismo da irresponsabilidade. Eis o seu argumento central:
Absolutamente contra a prova dos factos, dos resultados, dos avanços mais recentes das ciências cognitivas e agora, também, o aviso informado e corajoso de directores, volta a ser imposta a escola facilitista, das teorias delirantes dos "especialistas" da educação, do fim da avaliação, da farsa das aferições, dos resultados (ocultados) sempre a piorar, da desmotivação dos alunos, da desvalorização do trabalho dos professores, do "difícil é sentá-los", do alheamento dos pais, do abandono escolar galopante, da desregulação e irresponsabilização gerais, da fuga para o ensino privado daqueles que o puderem pagar. Das desigualdades sociais sempre a crescerem, como aconteceu em todos esses anos. Porque a escola pública sem exigência, sem avaliação, sem desafio, prejudica sobretudo, como qualquer pessoa que queira ver percebe, os mais desfavorecidos. Os que entrando para ela sem nada, fogem ou saem dela sem coisa nenhuma.
Na mesma linha de preocupação, referência ainda para Henrique Monteiro que, no Expresso, em Quando vão acabar com os rankings? (acesso para assinantes), se dirige abertamente a António Costa, pedindo-lhe que abra os olhos. Eis um dos seus argumentos: “O desconhecido ministro da Educação decidiu acabar com os exames do 6o Ano. Sinceramente, achando completamente estapafúrdia a forma como se acaba com esses exames – com um despacho feito num gabinete, sem consultar ninguém e mandando às malvas o parecer da Conselho Nacional de Educação – podem ainda ter um racional. A grande divisão no nosso ensino básico é no 4o Ano e não no 6o. Depois do 4o, muitos alunos mudam de escola e, sobretudo, deixam de ter um professor para passar a ter diversas disciplinas com diversos professores. Se o exame do 4o quase não serve para reter ou chumbar alunos, deveria servir para avaliar os seus professores. Mas é disto que alguns fogem (com Nogueira à frente) a sete pés.”
Sem se referir directamente a esta polémica, há ainda um outro texto interessante, pois chama a atenção para o que a escola não é mas devia ser: trata-se de O ministro da (má) Educação na Baixa da Banheira, uma reflexão de Gonçalo Portocarrera de Almada sobre aquilo que viu numa fotografia de jornal tirada durante uma visita do ministro a uma escola do ensino básico. E o que viu foi reparar que os quatro alunos que nela apareciam não só pareciam ignorar a visita do ministro, virando-lhe as costas, como três deles estavam de cabeça coberta em plena sala de aula. Viu nesses comportamentos “falta de respeito” e sinais de uma escola incapaz de transmitir valores de boa educação. Ora “Uma escola que não educa, porque desvaloriza as questões comportamentais, é uma escola que, na realidade, aposta no desfavorecimento dos mais carenciados, porque os não ajuda a superar as deficiências que trazem de casa e que impedem a sua plena integração social e laboral. Uma escola que transige em questões de males menores está a semear, a médio ou longo prazo, males maiores.”
Aqui ficamos por hoje, com este apanhado de uma controvérsia que por certo não ficará por aqui. Despeço-mo com os habituais desejos de bom descanso e boas leituras.
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