Como prometi ontem, hoje o Macroscópio não vai falar de campanha
eleitoral. Vai antes andar em torno de uma selecção de textos variada,
alguns dos quais podem, mais ou menos remotamente, ajudar a pensar
problemas que estão em jogo nas nossas eleições, mas onde se procura
combinar um registo mais sério com outro mais lúdico. Vamos então a
isso.
Começo pelo New York Times (jornal a que regressarei hoje mais uma vez) e por uma reportagem surpreendente:
A Dying Young Woman’s Hope in Cryonics and a Future.
Leram bem: não é ficção, há mesmo quem esteja a fazer-se congelar, ou a
congelar o seu cérebro, na esperança de um dia renascer. Isso acontece
quando se está muito doente, e é essa história que aqui se conta: “
Cancer
claimed Kim Suozzi at age 23, but she chose to have her brain preserved
with the dream that neuroscience might one day revive her mind.”
Tendo começado por um tema de ciência, vou continuar a falar de ciência
para retomar uma notícia da semana passada, a descoberta numa gruta da
África do Sul de uma nova espécie de ser humano, o
Homo naledi.
Eventual “elo perdido” da nossa árvore geneológica, é natural que a sua
descoberta esteja a entusiasmar os cientistas. Dois textos para ficar a
saber um pouco mais sobre o que isso significa para o nos diferencia do
resto dos primatas e não só:
- El triunfo del hombre mono, no El Pais, onde se discute o que de facto nos identifica como seres humanos, o que faz do Homo sapiens uma espécie realmente diferente. Pequeno extracto: “No
hay una sola cosa que nos convierta en humanos”, asegura desde Harvard
el paleoantropólogo Daniel Lieberman, director del Departamento de
Biología Evolutiva de esta universidad estadounidense, una opinión que
refleja la teoría aceptada por la mayoría de los expertos: no existe una
varita mágica que nos transformó en lo que somos; más bien se trató de
una serie de golpes de suerte evolutivos. “Muchos factores que fueron
cambiando a lo largo de la evolución humana nos ayudaron a convertirnos
en humanos: ser bípedos, tener un cerebro más grande, construir y
utilizar herramientas, el lenguaje, la cultura, elevados niveles de
cooperación, la capacidad para desplazarnos a lo largo de grandes
distancias”, prosigue. É, sem dúvida, uma discussão fascinante.
- Who Apes Whom?, um texto do New York Times (de novo), agora da autoria de um primatologista, Frans de Waal. A discussão é a mesma: “Apart
from our language capacity, no uniqueness claim has survived unmodified
for more than a decade since it was made. You name it — tool use, tool
making, culture, food sharing, theory of mind, planning, empathy,
inferential reasoning — it has all been observed in wild primates or,
better yet, many of these capacities have been demonstrated in carefully
controlled experiments.”
Passo agora à economia, e começo por um texto da New Yorker que aborda
um tema cada vez mais actual: que sentido faz uma medida como o PIB, a
tal medida de acordo com a qual avaliamos o sucesso ou o insucesso
económico? Em
The End of G.D.P.? parte-se de um livro recente – “
The Little Big Number: How GDP Came to Rule The World and What To Do About It”
(Princeton University Press) – para recapitular a história do conceito
e, depois de explanar algumas das suas falhas, tudo acabar na rendição a
uma evidência: “
There are, in other words, plenty of
counter-proposals, and yet here we remain, still awaiting monthly
estimates from the Bureau of Economic Analysis—sometimes revised up,
other times revised down (and always affecting the markets in real
terms)—as if they were announcements of an overdue lottery prize.”
Continuando neste terreno – textos que talvez ajudem a pensar os nossos
próprios problemas – a minha próxima sugestão vai para um trabalho do
Financial Times,
The NHS: On life support.
O NHS, como muitos saberão, é o SNS britânico, o serviço público de
saúde crido no pós-guerra e que inspirou o nosso próprio modelo.
Acontece, governem conservadores ou governem trabalhistas, que as
necessidades de financiamento do NHS não têm parado de subir e que isso
está a colocar problemas dramáticos a muitos hospitais e unidades de
saúde, que deixaram de ter o dinheiro que desejariam para continuarem a
prestar um serviço que, parecendo o mesmo, é cada vez mais sofisticado,
mais caro e mais prolongado, pois também trata com doentes mais velhos e
com doenças mais complexas. A pergunta do FT é directa:
As British hospitals face a cash crisis, how long can the funding model survive as other services are cut?
Para acabar esta passagem por temas com alguma ligação a discussões
portuguesas, referência ainda para o editorial (e tema de capa) da The
Economist que saiu hoje:
Backwards, comrades!
A revista defende que não se deve subvalorizar a ascensão de Jeremy
Corbyn à liderança dos trabalhistas britânicos, que considera má para a
esquerda do Reino Unido e para o próprio Reino Unido. Extracto: “
The
argument today has moved on—to the growing inequality that is a
side-effect of new technology and globalisation; to the nature of
employment, pensions and benefits in an Uberising labour market of
self-employed workers (see article);
and to the need for efficient government and welfare systems. Fresh
thinking on all this would be welcome—indeed it should be natural
territory for the progressive left. But Mr Corbyn is stuck in the past.
His “new politics” has nothing to offer but the exhausted, hollow
formulas which his predecessors abandoned for the very good reason that
they failed.”
Mas deixemos estes temas para ir até Cuba com a revista The Atlantic,
que escreve um artigo muito oportuno nas vésperas da visita à ilha de
Fidel do Papa Francisco:
How the Catholic Church Survived in Cuba.
Como eu próprio estive em Cuba poucos meses depois da visita de João
Paulo II, numa fase em que a Igreja Católica se podia, apesar de tudo,
exprimir com mais liberdade, este artigo não podia deixar de me chamar a
atenção. Eis uma pequena passagem, que retrata o que se passara nos
anos anteriores a essa minha viagem (1999):
A seismic shift came with the collapse of the Soviet Union, which
accounted for 80 percent of Cuba’s trade. In the 1990s, food scarcity
was rampant. “The Cuban government likely calculated that it could
safely deregulate religion without great political costs,” wrote Harvard
legal scholar Jill Goldenziel, and “as a pragmatic means toward
economic growth.” A 1992 amendment to the constitution called Cuba a
“secular” nation, replacing “atheist.” Assim
, “From 1993 to
1997, Caritas and another charity, Catholic Relief Services, sank more
than $10 million into parish distribution centers for medicine, diapers,
sanitary items, and food. By 1998, the Cuban Catholic Church oversaw 20
childcare centers, 21 retirement homes, and five hospitals”.
Passo agora à história, e venho para isso até ao Observador, começando
por destacar mais um texto de João Carlos Fernandes, desta vez sobre um
livro recentemente editado em Portugal:
KL: A História dos Campos de Concentração Nazis, de Nikolaus Wachsmann. Nunca saberemos tudo sobre o que foi o Holocausto, pelo que recomendo vivamente
Daqui só se sai pela chaminé: Os campos de concentração nazis.
Até porque o livro de que parte é notável não apenas pela frieza dos
seus números e estatísticas, mas também por dar sempre um conteúdo muito
humano à inumanidade mais absoluta. Fá-lo contando histórias como esta:
“
o jovem judeu, que face ao pânico que tomou conta do seu grupo à
entrada da câmara de gás quando correu o rumor do destino que os
esperava, subiu a um banco e tentou tranquilizar todos, garantindo que
não iriam morrer, “porque um massacre indiscriminado de inocentes, de
modo tão bárbaro, não podia acontecer em lado nenhum do mundo”. Mas estava a acontecer.
Também no Observador, e sobre temas da nossa história, referência ao
segundo texto de Pedro Dórdio sobre o quotidiano do Verão Quente de há
40 anos, quando a Revolução estava na rua,
O dia-a-dia de Lisboa no caldeirão do PREC.
E para o Conversas à Quinta desta semana, que recupera uma efeméride de
Agosto, a passagem dos 600 anos sobre a conquista de Ceuta, o momento
em que a expansão portuguesa se iniciou. Em
Tudo começou em Ceuta, há 600 anos. Verdade?,
Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto conversam, com a sua habitual
erudição e conhecimento, sobre um momento de viragem na nossa história, o
momento em que rompemos os limites deste extremo ocidental da Europa e
fomos até aonde a arte e o engenhos nos permitiram. Um momento cujo
sexto centenário, no entanto, passou quase despercebido em Portugal. (O
podcast pode ser descarregado
aqui.)
Finalmente, e porque é fim-de-semana, um artigo mais virado para quem gosta de actividades ao ar livre:
Why walking is man's best medicine. O pretexto do artigo do Telegraph é a estreia do filme sobre o livro de Bill Bryson
A Walk in the Woods, que
relata a sua experiência lendária ao longo do Apalaches, nos Estados
Unidos. O autor é também ele um praticante de longas caminhadas, já fez
várias no Reino Unido, nos Pirinéus, nos Estados Unidos ou na Córsega, e
o seu veredicto poderoso:
To walk for long periods is to escape the quotidian, to leave jobs,
people and life’s minutiae for routines of a different, more nourishing
kind. The effects of solitude, like those of landscape, accrue over
time. You become attuned to the nuance of weather. Simple pleasures and
modest imperatives become the most important things in life – chocolate,
dry clothes, blister-free feet.
Mais: “
the longer you walk, the less you think – and that, again, is part of the appeal.”
Talvez para chegar a este estado de desprendimento um fim-de-semana seja
pouco, mas não há como começar, até porque não faltam agora bons
traçados, bem sinalizados, em belíssimos locais do nosso país. O tempo
também vai estar excelente, pelo que…
Enfim, desejo-vos um bom descanso, seja com estas ou outras leituras,
seja seguindo esta última sugestão. Reencontramo-nos segunda-feira.