Macroscópio – Mais um fim-de-semana, mais um leque variado de leituras
Macroscópio – Mais um fim-de-semana, mais um leque variado de leituras
Na entrada de mais um fim-de-semana que se anuncia quente (mas porventura ventoso), o Macroscópio regressa a alguns temas da semana e deixa-vos uma mão cheia de boas sugestões de leitura. Comecemos por temas que atravessaram a semana.
Na verdade, começamos mesmo pelo tema do dia: a privatização da TAP. Para fazer apenas duas sugestões, ambas de especiais do Observador que ajudam a pensar no que pode estar em causa em todo este processo. O primeiro foi publicado hoje, é da Ana Suspiro, e procura responder à dúvida que muitos terão: O que aconteceu às companhias de bandeira que foram privatizadas?Como se escreve logo no arranque, “O Observador foi olhar para os processos de venda de empresas nos últimos dez anos num setor que tem sido especialmente afetado por crises e por uma agressiva concorrência das companhias low-cost. Nos seis casos analisados pelo Observador em processos realizados nos últimos dez anos, há mais reestruturações e desp edimento do que as histórias de sucesso sem dor. No entanto, quando o foco se alarga às companhias cujo controlo ainda está nas mãos do Estado, nem sempre o resultado é diferente.” O outro já foi referido no Macroscópio, foi investigado pelo Edgar Caetano e trata de responder a outro dos remas em discussão: Bolsa é alternativa à privatização da TAP? A resposta dos analistas consultados foi seca e curta: “Podem esquecer”.
Outro tema recorrente neste espaço é a Grécia. Vou acrescentar hoje mais duas sugestões. São duas análises, e nenhuma delas simpática para a estratégia seguida pelo governo de Alexis Tsipras. Anatole Kaletsky, economista-chefe do I nstitute for New Economic Thinking, procura explicar no Project Syndicate Why Syriza Will Blink. Eis uma parte do seu argumento: “Tsipras and Varoufakis assume that a default would force Europe to choose between just two alternatives: expel Greece from the eurozone or offer it unconditional debt relief. But the European authorities have a third option in the event of a Greek default. Instead of forcing a “Grexit,” the EU could trap Greece inside the eurozone and starve it of money, then simply sit back and watch the Tsipras government’s domestic political support collapse.”
Já o jornal económico alemão Handelsblatt publica uma longa análise escrita por três dos mais importantes jornalistas daquele influente diário, incluindo o seu diretor, e que tem um título que diz quase tudo (link para assinantes): Pulling the Plug on Greece. Depois entregam-se a desenvolver a sua ideia central: “Greece needs money from the European Central Bank to stay afloat, but how much longer can the game go on? If it were up to the head of Germany's Bundesbank, it would already be over.”
Passemos agora a sugestões mais soltas, começando pelo tema da capa da The Economist desta semana: The great distortion - Subsidies that make borrowing irresistible need to be phased out. É uma análise muito interessante sobre a forma como as dívidas – dos Estados, das empresas e das fam& iacute;lias – têm crescido um pouco por todo o mundo e como isso representa um problema cada vez maior. É um texto que deve ser lido olhando também para uma interessante infografia - The tracks of arrears – e de que deixo apenas um pequeno aperitivo:
Economies biased towards debt are more prone to crises, because debt imposes a rigid obligation to repay on vulnerable borrowers, whereas equity is expressly designed to spread losses onto investors. Firms without significant equity buffers are more likely to go broke, banks more likely to topple (see Free Exchange). The dotcom crash in 2000-02 caused losses to shareholdersworth $4 trillion and a mild recession. Leveraged glob al banks notched up losses of $2 trillion in 2007-10 and the world economy imploded. Financial regulators have already gone some way to redressing the balance from debt by forcing the banks to fund themselves with more equity. But the bias remains—in large part because of the subsidy for debt.
O escritor Luis Goytisolo escreveu no El Pais uma reflexão muito, mas mesmo muito interessante, sobre a real dimensão das mudanças a que estamos a assistir desde a revolução da Internet e, sobretudo, desde a emergência das redes sociais: Lo reciente queda antiguo. Só a forma como enuncia a sua tese quase nos obriga a ler o texto: “En los hábitos cotidianos, Internet y las redes sociales suponen un cambio de mayor transcendencia del que en su d& iacute;a representó la máquina de vapor. Equivale al tránsito de la Edad Media y la Edad Moderna en poco más de dos décadas”. Pequeno extrato:
La importancia de los hábitos sociales, de un cambio en esos hábitos es, a este respecto, decisiva: cuando se produce, la vida de los ciudadanos es otra. Y es que, a diferencia de otros inventos, la Red establece una relación íntima con el usuario puesto que, a la vez que este entra en ella, sea para resolver un problema o una duda, sea por puro placer adictivo, en justa reciprocidad, la Red entra en el usuario tocando o afectando sus puntos más sensibles, trazándole o configurándole un carácter, un perfil —como suele decirse—, al tiempo que ofreciendo a los otros, al mundo entero, la posibilidad de que le conozcan tal cual es o como quisiera ser. Algo que no le sucede, como d ecíamos, a quien se compra un nuevo coche, por ilusión que le haga conducir un ejemplar de tal o cual marca; ni emprender un vuelo intercontinental, por no hablar ya del tren o el metro. Para el usuario —y aunque no sea consciente de ello— más estimulante que utilizar la Red es la posibilidad de ser él quien se vuelque en ella.
Esta semana muitos ficaram de boca à banda com os preços atingidos por algumas obras de arte num mega-leilão que decorreu em Manhattan, nomeadamente pelo preço recorde pago por uma pintura de Picasso: 161 milhões de dólares. Ora John Gapper explicou-nos no Financial Times que, afinal, Picasso is not just a valuable abstract. É que, se por um lado “The financial worth of any work of art remains as mysterious and unknowable as Mona Lisa’s smile”, a verdade é que “The Mei Moses World All Art index, which tracks the prices of works sold at auction, rose 7 per cent between 2003 and 2013 — slightly less than the Standard & Poor’s 500 index (contemporary art achieved a higher return at 10.5 per cent). Art has performed better than bonds on some measures over some decades, but there are reasons for scepticism.”
Para acabar as sugestões de hoje volto a um outro tema recorrente, o dos desafios que o Islão nos coloca. Primeiro, para vos sugerir a leitura de uma análise do Wall Street Journal, Sunni-Shiite Conflict Reflects Modern Power Struggle, Not Theological Schism. É um ponto de vista que, de alguma forma, se distancia das análises dominantes e que é assim sustentado: ““The differences between groups in Islam have always existed, but it is only when you mix them with politics that it becomes really dangerous—dangerous like an atomic bomb,” said Ihsan Bu-Huleiga, a Saudi economist who as a member of the kingdom’s appointed legislature in 1996-2009 was one of the few members of its Shiite minority to hold a prominent political position.”
Igualmente heterodoxa foi a conversa que, igualmente sobre o Islão, mantive esta semana, no Conversas à Quinta, com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, O Islão, o Ocidente e as origens do Estado Islâmico. O ponto de partida foi a edição, no intervalo de poucas semanas, de quatro livros escritos por portugueses sobre a actual situação, assim como sobre os jihadistas portugueses. Dois foram escritos por jornalistas e já foram aqui referidos no Observador: “Os Combatentes Portugueses no Estado Islâmico”, de Nuno Tiago Pinto, e “Os jihadistas portugueses – a História de quem luta no Estado Islâmico”, de Hugo Franco e Raquel Moleiro. Um terceiro foi escrito por Nuno Rogeiro, “O Mistério das Bandeiras Negras”. E, finalmente, aquele que o próp rio Jaime Nogueira Pinto acaba de editar, “O Islão e o Ocidente – A Grande Discórdia”. Para abrir o apetite digo-lhe apenas que o autor começou por justificar o ter colocado como pós-titulo da sua obra “a grande discórdia” por isso ser uma referência ao cisma original do Islão, o que desde pouco depois da morte do profeta opõe sunitas a xiitas, e depois justificou porque razão os problemas entre o Islão e o Ocidente têm muito muito mais a ver com política, história e geopolítica do que com a prática de religiões diferentes. Pode também ouvir conversa também empodcast ou via soundcloud do Observador.
E por esta semana é tudo. Bom descanso, bom sol, boas leituras.
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ANTÓNIO FONSECA