Macroscópio – O que é que vamos distribuir se não houve crescimento nem riqueza?
Macroscópio – O que é que vamos distribuir se não houve crescimento nem riqueza?
Isto ainda vai acabar mal. “Isto” é a Grécia, pois todos os dias se sucedem notícias de que é pouco ou nenhum o avanço nas negociações. Ontem, como já aqui referimos, soubemos que o FMI não acredita que haverá acordo com a Grécia e que a União Europeia considerou "improvável" que qualquer acordo possa ter lugar ainda este mês. Hoje o cenário adensou-se, com a notícia de que Berlim prepara "default" de Atenas sem saída do euro, um cenário impensável há poucas semanas, isto enquanto o seu ministro das Finanças olhava para a degradação das contas gregas - Greece downgraded further into 'junk' as black hole in public finances widens – e não hesitava em afirmar que o governo grego "destruiu" economia do país.
Mesmo assim não vou ocupar muito deste Macroscópio com a Grécia, vou apenas chamar a atenção para uma reportagem de Tony Barber, do Financial Times, em Atenas - Sun is shining, restaurants are full and Athens is far from panic – porque tem uma passagem que me pareceu muito reveladora:
I found myself on Tuesday evening outside an Athens souvenir shop selling a T-shirt with this slogan:
To be is to do – Plato
To do is to be – Aristotle
Do be do be do – Sinatra
Shop owners at Pompeii must have sold items like this in the summer of AD79, just before the eruption of Vesuvius.
Fecho o tema grego com uma outra sugestão: a de uma interessante reportagem da Spiegel sobre as duas “metades” do porto do Pireu, a que é gerida por uma companhia chinesa, e a que continua a ser gerida pelo Estado grego. Chama-se One Port, Two Worlds: China Seeks Dominance in Athens Harbor e é bastante instrutiva. Pequena passagem:
In the span of four years, Cosco has quadrupled container traffic, to just under 3 million units a year. If all goes well, annual capacity will be expanded to 6.2 million containers in 2016. (…) The former state-owned terminal -- where harbor unions formerly ruled and ancient diesel-powered pallet trucks once drove around -- has been turned into a highly profitable business. Piraeus has become the story of two worlds -- that of the turbo capitalism of the successors to Mao Zedong on the one side, and a market economy that can move as slowly as a Socialist one on the other. Some people see the port as a symbol of the country's future. It's an image that is a horrific one for many, including a large portion of Syriza voters.
À margem da discussão grega, há uma outra discussão que interessa seguir: a que atravessa os partidos socialistas e sociais-democratas europeus, que tantas dificuldades têm tido para se manterem no poder, ou voltarem ao poder. No Real Clear World, Kaj Leers explica bem os seus dilemas em Europe's Leftist Dinosaurs Are in Trouble: “Leftist think tanks, economists and political scientists have for years sought the Holy Grail of new progressive politics. Should the focus be on what is called pre-distribution (higher wages, a living wage, lowering the burden of health care costs) or classic redistribution through progressive tax systems? Or perhaps a mix of both? In countries where taxes are already high, progressive-tax redistribution is increasingly unpopular, including among leftist middle-class voters who realize that they too are in the higher income brackets. Pre-distribution policies, meanwhile, are unpopular in business circles, as higher wages will reduce competitiveness.”
Passo agora a outro tema que os leitores do Macroscópio saberão que me preocupa: a de como voltar a fazer crescer a economia num mundo desenvolvido onde isso é cada vez mais difícil ou mesmo impossível. Desta vez o meu ponto de partido é o aviso - em forma de provocação - que deixei hoje, nas páginas do Observador: Os políticos deviam ser proibidos de fazer promessas. Isto porque o meu prognóstico continua a ser relativamente sombrio: “Vamos ter de nos habituar a viver com pouco crescimento económico, o que significa que não há espaço para fazer promessas ou alimentar expectativas. Com ou sem austeridade, o tempo não volta para trás”.
Nesse texto faço referência à discussão que medra entre os macroeconomistas sobre se estamos no início de um longo período de estagnação económica ou apenas perante uma crise derivada do excesso de poupança e timidez no investimento. Algumas referências:
- Larry Summers, que foi secretário do Tesouro dos Estados Unidos, começou por cunhar a ideia de “estagnação secular”. Num texto mais técnico, resultado de uma conferência realizada em Fevereiro de 2014, podemos vê-lo aqui a expor o seu ponto de vista: U.S. Economic Prospects: Secular Stagnation, Hysteresis, and the Zero Lower Bound. Faço notar que o texto se refere à realidade americana, e do lá de lá do Atlântico o crescimento tem sido bem maior do que na nossa velha Europa;
- Ben Bernanke, que foi presidente da Reserva Federal até há um ano, tem sido um dos que se opõem aos argumentos de Summers, nomeadamente nestes textos publicados no site da Brookings: Why are interest rates so low, part 2: Secular stagnation e Why are interest rates so low, part 3: The Global Savings Glut. São dois textos que continuam a ser muito técnicos.
- Para uma introdução mais jornalística a este debate, sugiro dois textos do Financial Times: Free Lunch: The great and the good on secular stagnation, de Martin Sandbu, que faz uma boa síntese do debate e tem a vantagem de remeter para muitos outros textos que têm vindo a ser publicados um pouco por todos o lado; e Macroeconomists need new tools to challenge consensus, do conhecido Wolfgang Münchau, onde se tem a franqueza de admitir que as ferramentas do ofício daqueles que prevêem o futuro das economias e recomendam as melhores políticas estão algo enferrujadas.
- Para uma perspectiva assumidamente keynesiana, recomendo o texto de Robert Skidelsky no Project Syndicate, Messed-Up Macro. (pequena nota à margem: Skidelsky será um dos oradores convidados para as Conferências do Estoril que se realizarão no próximo mês de Maio). Mesmo assim assume os limites da sua abordagem: “As a Keynesian, I firmly believe that market economies need to be stabilized by policy. But Keynesians have to face the uncomfortable truth that the success of stabilization policies may depend on the business community having Keynesian expectations. They need the confidence fairy to be on their side.”
- Tudo isto com um pano de fundo de algum pessimismo: IMF warns of long period of lower growth escrevia-se no mesmo FT há uma semana, enquanto hoje, no Observador, se destacavam, citando o mais recente relatório do mesmo FMI, dois dos problemas que podem complicar a saída da crise do nosso país: Inflação baixa aumenta fardo da dívida pública portuguesa (esta parte do relatório do FMI é da responsabilidade do departamento actualmente dirigido por Vítor Gaspar) e Portugal no top das maiores dívidas privad as, tanto dos particulares como das empresas. São fardos que, no Estado e nas nossas casas, não nos livraremos facilmente.
Para terminar este Macroscópio muito centrado na economia, mais duas reflexões desta área, estas da imprensa portuguesa:
- No Diário de Notícias, João César das Neves escreve um texto de homenagem a Siulva Lopes que merece ser citado: “Ouvi-o várias vezes expressar essa dificuldade numa frase singela mas sentida: “Tenho o coração à esquerda e a cabeça à direita.” Via-se que isso era algo que o perturbava e, por vezes, até angustiava. O drama não era pessoal e idiossincrático, pois a raiz é profunda e generalizada. Na v erdade, este problema, que a teoria formulou como “conflito eficiência-equidade”, constitui um dos elementos mais fundamentais da vida em sociedade. As leis económicas da concorrência, produtividade e eficácia chocam muitas vezes com a benevolência, generosidade e redistribuição pelos grupos na comunidade; frequentemente, é preciso sacrificar abundância à justiça ou igualdade à produção. Qualquer dirigente que se defronte seriamente com problemas sociais sente-lhe o embate a cada passo.”
- No Diário Económico, Bruno Faria Lopes escreve, em A moldura para o próximo Governo, sobre um dilema que a nossa democracia nos vai colocar: “a maioria política que apresenta em brev e em Bruxelas um Programa de Estabilidade (PE) a quatro anos e um Programa Nacional de Reformas pode não ser a mesma que irá ter que cumpri-lo na legislatura seguinte.” Mais: isto acontece precisamente porque “Para quem fez as regras europeias o propósito é precisamente este - forçar alguma estabilidade na política económica (dentro da filosofia favorecida hoje na Europa) e evitar flutuações grandes com a mudança de ciclo político.”O autor defende, mesmo assim, que continua a haver muito espaço para o debate político. Não haverá é para promessas irrealistas.
E por hoje é tudo. Bom descanso, boas leituras e (mesmo podendo ir um pouco tarde), bom futebol.
Até amanhã.
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