Macroscópio – O frenesim das presidenciais, e notas sobre quem quebrou um silêncio insuportável
Macroscópio – O frenesim das presidenciais, e notas sobre quem quebrou um silêncio insuportável
Abril está a ser o mês dos candidatos presidenciais. Já esta semana dediquei um Macroscópio aos primeiros candidatos e proto-candidatos, mas vejo-me obrigado a regressar ao tema, pois as notícias sucedem-se. Por um lado, há mais um candidato assumido: Paulo Morais. Por outro lado, não cessam as ondas de choque provocadas por uma candidatura que ainda não o é, a de António Sampaio da Nóvoa, com este a ser obrigado a vir a público, num debate onde estava presente um dos seus críticos, Francisco Assis, que “Não sou independente de nada. (…) Não me considero menos político por não estar dentro de um partido”.Finalmente hoje, já ao final da tarde, ficámos a saber pela voz do próprio – que finalmente desfez o tabu – que António Guterres “não é candidato a ser candidato”. Curiosamente fê-lo em inglês, numa entrevista à Euronews que o Expresso reproduziu em exclusivo.
Comecemos por Paulo Morais – e pelo que sabemos do seu pensamento político. Dois órgãos de informação, o Observador e a Renascença, foram ler os muitos textos que tem publicado na imprensa. Vejamos o que escreveram.
No Observador, Helena Pereira, em Paulo Morais e a corrupção: Quem ele já acusou e de quê, onde se notava que nenhuma das denúncias que começou por fazer quando entrou na vida política, como vice-presidente de Rui Rio na Câmara Municipal do Porto, cargo que abandonou pouco tempo depois, “deu origem à abertura de um processo pelo Ministério Público.” Isto apesar de ter dito coisas muito claras, nomeadamente que “O povo português foi roubado em 4 milhões só naquele negócio” (o da compra de um terreno do Salgueiros pela empresa do Metro do Porto).
Já na Renascença, no trabalho de João Carlos Malta Paulo Morais sobre Passos, Sócrates e a corrupção, sempre a corrupção, faz-se sobretudo uma recolha de citações sobre vários temas – política e políticos, Passos Coelho, Durão e Portas, Sócrates, campanhas eleitorais… – para notar, por exemplo:
Da direita à esquerda, Morais não deixa de "malhar" em quem entra no seu radar da corrupção, não teme nomear quem critica. Muitas vezes e, como confidenciou ao "Jornal de Notícias" em 2008, isso fá-lo sentir um "D. Quixote". A versão quixotesca vale-lhe também algumas críticas, como o episódio em que se disponibilizou a enviar à comissão de inquérito a lista dos beneficiários de empréstimos do BES Angola, que alegava ter em seu poder. Mas tudo o que fez chegar aos deputados foi uma lista, com 15 nomes, feita por ele próprio, num papel timbrado com o símbolo da Associação Transparência e Integridade, sem qualquer documento oficial de suporte.
Uma primeira reacção à candidatura de Paulo Morais foi a de Ricardo Costa no Expresso Diário de ontem (reservado a assinantes): Paulo Morais, bem vindos à segunda-volta. Nesse texto defende a ideia de que a multiplicação de candidatos a que estamos a assistir torna muito provável uma experiência que, em eleições presidenciais, só tivemos uma vez, em 1986: nenhum dos candidatos reunir logo à primeira mais de 50% dos votos. Eis o que escreve: “Só o tempo dirá se tenho ou não razão nas minhas contas. Mas o histórico das mais recentes presidenciais (Alegre 2006, Nobre 2011), das autárquicas e das europeias mostram claramente que, a par de uma brutal abstenção, há cada vez mais gente disposta a votar contra o atual sistema partidário e/ou em candidatos verdadeiramente independentes. Não são votos suficientes para uma vitória, longe disso. Mas chegam e sobram para ocupar um espaço que impede os blocos naturais de resolver uma eleição desta natureza numa primeira volta.”
Mas se sobre Paulo Morais pouco mais se escreveu, sobre Sampaio da Nóvoa continuam a suceder-se as tomadas de posição. Uma das mais significativas foi a de Francisco Assis, no Público de ontem, num texto onde defendia Jaime Gama, o nome mais adequado para a Presidência (um Jaime Gama que, definitivamente, não será candidato). Escrevia ele sobre Nóvoa: “Na sua retórica vislumbra-se uma tendência para a proclamação abstracta de valores algo etéreos e descortina-se ainda uma vontade de intervenção não inteiramente adequada à natureza da função presidencial. Causaram-me especial preocupação algumas considerações formuladas acerca do projecto europeu, se bem que as mesmas não permitam ainda, pela sua relativa incipiência, a retirada de conclusões definitivas.”
No Correio da Manhã, João Pereira Coutinho, também voltou ao tema de Nóvoa, em Não há salvação: “Espanha tem o seu Podemos. A Grécia tem o seu Syriza. Nós não temos nada, excepto o velho centrão de sempre que se mantém firme e hirto. Tirando os delírios de Soares e Alegre, duas almas que deviam saber alguma coisa de presidenciais por experiência recente e humilhante, as eleições ganham-se ao centro, não nos extremos. Se António Costa não perceber isto, nem a imprensa hagiográfica que o leva ao colo o salvará.”
Mas talvez a frase mais dura seja a de Vasco Pulido Valente, no Público de hoje, em O homem que não existe: “O sr. Sampaio da Nóvoa, à sua maneira, anuncia o fim da ordem democrática que nasceu em 25 de Novembro de 1975. Nunca antes uma personagem do regime (e muito menos uma dúzia de “senadores”) nos tinha sugerido que votássemos numa criatura que não existe. O sr. Sampaio da Nóvoa, aos 60 anos, não pode apresentar um único acto político de consequência. Teoricamente, é igual votar nele ou votar num boneco fabricado pelos partidos, excepto que o boneco talvez fosse mais modesto e mais consciente do seu embaraçoso estatuto. Só um país sem espécie de vergonha levaria esta fantochada a sério.”
Deixemos agora as presidenciais e passemos a um outro tema que nos deveria ter merecido mais atenção: o massacre de 148 jovens cristãos na Universidade de Garissa, no Quénia. É um tema que Raquel Abecasis e Rui Tato Lima tratam hoje, respectivamente na Renascença e no Observador, tomando como ponto de partido a mensagem de Páscoa de David Cameron (que pode ser vista aqui, com legendas em português).
Raquel Abecasis, da RR, em Europa velha e caduca, notou que, “Aparentemente, de todos os líderes do mundo ocidental, só o primeiro-ministro britânico tem a lucidez de perceber que isto [o massacre] é de tal forma grave que justifica uma mensagem ao seu país, explicando que ao atacar estes cristãos é a todos nós que estas forças estão a atacar. Os outros líderes europeus continuam a preferir viver na ilusão de que a afirmação do laicismo dos nossos estados nos protege desta ameaça. Pura ingenuidade.”
Já Rui Tato Lima, um jovem licenciado em ciência política a viver em Genebra, em Um discurso de Páscoa realmente diferente, faz um apelo: “Seria fundamental que a atitude de Cameron fizesse escola junto dos restantes líderes Ocidentais, que Europa e EUA se unissem para por termo à barbárie. Muitos dirão que as palavras de Cameron não passam disso mesmo, palavras. Contudo, creio haver motivos para esperança. É possível discursos não levarem a qualquer acção, mas em política é difícil conceber acções sem um prévio enquadramento que as justifique. Cameron já deu esse passo.”
Partindo de um posicionamento político muito diferente, e sem qualquer referência a Cameron, Daniel Oliveira também escreveu no Expresso sobre a forma como olhámos (ou não olhámos) para este massacre na Europa. Em Somos Charlie, não somos um cristão em Garissa (link só para assinantes), julgo que põe o dedo na ferida: “As datas que o mundo tem de decorar são as nossas: 11 de março, 11 de setembro, 7 de janeiro. Em que dia 148 jovens cristãos foram escolhidos e executados numa residência universitária Garissa? Imaginem se fosse em Roma, em Paris, em Madrid, em Londres. Os canais de todo o mundo, em diretos permanentes, a contar cada detalhe. Imaginem como esperaríamos que o mundo todo, de Manila a Nova Iorque, do Cairo a Maputo, fizesse coro connosco e dissesse: nunca mais! Mas foi em Garissa.”
Deixei para o fim uma nota pessoal e uma chamada de atenção importante. A nota pessoal é sobre a morte do jornalista Tolentino da Nóbrega e o texto que sobre ele escreve hoje no Público Francisco Teixeira da Mota: Tolentino de Nóbrega: um jornalista de corpo inteiro. É um texto que diz tudo o que de importante há a dizer sobre aquele profissional com quem trabalhei, no Público, quase duas décadas. É também um texto que me recorda as vezes que eu, ele e Teixeira da Mota estivemos juntos no Tribunal do Funchal por eu ter chamado, num editorial, “tiranete” a Alberto João Jardim. Mas eu estava longe, ele estava sempre lá. E a verdade é que “Ser correspondente de um jornal do continente, mas, sobretudo, do Público na Madeira de Alberto João Jardim não era fácil. O Tolentino foi discriminado, perseguido e ameaçado. De formas sérias e graves, mas também de formas saloias e mesquinhas como, muitas vezes, era característico do cacique regional e seguidores.”
A chamada de atenção importante, e que é um encerramento com chave de ouro deste Macroscópio “de fim-de-semana”, é a referência ao indispensável trabalho que Maria João Avilez fez para o Observador sobre a forma como as nossas elites estão a olhar para o próximo ciclo eleitoral. A sua publicação iniciou-se há quase uma semana e integrou um conjunto de cinco textos: uma introdução pela autora, Legislativas e presidenciais: Como vão decidir as elites, onde nota que estas “Querem”estabilidade política”, condição sine qua non de quase tudo e querem “compromissos”; evocam a “consolidação orçamental” (cujo “preço” é porém aqui objeto de olhares opostos); têm uma aguda consciência da "importância da Europa” e do lugar que ela ocupa no nosso futuro coletivo”; e quatro textos onde se reuniram os depoimentos de personalidades tão distintas como Rui Vilar, Daniel Bessa, Daniel Proença de Carvalho, académicos e intelectuais como Francisco Veloso, Ricardo Reis, João Cardoso Rosas ou jovens com pouco mais de vinte anos como o premiado escritor Afonso Reis Cabral ou o empreendedor social Diogo da Silva, banqueiros como José Maria Ricciardi, empresários como Luís Portela ou Pedro Ferraz da Costa, diplomatas como Vasco Valente, embaixador jubilado, protagonistas culturais como António Lamas - presidente do CCB -, Guta Moura Guedes – presidente da Experimenta Design -, ou António Felipe Pimentel – diretor do Museu Nacional Arte Antiga ou mesmo gestoras como Vera Nobre da Costa ou Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva do Grupo Luz Saúde. Aqui ficam as ligações para esses quatro textos: “Precisamos de uma maioria sólida e credível. E de relançar o investimento produtivo”; “O Estado Social jamais poderá ser preservado sem novos mecanismos de seletividade”;“Precisamos de heróis. O sucesso depende mais de outros do que de nós próprios” e “O discurso de ‘sol na eira e a chuva no nabal’ é inaceitável”. Aqui fica também a minha forte sugestão: arranje tempo durante o fim-de-semana para (se ainda não o fez) ler estes textos, que são importantes, inteligentes e incluem muitas pistas que estimulam a nossa reflexão.
E por hoje é tudo. Despeço-me até segunda-feira, desejando-vos bom descanso, boas leituras e um fim-de-semana o mais agradável possível.
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ANTÓNIO FONSECA