Na noite de domingo os resultados eleitorais das eleições na Madeira foram saindo a conta-gotas e com a atenção de boa parte do país focada no Portugal-Sérvia. O que até ajudou, pois só depois de apurada a votação da última freguesia se soube que o PSD conseguira o feito, verdadeiramente extraordinário, de
renovar a sua maioria absoluta (mas uma maioria tão tangencial que a recontagem dos votos nulos
ainda a pode por em causa). Quanto a Alberto João Jardim, continuou igual a ele próprio: depois de anunciar que ia para Porto Santo seguir a noite eleitoral e o jogo da selecção em dois televisores ao mesmo tempo, acabou a despedir-se com um
"A partir de agora não tenho nada a ver com isto".
A hora tardia do apuramento dos resultados – e a pouca atenção com que, apesar de tudo, a eleição foi seguida no Continente – não proporcionaram muitos textos de análise ou comentário. Mesmo assim há alguns que merecem referência.
Começo pelo Observador e pela análise, em vídeo, do nosso director, David Dinis:
Madeira: a vitória de um só homem. No essencial ele defende que “
ninguém diria há um ano que a melhor oposição a Jardim estaria no próprio PSD/Madeira. A vitória é de um homem (pouco) só. Mas o PS não pode olhar para tudo como se a culpa toda estivesse no Funchal.” De facto é importante recordar que Miguel Albuquerque, antes de se candidatar à Presidência do Governo Regional, teve de vencer uma dura batalha pela liderança do PSD regional a que se candidataram cinco outros dirigentes locais. E que antes ainda já tivera a ousadia de desafiar directamente Alberto João Jardim dentro do próprio PSD/M.
Por isso é necessário recordar a forma como Jardim governou ao longo de 37 anos ininterruptos. Maria João Avilez fê-lo há poucos dias no Observador, no texto
Recordações de um político que acaba sozinho, onde notava (e recordava): “
Conheço-o há muito. Tinha um projecto para a Madeira, sou desse tempo. Acompanhei-o em diversas campanhas eleitorais, visitei-o no belo Palácio da Vigia, entrevistei-o várias vezes e para diferentes meios, encontrei-o por vezes em casas de amigos comuns, como há quase vinte anos, num memorável serão madeirense onde ele brilhou, convenceu e ofuscou. (…)Teve a Madeira a seus pés, desabrochou-a, deu-lhe viço e melhores condições de vida. Começou bem, continuou melhor, depois encalhou no erro e depois perdeu-se. (…) Numa concha de autismo. Há dez, quinze anos, teria saído em glória. Hoje sai sozinho. Mas Alberto João Jardim – e convencerei alguém do que estou a dizer? – é melhor do que o seu fim político.”
Luis Osório, no jornal i de hoje, em
Tudo acaba, Alberto João..., conta-nos uma história que ajuda a explicar a sua longevidade política – o tipo de história que muitas vezes passa ao lado das análises políticas:
De Alberto João, conto-lhe uma pequena história. Aconteceu-me no Curral das Freiras, lugar de pastagem no meio de uma serra. Conheci uma velha senhora que me contou da alegria quando viu o mar pela primeira vez já com 30 anos de idade. Julguei que estivesse a brincar, vivia numa ilha que não é assim tão grande, se andasse três quilómetros veria o mar em todas as latitudes e longitudes. Não estava. Viu a água quando Alberto João, pouco antes da década de 1980, inaugurou uma estrada que ligou Curral das Freiras a Câmara de Lobos. Fiquei a perceber um pouco melhor a Madeira.(Perdoem-me os leitores do Macroscópio uma nota pessoal, mas a primeira vez que estive no Curral das Freiras, em reportagem, ainda corria o longínquo ano de 1978 e conheci pessoas como esta que Osório descreve, gente que nessa época andava descalça pelos montes, em estreitas veredas, carregando à cabeça molhes de vimes ou sacos de batata. Mais: vi nessa labuta crianças que não teriam mais de dez anos, e nunca o esqueci ou esquecerei. Por isso entendo bem o sentido das palavras do director-adjunto do jornal i.)
A Madeira que Miguel Albuquerque herda é muito diferente e ele, que foi presidente da Câmara do Funchal largos anos, é também muito diferente de Alberto João. Talvez por isso seja tão extraordinário o seu resultado, pois não foi feito apenas contra a oposição, foi também conseguido contra a oposição velada do “eterno locatário do Palácio da Vigia”. Ao mesmo tempo, é também impressionante a má prestação das oposições, com destaque para o péssimo resultado da coligação liderada pelo PS. É desse mau resultado que se ocupa Graça Franco num texto no site da Renascença,
Na Madeira o PS implodiu. E no Continente?Antes de analisar quatro desafios que o PS deve enfrentar, a directora da RR parte da seguinte constatação: “
António Costa vai tentar continuar a fingir-se de morto e esperar que passe o efeito do desastre socialista madeirense. Mas faz mal. Há lições urgentes a tirar da catástrofe eleitoral regional de domingo caso queira evitar a sua repetição no Continente. Álvaro Beleza já retirou algumas conclusões óbvias, mas resta saber se Costa vai ouvir os conselhos e, sobretudo, se está sequer em condições de os querer acatar.”
O Editorial do Diário de Notícias,
Madeira sem Jardim, segue por caminhos não muito diferentes: “
A verdade é que, em 40 anos, os socialistas nunca conseguiram passar da mediocridade eleitoral. E nem sequer se pode dizer que a crise não chegou à Madeira, porque chegou. O PSD ganha estas eleições de forma clara apesar do governo de Passos Coelho e do resgate que a Madeira sofreu sob a tutela de Jardim. Nada disto o PS soube capitalizar. Pelo que, em síntese, seja lícito fazer a seguinte leitura nacional: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas - o CDS continua a ser a segunda força política na região - são os grandes vencedores da noite; António Costa, na primeira eleição que o PS disputa sob a sua liderança, é o maior derrotado.” Uma derradeira nota, menos política: Miguel Albuquerque é também um apaixonado coleccionador (e conhecedor) de rosas e tem numa quinta 17 mil roseiras de 1700 espécies diferentes, sendo que muitas são raríssimas. Se quiser passar os olhos por alguns dos exemplares que foi coleccionando e tratando ao longo dos anos, então
não perca esta fotogaleria do Observador.
Deixo agora o tema da Madeira para passar a uma controvérsia que andou aqui pelo Observador e pelo Dinheiro Vivo durante estes últimos dias: a oposição da ANTRAL, que representa os taxistas, à entrada no mercado português da Uber, a tecnológica americana que criou um sistema a que chama de “partilha de transporte” que está a enfurecer quem explora, não apenas em Portugal mas em todo o mundo, o negócio dos táxis. Eis alguns dos textos que merecem referência:
- Paulo Ferreira, no Observador, em Taxistas uber alles: “Tentar travar as Ubers que diariamente nascem em todos os sectores será luta inglória. É negar o desenvolvimento, a criatividade, a inovação e a democratização económica em nome do imobilismo egoísta.”
- Ricardo Reis, no Dinheiro Vivo, em Uber e os táxis: “Da próxima vez que ouvir falar dos problemas da regulação, ou do poder dos lobbys em Portugal, tente não pensar na EDP ou nas farmácias. Pense antes nos táxis ou nas centenas de associações profissionais que diariamente garantem segurança e preços altos aos seus membros. As regulações que os protegem muitas vezes existem por boas razões. Mas quando vemos os alvarás a serem usados para impedir as inovações e o progresso, sabemos que eles hoje vão longe demais.”
- André Azevedo Alves, no Observador, em Táxis, Uber e a Lei Arroja da Concorrência: “A Primeira Lei Arroja da Concorrência [estabelece que] ‘a concorrência é boa e desejável em todos os se ctores de actividade, excepto no nosso’. (…) Creio que basta olhar para a dificuldade de implementação de reformas promotoras da concorrência em Portugal nos últimos anos – mesmo sob a supervisão e pressão externa – e para o continuado sucesso de muitos interesses rentistas instalados (…), desde os transportes à cultura, sem esquecer sectores como a educação, a ciência, a saúde ou a cultura, [para concluirmos que] a Primeira Lei Arroja da Concorrência continua, infelizmente, mais actual do que nunca em Portugal.”
Antes de terminar deixem-me chamar-vos ainda a atenção para o editorial do Jornal de Negócios de hoje, de Helena Garrido –
Bragança é Lisboa, Lisboa não é Berlim. O texto chama a atenção para um dos dilemas de uma união monetária como aquela em que estamos, uma união que para funcionar bem devia ser acompanhada pela mobilidade dos trabalhadores não apenas no interior de cada país, mas entre os diferentes países da zona euro, algo que é sempre visto como um estigma e tem como efeito colateral deprimir ainda mais as regiões de onde saem os trabalhadores. Poderia esse agravamento de diferenças ser compensado por transferências entre regiões? A directora do JdeN entende que isso até podia ser ainda mais negativo: “
Mas será que um orçamento europeu de solidariedade resolvia o problema do agravamento das diferenças entre regiões e países ricos e pobres? Não. A transferência de fundos sob a forma de apoio social alimentaria a manut enção da diferença, criaria um país (ainda mais) subsídiodependente.” Não duvido que a discussão dentro da zona euro nos próximos tempos vai ter de andar por aqui, pelas existência ou não de transferências não só entre regiões, mas entre países, um tema que é politicamente explosivo e, também, pelo menos de acordo com este ponto de vista, levar a resultados contraproducentes.
E por hoje é tudo. Amanhã estarei de regresso, com mais sugestões e indicações. Bom descanso e boas leituras.