Sempre que um avião cai –
como hoje caiu um da Germanwingsao atravessar os Alpes franceses – regressa sempre a mesma questão: será mesmo seguro andar de avião? E a resposta é sempre a mesma: é seguro. É mesmo uma das formas mais seguras de viajar. Seja lá como for, e como o tema é incontornável, seleccionei hoje alguns textos par a ajudar os leitores do Macroscópio não só a perceberem o que se terá passado com o voo 4U9525, como a compreenderem melhor o que se passa nos ares da Europa.
Vou começar pela preocupação mais evidente: até que ponto é seguro preferir uma companhia aérea para realizar viagens como a de ontem, entre duas cidades, Barcelona e Dusseldorf, separadas por cerca de mil e quinhentos quilómetros. Para isso recupero um texto do Observador de Julho do ano passado com um título que diz tudo:
Morrer num avião é tão improvável como ganhar o euromilhões. É um texto pequeno e que condensa o essencial num parágrafo: “
Basta pensarmos em dois números: a probabilidade de morrermos quando apan hamos um avião é de 0,000014%. Parece uma probabilidade baixa. É uma probabilidade muito baixa: a hipótese de ganharmos o euromilhões apostando apenas dois euros, isto é, fazendo uma só aposta, e sair-nos o prémio máximo é de 0,000013%. Exato. Quase o mesmo número.” Ok, dirão os mais pessimistas. Mas há aviões e aviões e companhias e companhias. No caso deste acidente, o avião em causa era um Airbus A320, um modelo que começou a operar em 1988, sendo que o aparelho em concreto era de Novembro de 1990. Esse aparelho esteve sempre ao serviço da Lufhtansa, sendo que em 2014 passou para a companhia lowcost do gigante alemão, a Germanwings. Admito que sejam poucos os que, ao entrarem para um avião, conheçam o modelo e se este tem um bom registo de segurança. Mesmo assim vale a pena tentar responder à pergunta do Telegraph:
How reliable is the A320?Uma pergunta que faz sentido já que, tratando de um dos modelos mais usados em todo o mundo – só no ano passado viajaram em A320 cerca de mil milhões de passageiros e “
On its website, Airbus reports that an A320 family aircraft takes off or lands every 2.5 seconds of every day, and that there are currently 6,191 A320s in operation across the world.” Mas vamos ao que interessa: desde que entrou ao serviço, em 1988, “there have only been
12 fatal crashes involving A320s”. Isto em mais de 85 milhões de voos. O que representa 0,000014% de acid entes, exctamente a actual média da indústria, mas no seu caso conseguida em 27 anos de operação. Não tenham pois mais medo de entrar num avião se este foi um A320.
Bem, mas isso são os aviões. E as companhias? E as low cost, como é o caso da Germanwings? Se voamos por menos dinheiro, não será isso mais perigoso? Foi precisamente essa a pergunta de que partiu o diário francês Le Figaro:
Les compagnies low-cost sont-elles forcément moins sûres? Para chegar a uma resposta o jornal testou quatro ideias feitas:
Des compagnies peu sécurisées; Un personnel moins bien formé; Des compagnies moins contrôlées; Une flotte plus âgée et moins sûre; e
Des compagnies p lus accidentogènes. E chegou sempre à mesma conclusão: tratam-se de ideias falsas, ideias que a realidade desmente. A especialista contactada, Stéphane Albernhe, presidente do cabinete do aconselhamento na empresa aeroespacial Archery Consulting, que foi taxativa:
«Ces compagnies parviennent à réduire leurs coûts en dématérialisant la commercialisation de leurs billets, en procédant à des rotations plus intenses de leurs vols et en allongeant le temps de vol de leurs personnels navigants, dont les salaires ne sont pas contraints par les conventions collectives historiques. Mais elles n'économisent en aucun cas sur la maintenance et les règles de sécurité.» O espanhol El Mundo também se preocupou com a mesma questão:
¿Es más peligroso volar en una compañía 'low cost'? As suas conclusões são praticamente as mesmas: “
Los principales grupos de bajo coste centran sus ahorros en los costes salariales, aeroportuarios y de combustible pero no en mantenimiento.” As autoridades aeronáuticas são igualmente exigentes com as companhias tradicionais e com as
low cost; este acidente foi o primeiro de uma companhia deste tipo na Europa desde que começaram a operar há cerca de 15 anos; a maior de todas, a Ryanair, nunca teve qualquer acidente; a evolução destas companhias tem sido tão rápida que hoje “
el tráfico está repartido casi a partes iguales entre las aerolíneas tradicionales (52%) y de bajo coste (48%)”.
E, depois, há uma coisa de que ningu&e acute;m tem ideia: é que há mesmo muitos aviões no ar, a qualquer hora do dia, cruzando os céus em todas as direcções. O espanhol ABC foi por isso saber
Cuántos aviones vuelan cada día en el mundo e chegou a um número impressionante: em média, há sempre cerca de 11 mil aparelhos de passageiros no ar. “
¿Y cuántos hay a lo largo de todo el día? 2014 fue el primer año en el que se superaron los 100.000 vuelos diarios (una media de 102.465, por 99.700 en 2013)”. Mas mais impressionante do que conhecer este número, é olhar para este pequeno vídeo que o Observador reproduz em
Formigas? Não, são aviões a sobrevoar a Europa. Não perca.
Com tantos aviões no ar é mesmo necessário possuir sistemas de controlo muito apurados – e é aí que às vezes as coisas falham. Recordo-o recuperando uma investigação do Financial Times realizado depois da queda do voo MH17 no leste da Ucrânia:
Air safety - Flying blind. É um teste que chama a atenção para alguns limites da segurança aérea, mesmo sabendo que no caso desse voo o aparelho não teve qualquer problema, antes foi abatido por um míssil. Apesar de esse debate ser necessário, a verdade é que o FT acaba por chegar à mesma conclusão de todos os outros: continua a ser mais se guro viajar de avião. Para o demonstrar publicou um gráfico que reproduzo abaixo e que é bastante elucidativo:
Termino as minhas sugestões com um texto do Le Monde –
Ce que l'on sait du crash de l'Airbus A320 de Germanwings dans les Alpes– onde é possível ir seguindo a atualidade, algo que também pode fazer
aqui no Observador, mas no registo da informação em directo.
Não era possível terminar o Macroscópio de hoje sem uma evocação de Herberto Hélder, que hoje nos deixou. Aqui ficam duas sugestões:
- Joana Emídio Marques, num Especial do Observador –Herberto Helder: morreu o celacanto da poesia portuguesa – notou: “Tantas horas passadas sobre a notícia da morte do mestre, quase nenhum político se manifestou, e só os funcionários habituais da poesia e da cultura vieram a público falar de Herberto. Os amigos, como Helder Macedo ou Manuel Rosa, preferem guardar o silêncio que ele gostaria que guardassem. Mais do que nunca, é hora de ler a sua poesia. Como ele disse num poema antigo:
a sombra carregará os meus sentidosde distânciacomo se tudo fosse o cheiro< br>
que as ervas pungentemente perdematravés do silêncio.”
- António Guerreiro, no Público – O mito de Herberto Helder – escreveu: “A poesia de Herberto Helder, nas suas anacronias, no encontro que nela se dá entre o mais contemporâneo e o mais antigo (uma antiguidade sem datas) obriga a colocar esta questão: será que ainda é possível a poesia num mundo completamente secularizado? A sua poesia restitui algo que nós, ainda que não o saibamos formular com exactidão, sabemos que foi perdido ou só já tem uma existência secreta e remota. E disso se alimentaram também as projecções e imagens públicas a que se prestou a figura de Herberto Helder en quanto poeta.”
Com isto me despeço. E, desta vez, desejo que as vossas leituras não fiquem apenas pelas sugestões do Observador. Se tiverem um livro de Herberto Helder à mão, regalem-se, meditem, aprendam. A nossa língua, bem tratada, é maravilhosa.