O euro está a desvalorizar. Porventura mais depressa do que se esperava. E isso, desta vez, parece que é bom.
Começa por ser bom para a Europa porque lhe permite vender os seus produtos mais baratos nos mercados mundiais. O que pode estar a mudar muita coisa. Basta pensarmos que, no início do ano, um euro valia 1,18 dólares e hoje a sua cotação aproximou-se dos 1,05 dólares, o que significa que, em comparação com a moeda americana, há mais de 12 anos que o euro não estava tão desvalorizado.
Isto depois de um ano de contínua desvalorização, uma situação que o Observador analisou logo no início deste ano, a 5 de Janeiro, em
Euro a cair. A sorte de uns é o azar de outros. Nesse texto recordava que, em 2008, um euro chegou a valer quase 1,6 dólares, um período óptimo para quem visitava os Estados Unidos ou comprava bens em dólares. Já nessa altura escrevíamos que entre as empresas que podiam ganhar mais com a desvalorização, estavam, por exemplo, a Altri, a Portucel e a Semapa, empresas empresas que tenham os preços de venda dos seus produtos e serviços em dólares mas enquanto os seus custos são pagos em euros. Perdiam todas as empresas e consumidores que necessitam de produtos cotados em dólares, mas um dos principais, o petróleo, tem caído tanto nos mercados internacionais que mais do que compensava, nessa altura, a desvalorização do euro.
Ontem o Financial Times regressou a este tema em
Europe’s chief executives feel warmth from low euro tailwinds para nos contar como muitas empresas europeias vêm com verdadeiro entusiasmo a actuar depreciação da moeda europeia. E compreende-se porquê: há analistas que dizem que os lucros das companhias europeias podem subir 5% só por efeito de uma queda de 0,2 do euro na sua relação com o dólar – e desde meados de 2014 o euro já perdeu mais de 0,3 dólares na sua relação de troca. Companhias como a Airbus dizem mesmo que lhes basta uma variação de 0,1 euros para os seus resultados melhorarem mil milhões de dólares. Mesmo assim:
While it improves price competitiveness with rivals in the US, Korea or China, there are also downsides. “The background to the weak euro is problems in the eurozone, and that has an effect that works in the other direction — demand in the eurozone is weak,” said Mr Wiechers. But some analysts say that other positive factors should also help to boost profits for European companies this year, including low interest rates and the nearly 50 per cent fall in the oil price over the past eight months. A queda da cotação do euro é uma consequência directa da política de
quantative easing do Banco Central Europeu, que começou este mês a funcionar. Mesmo assim trata-se uma política que continua a levantar algumas úvidas aos economistas, como se pode verificar lendo esta breve análise da Economist,
The ECB and the markets - The fall and the conundrum. É um texto mais técnico, mas que refere um pouco o outro lado da moeda. Fá-lo citando una análise do Deutsche Bank:
The Euro-area’s huge current account surplus reflects a very large pool of excess savings that will have a major impact on global asset prices for the rest of this decade. Combined with ECB quantitative easing and negative rates we argued that this surplus of savings would lead to large-scale capital flight from Europe causing a collapse in the euro and exceptionally depressed global bond yields. Do outro lado da barricada encontram-se economistas de muitas e variadas escolas, sendo um deles o agora famoso
Thomas Piketty, que numa entrevista à Spiegel foi muito duro com o euro precisamente por este não permitir às diferentes moedas desvalorizarem. Eis uma das passagens mais fortes desse texto:
We may have a common currency for 19 countries, but each of these countries has a different tax system, and fiscal policy was never harmonized in Europe. It can't work. In creating the euro zone, we have created a monster. Before there was a common currency, the countries could simply devalue their currencies to become more competitive. As a member of the euro zone, Greece was barred from using this established and effective concept. Não quero acabar este bloco mais dedicado a temas económicos sem dar um salto até à Standpoint, onde encontrei um texto onde se reflecte sobre um tema que tem ocupado boa parte das minhas leituras nos últimos dois anos: seria Keynes, se ainda fosse vivo, um keynesiano à moda de alguns dos mais famosos economistas da actualidade, de Martin Wolf a Paul Krugman. E,
The Keynesian Versus The Monetarist: Time To Re-Read Keynes, Tim Congdon, acha que não:
Let us slightly rephrase the key question into, "Does an increase in the budget deficit—due, say, to a rise in government spending unaccompanied by higher taxes—increase demand and output?". Consider a plausible reply from an intelligent layman, someone who has had the good fortune not to have endured a university macroeconomics course. He might say, "It depends, but a possibility is that the extra government spending is offset by less spending by the private sector." Further, if the extra government spending were large and the rise in the deficit were to an unsustainable figure, he might conjecture that the reduction in spending by frightened, unhappy and conservative-minded private-sector companies and individuals would exceed the extra spending by the state. (Think of Greece, Portugal and Ireland in the Great Recession.) (Este texto é uma resposta a outro, de Martin Wolf,
"The Keynesian Versus The Monetarist: A Lost Decade", publicado também na Standpoint).
Por fim, para descermos à terra e não ficarmos por temas tão teóricos, sugiro-vos a leitura de um especial do Observador onde, face à contínua descida das taxas de juro, se pergunta:
Euribor negativa. O banco vai pagar o seu crédito à habitação?. Era bom era, mas David Almas explica-lhe porque é que a banca discorda e quer continuar a cobrar os seus juros.
Tal como ontem, guardei as últimas recomendações para um tema completamente diferente: passaram hoje 40 anos sobre uma das datas mais marcantes do período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril: o 11 de Março de 1975, data em que uma tentativa de golpe do sector spinolista não só acabou derrotado como abriu caminho ao PREC – Processo Revolucionário Em Curso. Um primeiro momento dessa aceleração da revolução ocorreu logo a 12 de Março, quando são decididas um conjunto de nacionalizações que transformariam radicalmente a paisagem económica do país. É um momento que António Costa recordou hoje no Diário Económico, em
Foi há 40 anos… Pequena passagem:
O Estado tinha duas soluções para indemnizar os proprietários dos grupos empresariais nacionalizados, e escolheu a pior. Em vez de pagar as respectivas indemnizações, preferiu devolver as empresas e arranjar forma de financiar esses grupos, muitas vezes através do recurso aos bancos públicos. Tínhamos capitalistas, donos de empresas, mas sem capital. E esse pecado original nunca foi, verdadeiramente, corrigido. (…)Por culpa das nacionalizações do 11 de Março, por incompetência e às vezes dolo de muitos empresários, o país tem um sector empresarial vulnerável e fragilizado, os patrões são, muitas vezes, apenas extensões dos bancos, os verdadeiros donos. Quando são, porque uma análise rápida aos novos donos disto tudo permite perceber várias nacionalidades, e a maior parte não é portuguesa. A Renascença preparou um trabalho multimédia -
11 Março. Se Spínola tivesse ganho, “o país nunca mais se endireitava” – que se baseia numa conversa com “
César Neto Portugal, à época major piloto aviador em Tancos, que comandou um dos aviões que tentaram neutralizar o RAL 1. Uma missão sem sucesso numa tentativa de golpe que durou poucas horas. Acabou na prisão por 10 meses.” Para reflectir sobre o significado do 11 de Março, o papel dos militares, as tensões entre o PS e um PCP que parecia ter cada vez mais poder, o habitual programa do Observador Conversas à Quinta foi antecipado para esta quarta-feira. Jaime Gama viveu esses dias em Lisboa, Jaime Nogueira Pinto já estava exilado na África do Sul, mas entre memórias pessoais e aquilo que hoje sabemos sobre como tudo se passou, tivemos mais uma conversa muito interessante. E instrutiva sobre esse iomportante período da vida portuguesa:
Há 40 anos, o 11 de Março de 1975 foi o dia em que a revolução acelerou. Pode também ouvir o podcast quer através do
iTunes, quer do
SoundCloud do Observador.
E por hoje é tudo. Bom descanso.