É uma tradição desta época do ano: escolher a personalidade ou o acontecimento do ano. Entre todas as escolhas, há sempre uma que concita as atenções: a da revista Time. Ora em 2014 a opção daquela revista americana recaiu naqueles que, em África, arriscam a vida a combater a epidemia do ébola. Como explica o seu director, “
They risked and persisted, sacrificed and saved”. Depois de relatar algumas histórias desses heróis anónimos, esse texto termina com um aviso:
Ebola is a war, and a warning. The global health system is nowhere close to strong enough to keep us safe from infectious disease, and “us” means everyone, not just those in faraway places where this is one threat among many that claim lives every day. The rest of the world can sleep at night because a group of men and women are willing to stand and fight. Por coincidência ou talvez não, poucos dias antes de ser conhecida a escolha da Time, o New York Times publicou uma reportagem tocante sobre Ian Crozier, o médico que regressou doente da Serra Leoa, acabando por sobreviver de forma quase miraculosa:
An Ebola Doctor’s Return From the Edge of Death. É um relato detalhado, o primeiro a ser feito, um relato intenso e sentido. Pequeno extracto:
His account offers glimpses of the hardships and dangers that have confronted doctors and nurses who volunteered to fight an epidemic that has claimed the lives of more than 330 health care workers — most of them African — and of the desperate need that has drawn them to the front lines. Dr. Crozier told of three brothers, just 4, 5 and 11, who fought for their lives on his ward in Kenema. Not long after, he lay near death in an isolation room at Emory, with his mother reading him poetry through an intercom. Sigo agora para alguns temas menos consensuais, antes mais controversos. Faço-o chamando a atenção para textos polémicos mas importantes. O primeiro é de um dos grandes especialistas em radicalismo islâmico,
Ahmed Rashid, e saiu na New York Review of Books:
ISIS: What the US Doesn’t Understand. Eis um dos seus pontos:
Despite the increased bombing in Syria, the Obama administration approach seems aimed at defeating ISIS in Iraq while merely containing it in Syria. This is not feasible. ISIS is on the borders of Lebanon and Jordan, where pro-ISIS riots have taken place; and last month ISIS cells in Saudi Arabia claimed to have killed eight Shias. In other words, ISIS has already established itself as a pan-Arab movement trying to transform the whole region and efforts to treat it as an Iraqi phenomenon will fail. O segundo texto é ainda mais polémico: trata-se da resposta, publicada no Wall Street Journal, de um conjunto de directores da CIA ao relatório do Senado norte-americano sobre os seus métodos de interrogatório. O Observador já
noticiou esse relatório, tal como deu conta de
alguns dos piores exemplos da tortura da CIA. Quem no entanto quiser conhecer os argumentos destes directores – que se queixam de não ter sido ouvidos no comité que elaborou o relatório – pode lê-los em “
Ex-CIA Directors: Interrogations Saved Lives”. Duas pequenas citações desse texto:
So the bottom line is this: The interrogation program formed an essential part of the foundation from which the CIA and the U.S. military mounted the bin Laden operation.The second significant problem with the Senate Intelligence Committee’s report is its claim that the CIA routinely went beyond the interrogation techniques as authorized by the Justice Department. That claim is wrong. Atravessando o Atlântico aterramos numa outra polémica, esta bem europeia: a que rodeia em França as propostas de revisão da legislação laboral, a chamada Lei Macron, em especial quando se pretende liberalizar (muito parcialmente) os horários do comércio, permitindo que estes possam passar a estar abertos a mais domingos do que sucede hoje. Uma boa síntese do debate francês pode ser lida na Spiegel -
Reforming France: Emmanuel Macron's Impossible Mission. Eis como aí se apresenta o essencial das medidas defendidas pelo ministro da Economia:
Macron is hoping to open up his country's overregulated, static labor market. One element of his plan, for example, calls for the elimination of legal protections which grant monopoly-like powers to dozens of professions. Notaries, pharmacists and bus and taxi drivers would all be affected. Furthermore, he would like to allow shops to open on 12 Sundays per year instead of the current five and introduce €40 billion worth of tax and withholding relief to French companies over the next three years to help them on the road to increased competitiveness. A reduction of high non-wage labor costs, which play a role in the country's high rate of unemployment, is also part of the plan, at least for the low-wage sector. A simples possibilidade de liberalizar um pouco mais o trabalho ao domingo colocou em pé de guerra os socialistas franceses, em especial a ala esquerda do PSF. Martine Aubry, filha de Jacques Dellors, é uma das vozes com mais peso dessa ala esquerda, tendo publicado esta semana um texto de opinião no Le Monde que lançou ainda mais gasolina para a fogueira do debate –
“Ne réduisons pas l’existence à la consommation”. Eis uma passagem desse texto:
Veut-on faire de la consommation – encore plus qu’aujourd’hui – l’alpha et l’oméga de notre société? La gauche n’a-t-elle désormais à proposer comme organisation de la vie que la promenade du dimanche au centre commercial et l’accumulation de biens de grande consommation? Aqui no Observador pode também podemos encontrar três olhares portugueses para a razão de ser das controvérsias que atravessam o PS francês. João Marques de Almeida, em “
As divisões nos socialistas franceses”, expõe o porquê das dificuldades do governo de François Hollande. Maria João Avillez, em “
A realidade”, parte das surpreendentes opções económicas da Presidente Dilma para revisitar as políticas dos governos de Hollande e de Renzi e concluir que, quando chegar a sua altura, também Atónio Costa terá de aceitar “a” relidade. Por fim Maria de Fátima Bonifácio, em “
Fragilidades da democracia capitalista”, faz uma reflexão na qual, mesmo referindo os paradigmas da velha e da nova esquerda, sublinha sobretudo as dificuldades que um capitalismo sem crescimento tem para ir ao encontro das expectativas democráticas.
Antes de terminar queria desanuviar um pouco e regressar a um tema que tem sido visita frequente do Macroscópio: a condição dos mais velhos. O texto que vos recomendo desta vez saiu no Financial Times e fala-nos das novas regras para se ser avô, partindo de uma constatação:
Grandparents are now taught that age no longer automatically confers authority. Bem sei que o foco é a realidade americana, mas é sempre bom saber qual a nova tendência que está aí ao virar da esquina. E essa nova tendência parece ser a necessidade de os avós frequentarem aulas para saberem como cuidar dos netos do século XXI. Senão vejam:
Thus, when Paul and Nancy went to their Maryland grandparenting class, they were solemnly told that it was wrong to put babies to sleep on their tummies (as parents did in the 20th century). Instead, babies “must” sleep on their backs. Similarly, where diapers used to be fastened with giant safety pins, the new disposable ones use Velcro flaps. Car seats are now mandatory – but baby walkers are seen as dangerous and have been banned in Canada. And there are a host of new dangers to learn, such as button batteries (which can be swallowed by babies) or flatscreen televisions (which can topple over on a baby). Vão pensando nisso, mesmo aqueles que estão mais longe de ser avós: nos tempos que correm as “regras” estão sempre a mudar e nada garante que escapem um dia a estas novas “escolas de avós”. Até lá, bom descanso e boas leituras.