© Fornecido por Jornal i
A empresa do filho da secretária--geral da Justiça, Flowmotion, recebe mensalmente desde 2008 mais de 1500 euros do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) por consultoria. A empresa de Bruno Anes é um dos alvos da Polícia Judiciária no âmbito da Operação Labirinto, que investiga uma alegada teia de atribuição de vistos gold mediante pagamentos a responsáveis com poder de decisão.
Dois dos 11 detidos na última quinta-feira foram Maria Antónia Anes, secretária-geral da Justiça, e António Figueiredo, presidente do Instituto de Registos e Notariado, seu amigo, que assinou o contrato de prestação de serviços em 2008 da empresa de Bruno Anes.Segundo o i apurou, a empresa Flowmotion chamou a atenção dos investigadores da PJ por ter como sócio o filho de uma das suspeitas no caso de atribuição de vistos, e de fazer consultoria para o IRN, cujo presidente também fora detido. Apesar de ainda não ser certo que esta empresa está directamente envolvida na atribuição de vistos gold a cidadãos não europeus, os investigadores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal e os inspectores da PJ consideram--na importante para perceber as ligações de toda esta alegada rede que conta com a participação de altos funcionários da administração pública.
Uma investigação do i concluiu que a contratação desta empresa, que liga os dois suspeitos, não foi publicada na plataforma Base.gov, como determina a lei.
Na prática trata-se de um contrato de avença feito em 2008 (renovável anualmente) com o IRN, já presidido por António Figueiredo. Nesse primeiro documento - a que o i teve acesso - foi definido que, pela "elaboração e análise de estudos de compartimentação, avaliação e análise das instalações dos serviços do IRN", a Flowmotion teria uma "remuneração mensal de 1600 euros". O valor entretanto reduzido em 2011 para 1544 euros era acrescido de um "abono de despesas de transporte e ajudas de custo correspondentes às de técnico superior da função pública".
Versão de Figueiredo
O i chegou a pediu explicações a António Figueiredo ainda antes de a Operação Labirinto ter vindo a público. O presidente do IRN confirmou a existência desta ligação e admitiu que o contrato não fora publicado na plataforma Base.gov, uma vez que quando foi celebrado ainda não era obrigatória a sua publicação: "O IRN celebrou contrato com a 'Flowmotion, Flower Design, Lda', empresa em que é sócio gerente o senhor arquitecto Bruno Anes, no caso concreto para o exercício de funções de arquitectura, designadamente no âmbito da implementação da reestruturação de serviços do IRN." E adiantou: "Foi celebrado ao abrigo do DL 197/99 de 6 de Junho, anterior à obrigatoriedade legal de publicação naquela plataforma."
Porém, fontes judiciais explicaram ao i que, apesar de o contrato ter sido assinado antes de a lei obrigar à sua publicitação, aquando das renovações o mesmo deveria ter sido publicado no site onde constam todos os contratos públicos. Os investigadores poderão estar a tentar perceber se o IRN tentou omitir esta ligação não a tornando pública.
Ao i, Figueiredo esclareceu ainda que, apesar de não ter sido publicitado, Bruno Anes está já a receber esta avença desde 2008, que foi renovada em 2011 e em 2013 de forma legal: "O processo de contratação e sucessivas renovações decorreu com respeito integral pelas formalidades e tramitação legal subjacente, nomeadamente com a aplicação da respectiva redução remuneratória obrigatória e com expresso pedido de parecer prévio ao ministro das Finanças, o qual foi invariavelmente deferido pelo senhor secretário de Estado da Administração Pública."Justiça descarta ligações Também contactado ainda antes das detenções, o Ministério da Justiça, tutelado por Paula Teixeira da Cruz, frisou não existir qualquer intervenção de Maria Antónia Anes - pelo menos na qualidade de secretária-geral da Justiça - na escolha da empresa do filho para prestar serviços ao IRN, uma vez que ainda não tinha assumido funções: "A secretária--geral do Ministério da Justiça assumiu funções no final de 2011 e na altura da primeira contratação da empresa de Bruno Anes trabalhava no Ministério das Finanças."
A sociedade Flowmotion, Flower Design tem como objecto a "compra, venda, importação e exportação de artigos de decoração e outros artigos para o lar" e ainda a realização de "projectos de arquitectura" e "formação". A sua actividade teve início em Agosto de 2007, tendo como sócios Bruno Anes e Marta Anes.
Suspeitos já foram ouvidos
Os 11 suspeitos no caso vistos gold foram já interrogados no Campus da Justiça pelo juiz de instrução criminal Carlos Alexandre. A operação desencadeada quinta-feira por suspeitas de crimes de corrupção, tráfico de influências, peculato e branqueamento de capitais levou à detenção do director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, do presidente do Instituto dos Registos e Notariado, António Figueiredo, e da secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes. Os outros detidos são quadros intermédios da administração pública e empresários que terão facilitado os processos de vistos, além de chineses que serviriam de intermediários.
A Operação Labirinto levou já ao afastamento de altos funcionários da administração pública e à saída do ministro da Administração Interna (ver texto ao lado). Segundo o "Correio da Manhã", Miguel Macedo terá ido a Espanha com António Figueiredo durante as investigações para poder falar sem ser escutado pela Polícia Judiciária. O ministro demissionário terá tido conhecimento de conversas telefónicas em que foi escutado antes de pedir a demissão. O jornal adianta ainda que Macedo chegou a reunir--se com um dos cidadãos chineses agora detido. Além destas ligações, Miguel Macedo é sócio na sociedade JMF, juntamente com a filha de António Figueiredo que também é sócia da empresa Golden Vista Europe. Hoje o juiz Carlos Alexandre irá anunciar as medidas de coação aplicadas aos arguidos.