Está aí uma experiência que eu mesma não desejo para ninguém. Estar em um avião e receber a notícia de que, ops!, ele está sem combustível e o piloto terá que fazer um pouso forçado.
Minha experiência com aviões, pelo menos até hoje (e assim espero que continue) tem sido bem agradável – exceto por uma turbulência mais forte que peguei atravessando o Oceano Atlântico, que me arrepia só de lembrar. Daquela vez, o avião balançou tanto que chegou a abrir alguns compartimentos de bagagens de mão (sabe aquele que ficam nas laterais, em cima das poltronas?) e as comissárias de bordo passavam apressadas de um lado para o outro, tentando acalmar os passageiros. Mas, fato que, segundo o piloto daquele voo, a turbulência estava “dentro dos padrões de normalidade”.
E aí eu fiquei me perguntando: se o filme da minha vida passou diante dos meus olhos com um turbulência dita “normal”, imagino o que não passou na cabeça das pessoas que estavam dentro desse avião que ficou sem combustível, em 23 de julho de 1983.
O plano de voo da aeronave Canada 143 previa um trajeto que ia de Montreal para Quebec, depois de Quebec para Ottawa, e finalmente de Ottawa para Ontário, tudo no Canadá. O que não deveria ser nenhum problema – mesmo para aquela época. Contudo, desde o início da preparação do avião, a equipe de tripulantes percebeu que o controle de combustível estava com defeito. Trata-se de um dispositivo chamado “Sistema de Informação de Quantidade de Combustível” (em tradução livre), um sistema que gerencia todo o processo de carregamento de combustível de uma aeronave. Isso é, caso esteja em perfeitas condições de funcionamento – o que não era o caso.
Para que o Canada 143, da companhia Air Canada, pudesse levantar voo, então, a equipe de manutenção em solo deveria calcular a quantidade de combustível necessária para completar o plano de voo em perfeita segurança. Responsabilidade grande. E nem preciso dizer que alguma conta deu errado, né? Viu só como
negligenciar a matemática prejudica a saúde, o emprego e a vida em geral? Nesse caso, especialmente!
Reza a lenda que a equipe verificou os cálculos uma vez, duas vezes e até uma terceira vez, e todos os valores correspondiam adequadamente. Depois de chegar em Ottawa e se preparar para o próximo trecho, que correspondia a um total de 2.800 km, o Capitão Robert Pearson sentiu que alguma coisa não estava certa e pediu que a equipe de manutenção daquele aeroporto recalculasse a quantidade de combustível, só para ter certeza e voar em paz. Mas parece que eles também estavam com a cabeça nas nuvens.
Os reabastecedores afirmaram que os tanques tinham 11.430 litros de combustível, o que corresponderia a aproximadamente 20.400 quilos de combustível à bordo, quando na verdade eles tinham apenas cerca de 9.144 quilos – uma diferença considerável e, convenhamos, perigosa.
Onde foi o problema?
O problema foi que a equipe de solo original (que estava na cidade de Montreal, de onde o avião saiu) e a tripulação do voo se esqueceram de um detalhe importante: que o avião era novo e utilizava o sistema métrico. Naquela época, o Canadá estava em processo de mudança para o sistema métrico (o mesmo que usamos no Brasil) e os aviões mais novos adquiridos pela companhia aérea Air Canada já vinham adaptados a esse então novo sistema de medidas. Como ninguém estava avisado, e tampouco acostumado com o novo padrão de medida, fizeram os cálculos usando erroneamente a proporção de 1,77 libras por quilo, quando na verdade deveriam ter calculado com 0,8 kg/litro.
Em outras palavras, isso significava que o avião estava com apenas a metade do combustível que precisava para completar o percurso total estabelecido em seu plano de voo.
E o que aconteceu?
Pouco antes do jantar ser servido, uma luz de aviso se acendeu na cabine dos pilotos. Naquele momento, segundo relatos do piloto Pearson e seu copiloto Maurice Quintal, eles achavam que havia algum problema na bomba de combustível na asa esquerda. Então a desligaram. Mas uma segunda luz de aviso se acendeu no painel de controle, fazendo uma advertência a respeito da pressão de combustível.
Pearson sentiu que era muita coincidência para não ser verdade, e resolveu desviar o trajeto para a cidade mais próxima. Poucos minutos depois, outro medidor de pressão piscou no painel e, nesse momento, eles perderam o motor esquerdo. Dois minutos depois, perderam o outro motor. Como não havia combustível, os motores entraram em colapso e pegaram fogo. E a fala daquele momento que ficou gravada no sistema do avião foi um “oh, merda”, dito por Pearson. Acho que podemos dizer que ele foi um tanto contido, não?
Aliás, não fosse a calma dele, essa história teria um final bem diferente.
Depois de uma leitura rápida dos manuais, que não tinham especificado quais eram os procedimentos padrão para o caso de perda de ambos os motores, os pilotos rapidamente perceberam que sua única esperança era, de alguma forma, deslizar o avião para uma aterrissagem segura. Embora Pearson nunca tivesse realizado um procedimento como aquele que tinha em vista em um Boeing 767, ele era um piloto de planador extremamente experiente, para a sorte de todos os passageiros à bordo.
É claro que, mesmo que o Boeing 767 fosse perfeitamente capaz de deslizar, em plena carga, muitos dos sistemas do avião não haviam sido concebidos para funcionar sem os motores. E para ajudar, quando os motores foram para o beleléu, levaram junto muitos dos sistemas e instrumentos que deveriam ser utilizados em caso de falta de energia elétrica.
E se a perda de muitos dos instrumentos não fosse ruim o suficiente, a situação ficou ainda pior com a perda de pressão hidráulica. Sem ela, os pilotos ficam sem controle algum. Neste ponto, o avião começou a perder altitude, a uma taxa de cerca de 2.000 pés por minuto. E ao se aproximarem da pista, Pearson e Quintal perceberam que ainda estavam muito alto. Eles, então, realizaram uma manobra comum em pequenas aeronaves. Embora um tanto arriscada, essa foi a única opção dos pilotos.
O pouso
Com a falta de pressão hidráulica, os pilotos tiveram que encarar uma outra desvantagem: eles não poderiam controlar o trem de pouso. Outro problema foi que no lugar onde eles esperavam que estivesse uma pista abandonada, um centro de lazer havia sido construído. E naquele 23 de julho de 1983, o local estava realizando um evento de “Dia da Família”. Ou seja: estava lotado, e cheio de crianças. Todo o cenário de uma tragédia estava montado, só para deixar essa história ainda mais emocionante!
Esse momento deve ter sido absolutamente surreal para todos os envolvidos. Para os pilotos que tinham uma responsabilidade tremenda nas mãos, agora com muito mais pessoas. Para quem estava no parque, que percebia um avião se aproximando perigosamente. E, como não poderia deixar de ser, para os passageiros, que viram a paisagem se aproximar mais rápido que o normal. Dizem que uma das pessoas que estava à bordo chegou a dizer que quase podiam ver que roupa as pessoas do centro de lazer estavam usando.
E então, contra todas as expectativas e contra todas as enormes adversidades que foram pipocando no caminho, eles conseguiram pousar em segurança, deslizando o avião em um pedaço de solo. O Boenging 767, de 100 toneladas e que carregava 69 pessoas, fez uma aterrissagem completamente segura, sem motores, sem freios, sem abas e sem o mínimo controle da aeronave.
Embora algumas pessoas tenham ficado feridas ao sair do avião, devido ao ângulo agora contorcido de suas saídas de emergência, nenhum dos 61 passageiros ou 8 membros da tripulação sofreu qualquer lesão grave. [
Gizmodo]