Portugal na Primeira Guerra Mundial
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A participação de Portugal no primeiro conflito mundial ao lado dos Aliados esteve de acordo com as orientações da República ainda recentemente instaurada (5 de Outubro de 1910).
Antecedentes
A Inglaterra, que mantinha desde há muito uma aliança com Portugal moveu influências para que o país não participasse ativamente na Guerra e, inclusive antes do evento, chegou a prometer, abertamente, ceder as colônias portuguesas à Alemanha, o que levou Portugal a apoiar o Reino Unido por medo da neutralidade.[1] O Partido Democrático, então no poder, movido também pelo facto de já existirem combates entre tropas portuguesas e alemãs junto às fronteiras das colónias em África, desde cedo demonstrou interesse em tornar-se parte beligerante do conflito. Em Setembro de 1914 eram enviadas as primeiras tropas para África onde as esperariam uma série de derrotas perante os alemães, na fronteira do sul de Angola com o Sudoeste Africano Alemão e na fronteira norte de Moçambique com a África Oriental Alemã. Apesar destes combates, a posição oficial do Estado português era claramente ambígua. Os partidos de cariz esquerdista estavam ao lado dos regimes da França e da Inglaterra, enquanto que os da direita simpatizavam com os regimes das potências centrais (Alemanha e Austro-Hungria). Porém, a questão que se colocava era se Portugal entraria na guerra ou não, já que a entrada de Portugal na guerra seria sempre ao lado da Inglaterra e França. O regime republicano decidiu optar por uma tomada de posição activa na guerra devido a várias razões:
- Com vista à manutenção das colónias, de modo a poder reivindicar a sua soberania na Conferência de Paz que se adivinhava com o final da guerra;
- A necessidade de afirmar o prestígio e a influência diplomática do Estado republicano bem como a sua legitimação no seio das potências europeias, maioritariamente monárquicas;
- A crença de que era imperativo entrar na guerra pelo progresso nacional, ao lado das democracias;
- Compromisso de aliança com a Inglaterra, tradicional aliada de Portugal, e afirmação de autonomia de Portugal nas questões bilaterais com a Inglaterra;
- Travar a influência alemã nas populações indígenas no sul de Angola e norte de Moçambique e evitar insurreições locais contra o domínio português;
- Defender as colónias de uma possível penetração militar alemã que, de resto, se estava a materializar através de escaramuças fronteiriças desde o início da guerra;
- A necessidade, por parte do Partido Democrático de Afonso Costa, então no poder, de afirmar o seu poder político, ao envolver o país num esforço colectivo de guerra, tanto em relação à oposição republicana quanto em relação às influências monárquicas no exílio.
No entanto, o principal oponente à entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial foi a Inglaterra.
1916
Em Fevereiro de 1916, o antigo aliado português decidiu pedir ao Estado português o apresamento de todos os navios alemães e austro-húngaros que estavam ancorados na costa portuguesa. Portugal apresou um total de 72 navios alemães, tendo cedido 65% destes para uso da Inglaterra, mantendo os restantes 35% do total para uso português.[2] Esta atitude justificou a declaração oficial de guerra a Portugal pela Alemanha, a 9 de Março de 1916 (apesar dos combates em África desde 1914).
1917-1918
Em 1917, as primeiras tropas portuguesas, do Corpo Expedicionário Português, seguiam para a guerra na Europa, em direcção à Flandres. Portugal envolveu-se, depois, em combates na França. A experiência do Corpo Expedicionário Português no campo de batalha ficou registada na publicação João Ninguém, soldado da Grande Guerra, com ilustrações e texto do capitão Menezes Ferreira.
Neste esforço de guerra, chegaram a estar mobilizados quase 200 mil homens. As perdas atingiram quase 10 mil mortos e milhares de feridos, além de custos económicos e sociais gravemente superiores à capacidade nacional. Os objectivos que levaram os responsáveis políticos portugueses a entrar na guerra saíram gorados na sua totalidade. A unidade nacional não seria conseguida por este meio e a instabilidade política acentuar-se-ia até à queda do regime democrático em 1926.
Em Angola
Sob o comando de Alves Roçadas, foi enviada para Angola uma força expedicionária de 1600 homens, em Outubro de 1914.
Na fronteira sul, após um ataque alemão ao posto fronteiriço de Cuangar, as tropas portuguesas tentaram expulsar os alemães do território, mas em Dezembro de 1914, foram derrotadas em Naulila (Desastre de Naulila), tendo que recuar para Humbe. As tropas alemãs também retiraram mas, em simultâneo, as populações locais acabaram por se revoltar contra a soberania portuguesa.
O governo português, devido à revolta local, teve de enviar da Metrópole mais 397 oficiais e 12 043 praças e de Moçambique enviou mais 2 companhias landins.
Em Moçambique
Após um ataque alemão ao posto fronteiriço de Maziua, no Rovuma, o governo de Portugal enviou para Moçambique uma força de 1527 homens. Essa força, que chegou a Moçambique em Outubro de 1914, estava completamente desorganizada, de tal forma que, passados alguns meses, mesmo sem ter tido nenhum contacto com o inimigo, já tinha perdido 21% dos seus efectivos devido a doenças.
Em Novembro de 1915 chegou a Moçambique uma nova força de 1543 homens, comandados por Moura Mendes. Essa 2.ª força tinha como finalidade recuperar a ilha de Quionga, mas também devido a desorganização idêntica à da primeira força, só em 4 meses perdeu, por doença, metade dos efectivos. Só em Abril de 1916 a pequena ilha de Quionga foi recuperada.
Em finais de Junho de 1916 chega a Moçambique a 3.ª força enviada de Portugal, constituída por 4642 homens comandados por Ferreira Gil, com a finalidade de passar o Rovuma e atacar as tropas alemães ao mesmo tempo que estas eram atacadas no Tanganica por forças inglesas, da Rodésia, da União Sul-Africana, do Quénia, do Congo Belga e da Índia. Esta 3.ª força consegue passar o Rovuma e conquistar Nevala mas, logo de seguida, é derrotada no combate de Nevala, tendo que retirar novamente para Moçambique.
Em 1917 Portugal envia a 4.ª força para Moçambique, esta constituída por 9786 homens e comandada por Sousa Rosa.
A Alemanha tinha na África Oriental, uma pequena força de 4000 askaris e 305 oficiais europeus, comandados pelo general Lettow-Vorbeck.
Este general alemão conseguiu sempre resistir aos ataques das forças inglesas, apesar de estas serem em número muito superior. Isto só foi possível devido a este general ter utilizado uma nova forma de guerra (guerrilha), não lhe interessando manter ou conquistar posições, mas sim manter o inimigo sempre ocupado, de modo que este não pudesse libertar soldados para enviar de volta à Europa.
Em Novembro de 1917, Lettow-Vorbeck passa o Rovuma e derrota as tropas portuguesas em Negomano, e percorre Moçambique sempre fugindo e derrotando as tropas (inglesas e portuguesas) que encontrava pelo caminho e provocando a revolta das populações locais contra os portugueses. Este general alemão acabou por voltar ao Tanganica.
Com o final da guerra na Europa, o exército alemão que se encontrava nessa altura na Rodésia, acabou por se render apesar de nunca ter sido derrotado.
Para Portugal ficaram, além das grandes derrotas militares, as revoltas das populações locais, que demoraram a ser reprimidas.
Corpo Expedicionário Português na Europa
À medida que o número de mortes vai aumentando no Corpo Expedicionário Português e o seu fim era previsível, a guerra tornava-se cada vez mais impopular.
O custo de vida aumentava, o abastecimento de géneros escasseava e o desemprego aumentava. Estes factores desencadearam violentas reacções sociais (greves e assaltos) que eram aproveitadas pelos unionistas e monárquicos, contrários à intervenção de Portugal no confronto armado e defensores da retirada das tropas portuguesas dos campos de batalha da Europa.
A este agravamento das condições de vida e da agitação social e política, Afonso Costa não apresentava soluções, recusando a entrada no governo de elementos de outros partidos republicanos, católicos e independentes.
Por outro lado, na Flandres, o Corpo Expedicionário conhecia a sua quase destruição. No dia 4 de Abril de 1918, as tropas amotinavam-se em pleno campo de batalha.
O Corpo Expedicionário vivia dias de horror e inferno: do dia 9 para 10 daquele mês, quando a 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português retirava dos campos de batalha para ser substituída, sofreu um dos maiores bombardeamentos do exército alemão seguido por um ataque em massa alemão embora com grandes focos de resistência por parte dos portugueses o CEP acaba quase por desaparecer (Batalha do Lys). Era o princípio do fim da guerra para os portugueses.
O Corpo Expedicionário Português retirou-se para a retaguarda dos Aliados. Alguns efectivos integraram o exército inglês e outros foram utilizados como mão-de-obra para abrir trincheiras, o que foi desmoralizando, cada vez mais, os soldados lusitanos.Mesmo assim ainda se formou algumas divisões que ainda marcharam na marcha da vitória em Paris em 1919 trazendo alguma glória e honra para os lusitanos.
1831 corpos de soldados do Corpo Expedicionário Português estão sepultados no cemitério militar português de Richebourg, o único cemitério de França exclusivamente português.
Ver também
Referências
Ligações externas
- Entrada de Portugal na I Guerra Mundial, Áreamilitar
- João Ninguém, soldado da Grande Guerra: impressões humorísticas do C.E.P.
- Vìdeo da Jornada de Estudos CADIST Péninsule ibérique - Université Toulouse Jean Jaurès / IRIEC
- Portugal na guerra - Seleção de recursos e documentos digitais pelo CADIST Péninsule ibérique - Université Toulouse Jean Jaurès
- Bibliografia proposta pelo CADIST Péninsule ibérique - Université Toulouse Jean Jaurès
Batalha de La Lys
Batalha de La Lys | |||
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Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial | |||
Mapa da ofensiva alemã em 1918 | |||
Data | 7–29 de abril de 1918 | ||
Local | Flandres, na fronteira franco-belga | ||
Coordenadas | |||
Desfecho | Vitória tática dos Aliados; a ofensiva alemã falha | ||
Beligerantes | |||
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Comandantes | |||
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Forças | |||
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Baixas | |||
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Localização da batalha na Bélgica |
A Batalha de La Lys (7 a 29 de abril de 1918) foi uma enorme ofensiva militar alemã focada ao norte da fronteira franco-belga, na região da Flandres, durante a Primeira Grande Guerra. Também conhecida como Operação Georgette, Ofensiva do Lys, Quarta Batalha de Ypres, Quarta Batalha da Flandres e Batalha de Estaires, fez parte da chamada Ofensiva de Primavera, onde os alemães pretendiam romper as linhas Aliadas de uma vez por todas na Frente Ocidental europeia. Foi planejada pelo general Erich Ludendorff e de início teria um alcance bem maior, mas acabou sendo reduzida em escala.[1] Parte dos planos era tomar de vez a região de Ypres e expulsar os britânicos dos portos belgas. Foi lançada como uma sequência a Operação Michael, também travada no contexto da Ofensiva de Primavera alemã. No final, a Operação Georgette acabou falhando em seus objetivos principais e terminou sendo inconclusiva para os alemães no quadro geral da guerra, dando vantagem tática aos Aliados.[2][3]
Nesta batalha, que marcou negativamente a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, os exércitos alemães infligiram uma pesada derrota às tropas portuguesas, constituindo o maior desastre militar português depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.
A frente de combate distribuía-se numa extensa linha de 55 quilómetros, entre as localidades de Gravelle e de Armentières, guarnecida pelo 11.º Corpo Britânico, com cerca de 84 000 homens, entre os quais se compreendia a 2.ª divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP), constituída por cerca de 20 000 homens, dos quais somente pouco mais de 15 000 estavam nas primeiras linhas, comandados pelo general Gomes da Costa (que mais tarde conta as memórias deste acontecimento em A Batalha do Lys (1920) no qual descreve a organização do C.E.P. e os seus dispositivos e enuncia os episódios prévios à Batalha).[4] Esta linha viu-se impotente para sustentar o embate de oito divisões do 6.º Exército Alemão, com cerca de 55 000 homens comandados pelo general Ferdinand von Quast (1850-1934). Essa ofensiva alemã, montada por Erich Ludendorff, ficou conhecida como ofensiva "Georgette" e visava à tomada de Calais e Boulogne-sur-Mer. As tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha na madrugada e manhã de 9 de Abril, teriam registado milhares de baixas, entre mortos (1 341), feridos (4 626), desaparecidos (1 932) e prisioneiros (7440).[5] De acordo com estudos recentes, porém, esses números estariam muito inflacionados. Segundo um autor, em La Lys ter-se-ão registado apenas 423 mortos portugueses (de um total de 2 086 mortos do Corpo Expedicionário Português em 1917-1918) e cerca de 6 000 prisioneiros.[6] Outro autor refere apenas 300 mortos e 6 000 prisioneiros portugueses em La Lys.[7]
Entre as diversas razões para esta derrota tão evidente têm sido citadas, por diversos historiadores, as seguintes:
- A revolução de dezembro de 1917, em Lisboa, que colocou na Presidência da República o Major Doutor Sidónio Pais, o qual alterou profundamente a política de beligerância prosseguida antes pelo Partido Democrático;
- A chamada a Lisboa, por ordem de Sidónio Pais, de muitos oficiais com experiência de guerra ou por razões de perseguição política ou de favor político;
- Devido à falta de barcos, as tropas portuguesas não foram rendidas pelas britânicas, o que provocou um grande desânimo nos soldados. Além disso, alguns oficiais, com maior poder económico e influência, conseguiram regressar a Portugal, mas não voltaram para ocupar os seus postos;
- O moral do exército era tão baixo que houve insubordinações, deserção e suicídios.
- A grande diferença numérica entre as forças portuguesas e as alemãs;
- O armamento alemão era muito melhor em qualidade e quantidade do que o usado pelas tropas portuguesas o qual, no entanto, era igual ao das tropas britânicas;
- O ataque alemão deu-se no dia em que as tropas lusas tinham recebido ordens para, finalmente, serem deslocadas para posições mais à retaguarda;
- As tropas britânicas recuaram em suas posições, deixando expostos os flancos do CEP, facilitando o seu envolvimento e aniquilação.
O resultado da batalha já era esperado por oficiais responsáveis dentro do CEP, Gomes da Costa e Sinel de Cordes, que por diversas vezes tinham comunicado ao governo português o estado calamitoso das tropas.
No entanto, é de realçar o facto de a ofensiva "Georgette" se tratar duma ofensiva já próxima do desespero, planeada pelo Alto Comando da Alemanha Imperial para causar a desorganização em profundidade da frente aliada antes da chegada das tropas norte-americanas, que nessa altura se encontravam prestes a embarcar ou já em trânsito para a Europa.
O objectivo do general Ludendorff no sector português consistia em atacar fortemente nos flancos do CEP, consciente que nesse caso os flancos das linhas portuguesa e britânica vizinha recuariam para o interior das suas zonas defensivas respectivas em vez de manterem uma frente coerente, abrindo assim uma larga passagem por onde a infantaria alemã se pudesse lançar. Coerente com essa táctica e para assegurar que os flancos do movimento alemão não ficassem desprotegidos, os estrategas alemães decidiram-se a simplesmente arrasar o sector português com a sua esmagadora superioridade em capacidade de fogo artilheiro (uma especialidade alemã), e deslocando para a ofensiva um grande número de efectivos como se explica acima, (nas palavras dos próprios: "Vamos abrir aqui um buraco e depois logo se vê!", o que também indicia o estado de espírito já desesperado do planeamento da ofensiva). Nestas condições, não surpreende a derrocada do CEP, que apesar de tudo resistiu como pôde atrasando o movimento alemão o suficiente para as reservas aliadas serem mobilizadas para tapar a brecha.
Esta resistência é geralmente pouco valorizada em face da derrota, mas caso esta não se tivesse verificado a frente aliada na zona poderia ter sido envolvida por um movimento de cerco em ambos os flancos pelo exército alemão, o que levaria ao seu colapso. Trata-se de uma batalha com muitos mitos em volta a distorcerem a percepção do realmente passado nesse dia 9 de Abril de 1918.
Uma situação análoga à da batalha de La Lys foi a da contra-ofensiva alemã nas Ardenas na parte final da Segunda Guerra Mundial, a (Batalha do Bulge), que merece comparação pelas semelhanças entre ambas. Novamente um exército aliado escasso para defender o sector atribuído ao I Exército dos Estados Unidos), sujeito a uma ofensiva desesperada por parte do Alto Comando Alemão (OKW - Oberkommando der Wehrmacht), para desorganizar a frente aliada arrombando-a em profundidade, usando para o efeito quatro exércitos completos (dois blindados) para atacar no sector do I exército norte-americano. A consequência foi o colapso local da frente, com retirada desorganizada dos americanos e com milhares a serem feitos prisioneiros pelos alemães, contido depois com as reservas aliadas (incluindo forças sobreviventes da Batalha de Arnhem ainda em recuperação como a 101.ª e a 82.ª divisões aerotransportadas) e com o desvio de recursos de outros exércitos aliados nas regiões vizinhas (com destaque para o III Exército do general Patton), obrigando a passar duma situação de ofensiva geral aliada à defesa do sector das Ardenas a todo o custo. Os aliados só retomariam a iniciativa na frente ocidental passado mais de um mês.
Comparando-se ambas compreende-se melhor a derrocada das forças do CEP em La Lys.
A experiência do Corpo Expedicionário Português no campo de batalha ficou registada na publicação João Ninguém, soldado da Grande Guerra, com ilustrações e texto do capitão Menezes Ferreira. Pela sua parte, Adelino Delduque da Costa, Coronel de Infantaria, feito prisioneiro pelas tropas alemãs a 9 de abril de 1918,[8] escreveu durante oito meses e meio de cativeiro sob forma de diário entre os campos de Rastatt e Breesen as suas Notas do cativeiro,[9] um dos mais vivos relatos dos acontecimentos que seguiram a derrota portuguesa, assim como das precárias condições em que houve de sobreviver os oficiais portugueses aprisionados na Alemanha. Além destas, várias foram as obras editadas que têm como pano de fundo o mais sangrento episódio da participação portuguesa no conflito, nomeadamente: Flandres: notas e impressões de Costa Dias (1920) [10] e A 2ª Divisão Portuguesa na Batalha do Lys (1924) pelo Major Vasco de Carvalho com prefácio do general Fernando Tamagnini.[11]
As cerimónias da comemoração do aniversário da Batalha de La Lys têm lugar, habitualmente, todos os anos no Mosteiro de Santa Maria da Vitória - Batalha (Leiria) num dos primeiros fins de semana de Abril, com a presença dos vários ramos das forças armadas portuguesas, entre outras entidades.
No final, a ofensiva alemã acabou perdendo força e com a chegada de reforços franceses no fim de abril, os militares alemães começaram a sofrer perdas consideráveis. Perdendo a iniciativa, em 29 de abril o Alto Comando Alemão cancelou a Operação Georgette e desautorizou novas ofensivas naquele setor. Em um estudo feito em 2002, Marix Evans estimou as perdas alemãs em 109 300 (entre mortos, feridos e desaparecidos). Os britânicos perderam 76 300 homens e 60 aeronaves, enquanto os franceses registraram 35 000 baixas em combate.[12] Já Portugal contabilizou oficialmente 400 mortos e 6 600 homens feitos prisioneiros.[13]
O soldado Milhões
Nesta batalha a 2.ª Divisão do CEP foi completamente desbaratada, sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos, desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra. No meio do caos, distinguiram-se vários homens, anónimos na sua maior parte. Porém, um nome ficou para a História, deturpado, mas sempiterno: o soldado Milhões.
De seu verdadeiro nome Aníbal Augusto Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua menina, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os combatentes lusos como a Luísa. Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e britânicos para as posições defensivas da retaguarda. Vagueando pelas trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelos alemães, o soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o qual se valeu de cunhetes de balas que foi encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, encontrou um major escocês, salvando-o de morrer afogado num pântano. Foi este médico, para sempre agradecido, que deu conta ao exército aliado dos feitos do soldado transmontano.
Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o, dizendo o que ficaria para a História de Portugal, "Tu és Milhais, mas vales Milhões!". Foi o único soldado raso português da Primeira Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração existente no país.
Ver também
Referências
- ↑ «Battle of the Lys, 9-29 April 1918». www.historyofwar.org. Consultado em 18 de outubro de 2020
- ↑ Baker, Chris (2011). The Battle for Flanders: German Defeat on the Lys, 1918. Barnsley: Pen & Sword Military. ISBN 978-1-84884-298-4
- ↑ Rickard, J. (27 de agosto de 2007). «Battle of the Lys, 9–29 April 1918». Military History Encyclopedia on the Web. OCLC 704513317. Consultado em 2 de outubro de 2013
- ↑ Hemeroteca Digital. «A Batalha do Lys (1920)». Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 23 de abril de 2018
- ↑ Infopédia - Batalha de La lys
- ↑ Henrique Manuel Gomes da Cruz, Portugal na Grande Guerra: a construção do «mito» de La Lys na imprensa escrita entre 1918 e 1940, Tese de mestrado, FCSH - Universidade Nova de Lisboa, Março de 2014, p. 51
- ↑ Isabel Pestana Marques, Das Trincheiras, com saudade: a vida quotidiana dos militares portugueses durante a Primeira Guerra Mundial, Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008.
- ↑ Ordem de Serviço da 5ª Brigada de Infantaria, de 27 de Outubro de 1917
- ↑ Delduque da Costa, Adelino (1919). Notas do captiveiro. Memórias d'um prisioneiro de guerra na Alemanha. Lisboa: J. Rodrigues & C.ª
- ↑ Hemeroteca Digital. «Flandres: notas e impressões (1920)». Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 23 de abril de 2018
- ↑ Hemeroteca Digital. «2ª Divisão Portuguesa na Batalha do Lys (1924)». Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 23 de abril de 2018
- ↑ Edmonds, J. E.; Davies, H. R.; Maxwell-Hyslop, R. G. B. (1995) [1937]. Military Operations France and Belgium: 1918 March–April: Continuation of the German Offensives. Col: History of the Great War Based on Official Documents by Direction of the Historical Section of the Committee of Imperial Defence. II Imperial War Museum & Battery Press ed. London: Macmillan. ISBN 978-0-89839-223-4
- ↑ «Presidentes de Portugal e de França nos 100 anos da Batalha de La Lys». DN.pt. Consultado em 17 de maio de 2018
Bibliografia
- La Lys, 1916, Mendo Castro Henriques e António Rosas Leitão, Lisboa, Prefácio («Batalhas de Portugal»), 2001, ISBN 972-8563-49-3
- Guerra & Marginalidade. O Comportamento das Tropas Portuguesas em França. 1917 - 1918, Luís Alves de Fraga, Lisboa, Prefácio («História Militar»), 2003, ISBN 972-8563-90-6
- «Portugal e a Grande Guerra» in Factos Desconhecidos da História de Portugal, Luís Alves de Fraga, Lisboa, Selecções do Resder's Digest, 2004, ISBN 972-609-416-X, pp. 214–225
- «La Lys - a batalha portuguesa» in Portugal e a Grande Guerra, (coord. Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes), Luís Alves de Fraga, Lisboa, Diário de Notícias, 2003, ISBN 972-9335-07-9, pp. 427–442
- AMARAL, Ferreira do. O 9 de Abril e a nossa política de Guerra.
- GOMES DA COSTA, Manuel de Oliveira. A Batalha do Lys. 1920. 260p.
- LUDENDORFF, Eric. Souvenirs de Guerre. 1920.
- OLIVEIRA, Maria José, "Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial: frente europeia: 1917/1918". Porto Salvo, Saída de Emergência, 2017, 255 p. ISBN 978-989-773-022-1
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