Corpus Christi
A Solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo ou Corpus Christi[1][2] ou Corpus Domini (expressão latina que significa Corpo de Cristo ou Corpo do Senhor), e generalizada em Portugal como Corpo de Deus, é uma comemoração litúrgica das igrejas Católica Apostólica Romana e Anglicana (esta última, até 1548) que ocorre na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade, que, por sua vez, acontece no domingo seguinte ao de Pentecostes. É uma Festa de Guarda, em que a participação da Santa Missa é obrigatória, na forma estabelecida pela conferência episcopal do país respectivo.
Para os católicos apostólicos romanos, a procissão pelas vias públicas atende a uma recomendação do Código de Direito Canônico (cânone 944), que determina ao bispo diocesano que a providencie «para testemunhar publicamente a adoração e a veneração para com a Santíssima Eucaristia, principalmente na solenidade do Corpo e Sangue de Cristo».
História
A origem da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo remonta ao século XIII. O papa Urbano IV, na época o cônego Tiago Pantaleão de Troyes, arcediago do Cabido Diocesano de Liège, na Bélgica, teria recebido o segredo da freira agostiniana Juliana de Mont Cornillon, que alegava ter tido visões de Cristo demonstrando desejo de que o mistério da Eucaristia fosse celebrado com destaque. Por volta de 1264, em Bolsena, cidade próxima a Orvieto (onde o já então papa Urbano IV tinha sua corte), teria ocorrido o episódio chamado de Milagre de Bolsena,[3] em que um sacerdote celebrante da Santa Missa, no momento de partir a Sagrada Hóstia, teria visto sair dela sangue, que empapou o corporal (pano onde se apoiam o cálice e a patena durante a Missa). O papa determinou que os objetos milagrosos fossem trazidos para Orvieto em grande procissão em 19 de junho de 1264, sendo recebidos solenemente por Sua Santidade e levados para a Catedral de Santa Prisca. Esta foi a primeira procissão do Corporal Eucarístico de que se tem notícia. A festa de Corpus Christi foi oficialmente instituída por Urbano IV com a publicação da bula Transiturus em 8 de setembro de 1264, para ser celebrada na quinta-feira depois da oitava de Pentecostes.
Para um maior esplendor da solenidade, desejava Urbano IV um Ofício para ser cantado durante a celebração. O Ofício escolhido foi composto por São Tomás de Aquino, cujo título era Lauda Sion (Louva Sião). Este cântico permanece até a atualidade nas celebrações de Corpus Christi.[4]
O decreto de Urbano IV teve pouca repercussão, porque o papa morreu em seguida, menos de um mês depois da publicação da bula Transiturus. Mas se propagou por algumas igrejas, como na diocese de Colônia, na Alemanha, onde Corpus Christi é celebrada desde antes de 1270. A procissão surgiu em Colônia e difundiu-se primeiro na Alemanha, depois na França e na Itália. Em Roma, é encontrada desde 1350.
A Eucaristia é um dos sete sacramentos e foi instituído na Última Ceia, quando Jesus disse: "Este é o Meu corpo... isto é o Meu sangue... fazei isto em memória de mim". Segundo Santo Agostinho, é um memorial de imenso benefício para os fiéis, deixado nas formas visíveis do pão e do vinho. Porque a Eucaristia foi celebrada pela primeira vez na Quinta-Feira Santa, Corpus Christi se celebra sempre numa quinta-feira após o vinho sangue de Jesus Cristo, em toda Santa Missa, mesmo que esta transformação da matéria não seja visível.
Corpus Christi é celebrado 60 dias após a Páscoa, podendo cair, assim, entre as datas de 21 de maio e 24 de junho.
No Brasil
No Brasil é um feriado facultativo comemorado pela religião Católica.[5]
Em muitas cidades portuguesas e brasileiras, é costume ornamentar as ruas por onde passa a procissão com tapetes de colorido vivo e desenhos de inspiração religiosa, costume este, iniciado pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. Esta festividade de longa data se constitui uma tradição no Brasil, principalmente nas "cidades históricas", que se revestem de práticas antigas e tradicionais e que são embelezadas com decorações de acordo com costumes locais.
Em Pirenópolis, Goiás tal celebração ocorre desde as primeiras décadas do século XVIII. quando foi criada a Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz do Rosário, que até hoje realiza as festividades. Nos séculos seguintes, a comunidade local agregou-se às celebrações a tradição dos tapetes de serragem colorida, areia, sementes e flores do cerrado, que cobrem as seculares ruas de pedra no Centro Histórico, com destaque a Rua Direita, primeira rua por onde passa a procissão de Corpus Christi, tradicionalmente realizada sempre ao amanhecer, antes da Missa solene, por costume cantada em latim [6]. Para que tudo fique pronto ao amanhecer, o tapete é confeccionado por centenas de voluntários entre o anoitecer de quarta-feira, varando a noite e a madrugada antes do amanhecer de quinta-feira de Corpus Christi. O costume dos tapetes foram mantidos mesmo sem a tradicional procissão em circunstâncias da pandemia do COVID-19 em 2020 e 2021 [7], voltando a procissão tradicional em 2022 [8]. No percurso da procissão, é costume antigo enfeitar-se altares para a adoração ao Santíssimo Sacramento, onde por alguns momento pausa-se a procissão e na ocasião é entoado em latim o cântico Tantum Ergo Sacramentum, composto no início do século XX por Eugênio Leal da Costa Campos, e executado pelo centenário Coro e Orquestra Nossa Senhora do Rosário [9]. É também neste dia que o Imperador do Divino recebe a Coroa do Divino, iniciando assim seu reinado para a realização da Festa do Divino de Pirenópolis do ano seguinte [10]. Por sua relevância à cultura local, em 2019, a celebração de Corpus Christi foi declarada Patrimônio cultural imaterial do município [11].
Em Castelo, no estado do Espírito Santo, no Brasil, as ruas são decoradas com enormes tapetes coloridos formados por flores, serragem colorida, grãos, mármore e granito, além de material reutilizado. Seus temas refletem pensamentos atuais, como a preservação do meio ambiente ou o abuso da mulher, muitas vezes com perguntas retóricas que levam o expectador a pensar e se questionar. No dia da festa a cidade chega a receber mais de 100 mil habitantes, movimentando sua economia e demonstrando o grande ato de fé cristã.
O município de Matão, em São Paulo, no Brasil, é famoso por seus tapetes coloridos feitos de vidro moído, dolomitas, serragem e flores que formam uma cruz que se estende por 12 quarteirões no centro da cidade onde passa a procissão da eucaristia, um espetáculo que reúne fé, tradição, arte e beleza. No ano de 2011, Matão realizou a 63ª edição do Corpus Christi, onde mais de 70 toneladas de materiais foram usados para compor os desenhos. A expectativa dos organizadores é que o evento atrairia um público total de 80 mil pessoas. A praça de alimentação do evento fica por conta das entidades filantrópicas da cidade.
A cidade de Mariana, em Minas Gerais, no Brasil, comemora a festa de Corpus Christi enfeitando as ruas com tapetes de serragem e pinturas. No município de Coronel Fabriciano, os fiéis realizam a montagem dos tapetes de serragem que marcam o percurso da procissão nas ruas da região central da cidade, saindo da co-catedral de São Sebastião. Tal manifestação mantém rituais originados na década de 1940 pela Paróquia São Sebastião e foi tombada como patrimônio cultural da cidade.[12]
As cidades paulistas de Jaguariúna, Monte Mor, Santo André, Santana de Parnaíba, São Joaquim da Barra, Igarapava-SP, Uberaba-MG, além da baiana Jacobina, também seguem o mesmo estilo, as ruas ao redor da matriz são enfeitadas com serragem, raspa de couro, areias coloridas - tudo o que a criatividade proporciona para este dia santo.
Em Caieiras, a juventude da cidade promove, com sua criatividade, tapetes que se estendem no trajeto da procissão deste solene dia, desde a Igreja Matriz de Santo Antônio até a Igreja de São Francisco de Assis, num trabalho que dura doze horas e que é coroado com a procissão luminosa em torno ao Santíssimo Sacramento.
Em Porto Ferreira, a festa tem como finalidade a partilha, em comunhão com as três paróquias da cidade. Arrecadam-se alimentos que integram os enfeites nas ruas por onde o Santíssimo Sacramento passa e, após a solenidade, são doados a famílias que são assistidas por pastorais, como a Pastoral da Criança e Pastoral da Saúde. Esta iniciativa é realizada desde 2008.
Em Borborema, em São Paulo, no Brasil, as ruas são decoradas com enxovais, bordados e artesanatos, produzidos pelas mais de 50 lojas e fábricas da cidade. Após a procissão, tudo é vendido e a renda revertida ao Lar de Idosos São Sebastião.
Em Ibitinga (SP), fiéis da cidade, conhecida como a 'Capital Nacional do Bordado', preparam tapetes feitos de tecidos bordados. Eles são colocados no espaço de 10 quarteirões na região da Igreja Matriz, por onde passa a procissão. O evento é realizado há mais de 35 anos na cidade e em média 50 mil pessoas prestigiam a festa a cada ano. Todos os anos a população doa produtos, como roupas de cama, mesa e banho, que são bordados pelas bordadeiras da cidade. Além disso, muitos voluntários ajudam na montagem dos tapetes.[13]
Em Vera Cruz (São Paulo), é tradição os tapetes de terra e serragem colorida. Desde 1937 a paróquia Sagrado Coração de Jesus organiza a decoração que cobre as ruas do centro da cidade, sendo um dos maiores tapetes do gênero no país, com mais de 700 metros de percurso e chegando a 30 metros de largura em alguns trechos.[14][15]
Em Cabo Frio (Rio de Janeiro), a principal avenida da cidade é decorada com tapetes feitos de sal, colorido com tintas especiais. Esse processo é acompanhado de perto pela igreja matriz Nossa Senhora de Assunção e, além de ser uma grande festividade religiosa, atrai os olhares de moradores e turistas de toda a região.
Em Portugal
Em Portugal tradicionalmente é dia feriado. Entre 2013 e 2015, o feriado foi retirado, mas regressou em 2016.[16]
Neste dia, em todas as 20 dioceses de Portugal fazem-se solenes procissões a partir da igreja catedral, tal como em muitas outras localidades, que são muito concorridas. Estas procissões atingem o seu esplendor máximo em Braga, Porto e Lisboa.
Ordenada por dom Dinis, a festa do Corpus Christi começou a ser celebrada em 1282, embora haja referências à sua comemoração desde os tempos de dom Afonso III. Em Portugal, a festa era antigamente celebrada com danças, folias e procissões em que o sagrado e o profano se misturavam. Representantes de várias profissões, carros alegóricos, diabos, a serpe, a coca, gigantones, ao som de gaitas de foles e outros instrumentos, desfilavam pelas ruas.[17] Das danças dos ofícios, em Penafiel, ainda se celebram o baile dos ferreiros, o baile dos pedreiros e o baile das floreiras.[18] Esta celebração tem uma conotação muito forte no Minho, particularmente em Monção e em Ponte de Lima. Em Ponte de Lima, a tradição d´O Corpo de Deus perdura já há vários séculos.
O Corpo de Deus é celebrado no 60º dia após a Páscoa, ou mais correctamente na Quinta-feira que se segue ao Domingo da Santíssima Trindade (que, por sua vez, é o primeiro Domingo a seguir ao Pentecostes) seguindo a norma canônica. A diferença prende-se no fato de, no dia posterior ao feriado nacional, realizar-se uma celebração, própria e exclusiva da vila, tendo sido decretado desde 1977 feriado para todos os Limianos.
As celebrações do Corpo de Deus realizam-se durante todo o dia, sendo os Limianos presenteados com uma procissão da parte da manhã e outra da parte da tarde em volta da vila e uma missa para todos os habitantes do Concelho no próprio dia, sempre ao meio-dia, na Igreja Matriz. Em Braga, é também tradição, desde 1923, a presença maciça de Escuteiros do Corpo Nacional de Escutas - Escutismo Católico Português, pois foi nessa procissão que os mesmos se apresentaram em público naquele ano.
Tapetes
Os tapetes de rua são uma tradição e manifestação artística popular realizada por fiéis da Igreja Católica, confeccionados para a passagem da procissão de Corpus Christi.
A tradição da confecção do tapete surgiu em Portugal e veio para o Brasil com os colonizadores.[19] Os desenhos utilizados são variados, mas enfocam principalmente o tema Eucaristia.
Para confeccionar os tapetes são utilizados diversos tipos de materiais, tais como serragem colorida, borra de café, pedras , farinha, areia, flores e outros acessórios.
Ver também
Referências
- ↑ «O que é Corpus Christi?». Brasil Escola. Consultado em 16 de junho de 2022
- ↑ «As diferenças entre a Religião Católica e a Igreja Ortodoxa - MONTFORT». www.montfort.org.br. Consultado em 16 de junho de 2022
- ↑ Milagre eucarístico de Bolsena
- ↑ Wikipédia em inglês. «Lauda Sion» (em inglês)
- ↑ «Corpus Christi». Calendarr. Consultado em 17 de julho de 2021
- ↑ «Globo Play Bom Dia Goiás: Ruas de Pirenópolis são tomadas pelos tapetes coloridos para o feriado de Corpus Christi». Consultado em 5 de junho de 2023
- ↑ «Folha de São Paulo: Corpus Christi em Pirenópolis (GO)». Consultado em 5 de junho de 2023
- ↑ «Estadão: Cidades turísticas retomam a tradição dos tapetes coloridos». Consultado em 5 de junho de 2023
- ↑ «Globo Play J.A. 1 : Fiéis católicos enfeitam as ruas de Pirenópolis no feriado de Corpus Christi». Consultado em 5 de junho de 2023
- ↑ «UOL: Cidades turísticas retomam a tradição dos tapetes coloridos». Consultado em 5 de junho de 2023
- ↑ «Irmandade do Santíssimo é declarada Patrimônio cultural e imaterial de Pirenópolis». Consultado em 18 de dezembro de 2019.
- ↑ Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) (dezembro de 2013). «Bens inventariados no município de Coronel Fabriciano» (PDF). Prefeitura. 1: 90–102. Consultado em 11 de junho de 2015. Arquivado do original (PDF) em 24 de setembro de 2014
- ↑ «Ibitinga realiza tradicional procissão de Corpus Christi com tapetes bordados». G1. Consultado em 17 de julho de 2021
- ↑ Marília, Do G1 Bauru e (3 de junho de 2015). «Região Centro-Oeste Paulista se prepara para o Corpus Christi». Bauru e Marília. Consultado em 17 de julho de 2021
- ↑ TEM Notícias 2ª Edição – Bauru/Marília | Mais de mil voluntários enfeitam as ruas de Vera Cruz no Corpus Christi Assista online | Globoplay, consultado em 17 de julho de 2021
- ↑ «Feriados religiosos repostos já este ano»
- ↑ Archivo pittoresco: semanario illustrado. [S.l.]: Tip. de Castro Irmão. 1860. 110 páginas
- ↑ «Instituto Camões» (PDF). Consultado em 13 de junho de 2009. Arquivado do original (PDF) em 21 de maio de 2013
- ↑ A origem da festa de Corpus Christi - Canção Nova. Acessado em 20 de junho de 2011
Ligações externas
- «Homilia da Solenidade de Corpus Christi pelo Papa João Paulo II»
- «Encíclica Ecclesia de Eucharistia – Papa João Paulo II»
- «Eucaristia – Solenidade de Corpus Christi»
- História da Solenidade de Corpus Christi, 2015 ACI Digital
- A Procissão na Cidade: reflexões em torno da festa do Corpo de Deus na Idade Média Portuguesa’, in A Cidade: Jornadas Inter e Pluridisciplinares, Actas I, Lisbon, Universidade Aberta, 1993, pp. 195-217, por Maria-João Branco
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