Justiça social
Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social.
O conceito surge em meados do século XIX, referido às situações de desigualdade social, e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da criação de proteções (ou desigualdades de sinais contrários), a favor dos mais fracos.[1][2]
Para ilustrar o conceito, diz-se que, enquanto a justiça tradicional é cega, a justiça social deve tirar a venda para ver a realidade e compensar as desigualdades que nela se produzem.[3] No mesmo sentido, diz-se que, enquanto a chamada justiça comutativa é a que se aplica aos iguais, a justiça social corresponderia à justiça distributiva, aplicando-se aos desiguais. O mais importante teórico contemporâneo da justiça distributiva é o filósofo liberal John Rawls.[4][5]
Em Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice), de 1971, Rawls defende que uma sociedade será justa se respeitar três princípios:
- garantia das liberdades fundamentais para todos;
- igualdade equitativa de oportunidades; e
- manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.
Cronologia
Segundo Ubiratan Borges de Macedo, a aplicação do termo "justiça social" seguiu a seguinte cronologia: inicialmente foi usada por Edward Gibbon, em Declínio e Queda do Império Romano, no século XVIII, no sentido de aplicação das normas de conduta justa numa sociedade. Em 1793, William Godwin, em Enquiry Concerning Political Justice, usou a descrição com o emprego atual, mas sob a denominação de justiça política. Em 1840, Luigi Taparelli D’Azeglio, em Saggio Teoretico de Diritto Naturale, filósofo jesuíta, foi o primeiro a usar o termo em sua atual concepção. Para ele, a justiça social se traduz na igualdade de direitos de todas as pessoas da forma em que todos os seres foram feitos pela natureza divina. Oito anos depois, Antonio Rosmini, em A constituição segundo a justiça social - o sacerdote, político e educador, difunde este conceito e a ideia passa a ser associada à doutrina social católica. A seguir, é o liberal John Stuart Mill, em Utilitarismo (1861) a aderir à ideia de justiça social e distributiva, como ele mesmo o diz, que atribui à sociedade o dever de tratar a todos igualitariamente considerando para isso aqueles que têm méritos iguais.[6]
Conceito
John Rawls
O professor e filósofo John Rawls apresenta contribuições importantíssimas na área da filosofia política, tendo em sua autoria diversos artigos e livros que trabalham a ideia de justiça na sociedade, sendo os principais: A Theory of Justice (1971), Political Liberalism (1993), The Law Off Peoples (1999), e Justice as Fairness: A Restatement (2001).
Em seu primeiro livro há um conjunto de oito capítulos que sistematizam os seus conceitos. A teoria da justiça de Rawls apresenta os princípios do que é justiça delimitando-a a partir da ideia de uma estrutura de democracia constitucional.
Para ilustrar e dar base a sua ideia de justiça equitativa, Rawls apresenta a ideia de posição inicial, indo ao encontro do conceito de estado de natureza usado pelos contratualistas.
A justiça equitativa de Rawls surge da busca por um ideal de justiça que de certa forma neutralize o modo de ser, social e biológico (no que diz respeito as habilidades naturais que dão vantagens aos indivíduos) que de algum modo pode ser arbitrário. Rawls utiliza do contrato social como método para estabelecer os dois princípios da justiça, sendo eles a liberdade e igualdade.
A teoria da justiça como equidade centra-se no individuo (muito por conta do víeis liberal do autor), porem esse não e o fundamento principal de sua ideia.
O centro da justiça como equidade esta em aceitar a justiça política, independente das variedades da moralidade existente entre elas.
Por fim, pode-se concluir que a obra de John Rawls fundamenta o conceito de justiça, atentando para as liberdades e direitos fundamentais, mas também buscando um bem comum, seja ele político, social ou econômico, assim como aponta o juiz federal e professor Ricardo Perligeno Mendes da Silva:
Crítica
Friderich August von Hayek
Friedrich August von Hayek concebe justiça social como uma expressão desprovida de sentido, apesar de possuir uma aura sacra. Além de ser um pleonasmo (pois justiça é um fenômeno social). Hayek também diz que o uso de justiça no termo é apenas porque trata-se de uma palavra eficiente e atraente. Para ele, os defensores da expressão promovem uma ideia de distribuição de riquezas ou bens que não apresentam um consenso: quando se considera como critério para tal as virtudes ou o mérito, nasce a necessidade de se determinar o que constitui o merecimento. Se distribuir pela necessidade, seria um ato de caridade, e isto seria inviável se não fosse orientado por regras formais. Se for pela igualdade, sem considerar as diferenças, todos os indivíduos seriam tratados como iguais.
Friedrich Hayek analisa justiça social no mesmo sentido da expressão justiça distributiva, porque, segundo ele, atualmente as duas são empregadas como equivalentes.[11] Para Hayek, a justiça social (ou, por vezes, a justiça econômica, por se tratar sempre de redistribuição de renda) passou a ser considerada algo que as ações da sociedade, ou o tratamento dado pela sociedade a indivíduos e grupos, deveriam ter.[12] Conforme o autor, a vinculação do termo ao tratamento dado pela sociedade aos indivíduos com base em merecimento cria um distanciamento com a justiça pura e simples, além de mostrar um vácuo no conceito.
Para Hayek, justiça social é uma miragem, algo inatingível, e a busca por esse ideal destruirá o único clima em que os valores morais tradicionais podem florescer, ou seja, a liberdade individual.[14]
Friedrich Hayek alega que a expressão justiça social não é ingênua, de boa vontade para com os menos afortunados, mas sim uma insinuação desonesta de que se tem o dever de concordar com uma exigência feita por algum grupo de pressão incapaz de justificá-la concretamente:
Referências
- ↑ Palacios, Alfredo L. (1954). La justicia social. Col: Biblioteca de ciencias económicas, políticas y sociales. 6. Buenos Aires: Editorial Claridad. OCLC 3127837
- ↑ Rudi 2008, pp. 7-9.
- ↑ La justicia social no puede ser ciega. USO SNIACE, Espanha, 17 de dezembro de 2006.
- ↑ «Kant, Rawls e a Fundamentação de uma Teoria da Justiça - Nythamar de Oliveira». www.geocities.ws. Consultado em 20 de novembro de 2021
- ↑ Maréchal 2003.
- ↑ D'ambrosio 2018.
- ↑ Rawls 1999, p. 17.
- ↑ Rawls 1999, p. 64.
- ↑ ab Mendes 1998, p. 8.
- ↑ Mendes 1998, p. 19.
- ↑ Hayek 2013, p. 87.
- ↑ Hayek 2013, p. 97.
- ↑ Hayek 2013, p. 99.
- ↑ Hayek 2013, p. 103.
- ↑ Hayek 2013, p. 134, cap. 9.
Bibliografia
- D’ambrosio, Ubiratan (2018). «Etnomatemática, justiça social e sustentabilidade». SciELO. Estudos Avançados. 32 (94): 189–204. ISSN 0103-4014. doi:10.1590/s0103-40142018.3294.0014. Consultado em 20 de novembro de 2021
- Hayek, F. A. (15 de outubro de 2013). Law, Legislation and Liberty: A New Statement of the Liberal Principles of Justice and Political Economy (em inglês). United Kingdom: Routledge. ISBN 9781134524464. Consultado em 20 de novembro de 2021
- Maréchal, Jean-Paul (2003). «L'éthique économique de John Rawls». Cairn.info. L'Économie politique. 17 (1): 94–112. ISSN 1293-6146. doi:10.3917/leco.017.0094. Consultado em 20 de novembro de 2021
- Mendes, Ricardo P. (1998). «Teoria da Justiça de John Rawls» (PDF). Senado. Revista de Informação Legislativa. Consultado em 20 de novembro de 2021. Cópia arquivada (PDF) em 22 de outubro de 2021
- Rawls, John (1999). A Theory of Justice (em inglês). United Kingdom: Oxford University Press. ISBN 978-0674000780. Consultado em 20 de novembro de 2021
- Rudi, Daniel M. (2008). Protección de testigos y proceso penal (em espanhol). Argentina: Astrea. ISBN 9789505088010. Consultado em 20 de novembro de 2021
Ver também
A Wikipédia tem os portais: |
Ligações externas
- A importância das normas constitucionais econômicas programáticas, por Américo Luís Martins da Silva. Revista da Procuradoria Geral do INSS, out.-dez. 2000.
- Justiça Social - Gênese, estrutura e aplicação de um conceito, por Luis Fernando Barzotto.
- Justiça Social, Eqüidade e Necessidade em Saúde, por Silvia Marta Porto.
- La OIT adopta histórica Declaración sobre la justicia social para una globalización equitativa. Organização Internacional do Trabalho. Comunicado à imprensa, 12 de junho de 2008.
- Declaración de la OIT sobre la justicia social para una globalización equitativa. 13 de agosto de 2008.
Sem comentários:
Enviar um comentário