O terceiro mês da guerra na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro, ficou marcado pela candidatura sueca e finlandesa à NATO, pelo crescente isolamento da Rússia e, no teatro de operações, pelo fim da resistência de Mariupol.
A guerra desencadeada pela invasão russa prossegue sem que se saiba o número de vítimas. Cada uma das partes anuncia diariamente que infligiu baixas ao inimigo, mas não há qualquer informação independente.
A ONU confirmou a morte de quase 4.000 civis, com a ressalva de que o número real deverá ser consideravelmente superior.
Alguns destaques do terceiro mês da guerra na Ucrânia:
Fábrica de morte
A cidade portuária de Mariupol (sudeste), começou a ser bombardeada logo após a invasão. O seu controlo permitiria à Rússia dispor de um corredor para a Crimeia e travar o comércio ucraniano pelo Mar de Azov.
Mas a sua conquista arrastou-se devido à resistência dos militares ucranianos, incluindo do Batalhão Azov, que se entrincheiraram com civis nos túneis da fábrica de aço Azovstal, um complexo de 10 quilómetros quadrados da era soviética.
Após negociações e a saída dos civis, os militares ucranianos cessaram os combates em 16 de maio, e começaram a abandonar os túneis. Os russos disseram que se renderam mais de 2.400 soldados e, na sexta-feira, anunciaram a "libertação na totalidade" de Azovstal e de Mariupol.
No dia seguinte, Zelensky revelou que França, Turquia, Suíça, Israel e a ONU estiveram envolvidas nas negociações sobre Azovstal e que espera que se siga uma troca de prisioneiros com a Rússia.
Em Moscovo, o Governo pediu à justiça que declare o Batalhão Azov como uma organização nazi terrorista e no parlamento pediu-se a suspensão da moratória da pena de morte para que possa ser aplicada aos seus membros.
A Amnistia Internacional já se manifestou alarmada com o destino dos militares da Azovstal.
Mais NATO na fronteira?
Ao lançar a invasão, o Presidente Vladimir Putin disse que queria impedir a adesão da Ucrânia à NATO e travar o que denunciou como o "cerco" que foi montado à Rússia pelo Ocidente desde o colapso da União Soviética, em 1991.
Mas o resultado pode ser o contrário. Em 18 de maio, Suécia e Finlândia puseram fim ao seu histórico não-alinhamento e candidataram-se à Aliança do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
A Rússia, com uma fronteira terrestre de 1.340 quilómetros com a Finlândia e uma fronteira marítima com a Suécia, reagiu com o anúncio da criação de 12 bases na sua fronteira ocidental até ao final do ano.
A invasão russa acabou, assim, por unir e fortalecer uma organização que o Presidente francês, Emmanuel Macron, tinha declarado em "morte cerebral" há pouco mais de um ano.
Além disso, abriu a possibilidade de a NATO passar a ter 32 membros, precisamente o dobro dos que tinha antes da adesão de ex-repúblicas soviéticas.
Para isso, só falta convencer a Turquia, que ameaçou vetar a entrada dos dois países por acolherem elementos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um grupo terrorista em Ancara.
ONU "sob fogo"
António Guterres foi a Moscovo em 26 de abril, e Putin sentou-o na mesa de seis metros que tem usado para manter os líderes ocidentais à distância.
O encontro serviu, essencialmente, para Guterres tentar um acordo sobre a retirada de civis de Mariupol.
Dois dias depois, em Kiev, visitou locais onde terão ocorrido massacres de civis por forças russas. No meio da destruição, pediu a investigação de eventuais crimes de guerra e emocionou-se ao imaginar as netas a fugir em pânico, para concluir que "nenhuma guerra é aceitável no século XXI".
Em seguida, reuniu-se com o Presidente Volodymyr Zelensky, a quem deu conta da conversa com Putin, e confessou o que sentia por a "sua" ONU não ter evitado a guerra.
"Deixe-me ser bem claro: o Conselho de Segurança falhou em fazer tudo o que estava ao seu alcance para prevenir e acabar com esta guerra. Esta é uma fonte de grande deceção, frustração e raiva", admitiu.
Enquanto estava em Kiev, as forças russas atacaram a cidade e um míssil destruiu um prédio não muito longe do hotel de Guterres, matando uma jornalista ucraniana que ali vivia.
Para Zelensky, o ataque visou humilhar a ONU, mas Guterres, embora chocado, preferiu vê-lo como um desrespeito para com o povo ucraniano.
Crimes de guerra
No último mês, cresceram as suspeitas sobre a prática de crimes de guerra na Ucrânia e aumentaram os apelos para uma investigação internacional.
As autoridades ucranianas disseram que estão a investigar mais de 18.000 suspeitas de crimes e o Tribunal Penal Internacional mobilizou 42 especialistas para a Ucrânia, a sua maior missão de sempre em termos de efetivos.
Em Kiev, começaram os julgamentos de soldados russos acusados de crimes de guerra e, no primeiro caso, o Ministério Público pediu prisão perpétua para um militar de 21 anos, que pediu perdão à viúva do ucraniano de 62 anos que admitiu ter matado.
Uma mão com quase nada
Antes do Dia da Vitória (09 de maio), em que a Rússia celebra a vitória sobre a Alemanha nazi, especulou-se muito sobre o que Putin iria dizer: se anunciaria uma vitória na Ucrânia (talvez a conquista de Mariupol?), se declararia formalmente a guerra (Moscovo diz ser apenas uma "operação militar especial") ou se teria outro gesto que arrebatasse o povo russo.
Afinal, pouco mais disse do que repetir as razões para ter ordenado a invasão e enumerar os inimigos da Rússia, num palco sem líderes estrangeiros.
Apesar do colorido da Praça Vermelha, a celebração pareceu tão cinzenta quanto as nuvens que impediram a exibição do avião que pode salvar Putin de um ataque nuclear.
No Parlamento Europeu, Macron aproveitou o Dia da Europa (também 09 de maio) para propor a criação de uma "comunidade política europeia", em que caberia a Ucrânia, mas também o Reino Unido, que abandonou a UE.
Nações hostis
Por ter expulsado cinco funcionários diplomáticos russos, Portugal foi alvo de uma medida de retaliação, com a ordem de expulsão do mesmo número de elementos da embaixada em Moscovo, como aconteceu com outras "nações hostis".
Lisboa repudiou a medida e disse que, ao contrário dos russos que expulsou, os funcionários portugueses em Moscovo "levavam a cabo atividades estritamente diplomáticas, em absoluta conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas".
Destino: Kiev
António Costa passou a integrar, desde sábado, a lista de dirigentes de países ocidentais que foram a Kiev.
O primeiro-ministro português viu a destruição na cidade próxima de Irpin antes de se reunir com Zelensky e com o seu homólogo Denys Shmyhal, com quem assinou um acordo para um apoio financeiro de 250 milhões euros.
Kiev tem sido um dos destinos mais procurados por dirigentes ocidentais, incluindo quatro chefes de Estado, uma dúzia de chefes de governo, os líderes das instituições da UE, presidentes de parlamentos, chefes de diplomacia e o secretário-geral da ONU, entre outros visitantes, como a banda U2, que tocou numa estação de metro da capital ucraniana alguns dos seus temas mais conhecidos, de 'Sunday Bloody Sunday' a 'Stand by Me'.
Regresso a casa
Desde muito cedo que a ONU alertou que a Europa estava a enfrentar a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e os números foram sempre em crescendo: mais de 6,3 milhões de pessoas já fugiram da Ucrânia.
A estes, juntam-se cerca de oito milhões de deslocados internos, o que significa que a guerra desalojou mais de 14 milhões de pessoas.
Com o recuo das forças russas, cada vez mais pessoas estão a fazer a viagem de regresso, para cidades que recuperaram a normalidade possível, e há relatos de transportes esgotados na Polónia.
Em Portugal, o parlamento vai discutir, em 01 de junho, o acolhimento de refugiados ucranianos por cidadãos russos alegadamente ligados ao regime de Putin, na sequência de um caso detetado em Setúbal e noticiado pelo semanário Expresso.
As comparações entre o acolhimento dado pela Europa a ucranianos e o que dá a refugiados de outras origens também continuam. O presidente da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, Francesco Rocca, denunciou recentemente que há "dois pesos e duas medidas".
Guerra para durar?
Os serviços de informações militares ucranianos disseram que a guerra pode durar até ao fim do ano e os EUA admitiram que Moscovo quer levar o conflito para a Transnístria, na Moldova.
Há "a perceção de todos de que há uma guerra que está para continuar", sintetizou a ministra da Defesa portuguesa, Helena Carreiras, em 17 de maio, em Bruxelas.
Por isso, continuam os pedidos ucranianos para fornecimento de armas, a que já responderam 25 países, incluindo Portugal.
Os EUA aprovaram mais um pacote de ajuda militar e humanitária de 40.000 milhões de dólares (cerca de 37.800 milhões de euros) e a UE anunciou mais 500 milhões de euros para "armas pesadas".
Com tantos apoios, a Rússia queixou-se de estar a ser alvo de uma "guerra por procuração" por parte do Ocidente.
E se até há pouco tempo o mundo se afligia com a escassez de vacinas anticovid-19, agora fala-se em acelerar a produção de armas.
Fome no mundo
Também se fala de fome no mundo. Ou melhor, do medo da fome como consequência de uma crise global.
Em conjunto, segundo a revista britânica The Economist, Rússia e Ucrânia fornecem 28% do trigo consumido no mundo, 29% da cevada, 15% do milho e 75% do óleo de girassol. Para agravar a situação, a Índia suspendeu as exportações de trigo devido a uma onda de calor.
No último mês, a Rússia cortou fornecimentos de energia a alguns países e anunciou a suspensão da exportação de cereais.
"Os países importadores do nosso trigo e outros alimentos vão ficar muito mal sem os abastecimentos da Rússia. Nos campos europeus, sem os nossos fertilizantes vai crescer apenas erva daninha. Pois, temos pena", ameaçou o vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitri Medvedev.
Um conselheiro do Kremlin revelou que a Rússia estava preparada para a crise alimentar mundial provocada pela guerra desde o final de 2021, quando negava pretender atacar a Ucrânia.
Os alertas para a crise têm-se multiplicado, e a diretora do FMI, Kristalina Georgieva, avisou recentemente que esta guerra "precipitou uma série de consequências económicas e sociais pelo mundo".
Eurovisão nas trincheiras
Era uma vitória esperada, mas não deixou de emocionar os ucranianos: o grupo Kalush Orchestra foi a Turim cantar "Stefania" e venceu o festival da Eurovisão com os votos do público europeu.
A canção é dedicada às mães ucranianas e a vitória foi aplaudida por Zelensky - "a nossa coragem impressiona o mundo, a nossa música conquista a Europa", escreveu - e por vários líderes europeus.
Nos dias seguintes, as televisões mostraram imagens de soldados ucranianos, emocionados, a cantar "Stefania" nas trincheiras.
*Por Paulo Alves Nogueira, da agência Lusa
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