Sara Antunes de Oliveira
Editora de SociedadeQuarta-feira, 29 janeiro 2020
Editora de SociedadeQuarta-feira, 29 janeiro 2020
Enquanto dormia…
… a British Airways suspendia todos os voos para a China continental, depois de o número de casos ter ultrapassado a epidemia da SARS e de as mortes confirmadas terem saltado para as 132. E esperava-se ainda a confirmação daquela que poderá ser a maior venda do Sporting — e, possivelmente, a segunda maior em Portugal, depois dos 126 milhões de João Félix —, com a saída provável de Bruno Fernandes para o Manchester United. O jogador diz que “ainda não é momento” para despedidas, mas, por via das dúvidas, a CMVM suspendeu a negociação de ações do Sporting, enquanto espera por “informação relevante”. Na política, depois de o Livre ter proposto a restituição de obras de arte das ex-colónias que estejam em museus portugueses, André Ventura defendeu que Portugal devia devolver Joacine Katar Moreira à Guiné Bissau. E no Observador seguimos a pista da entrada de Isabel dos Santos na Galp, num negócio que está sob suspeita. Se é portista, também lhe deve interessar isto: ontem, o Futebol Clube do Porto ainda esteve a perder, mas acabou por ganhar ao Gil Vicente. Como bem resume a Mariana Fernandes, depois de, no fim de semana passado, um Sérgio (o Conceição) quase ter abandonado o barco, outro Sérgio (o Oliveira) agarrou no leme.
Como Isabel dos Santos comprou parte da Galp
Imagine que quer comprar uma galinha e pede a um amigo que a compre a meias consigo. Como não tem todo o dinheiro para pagar a parte que lhe cabe a si, pede a esse amigo que lhe faça um empréstimo a juros baixos. Depois, é você quem fica com todos os ovos — ou, pelo menos, com a maior parte — que a galinha puser. E quando tiver de acertar contas, por causa do tal empréstimo que recebeu, ainda tem direito a um perdão de 12 milhões de euros. Preço de amigo.
A analogia é fácil, eu sei — foi a própria Isabel dos Santos a contar ao Financial Times que, em criança, vendia ovos para financiar o seu gosto por doces —, mas esta poderá ser a história da entrada da empresária angolana na Galp, que começou a ser desenhada em 2005. A galinha é a petrolífera portuguesa — cujos 6% de participação indireta de Isabel dos Santos valerão hoje cerca de 702 milhões de euros. O amigo é a petrolífera angolana Sonangol, que entrou no negócio como parceira e financiadora; e os ovos são as centenas de milhões de euros de dividendos daquela participação, que, alegadamente, a empresária geriu diretamente e que, em parte, ninguém sabe onde estão.
O Luís Rosa esteve a ler os documentos revelados em primeira mão pelo Maka Angola, do ativista Rafael Marques, e pelo trabalho do Luanda Leaks do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, do qual fazem parte o Expresso e a SIC. E reconstituiu o negócio, que acabaria por formar a Amorim Energia, logo a partir da primeira pergunta: quem negociou, afinal, com Américo Amorim, o empresário que morreu em julho de 2017? Há três respostas oficiais e todas são diferentes.
Por falar em Galp, esta segunda-feira o Observador também noticiou que, no caso das viagens pagas ao Euro 2016, os responsáveis da petrolífera deverão ser julgados, mas os políticos acusados de recebimento indevido de vantagem (incluindo dois antigos secretários de Estado) só vão ter de pagar multas, no total de 20 mil euros. A decisão, surpreendente, é do procurador do Ministério Público, depois de a juíza de instrução ter proposto, em outubro, que todos os arguidos tivessem tratamento igual, beneficiando de uma suspensão provisória do processo.
E voltando a Isabel dos Santos, também há notícias sobre o EuroBic — onde a sua presença não agrada ao BCE. Esta quarta-feira, a Ana Suspiro conta que, oito anos depois de vender o BPN ao banco que tem (ainda) a empresária angolana como a maior acionista, o Estado ainda está a pagar. O negócio foi feito em 2012, mas o Estado continua a ser chamado a assumir custos, que, este ano, podem atingir os 55 milhões de euros. E para além dos encargos com a execução do contrato, há conflitos em tribunal arbitral e créditos tóxicos devolvidos pelo EuroBic que podem engrossar a conta.
Casos de coronavírus ultrapassam infetados com SARS. British Airways suspende viagens
O número de mortes e de casos confirmados de coronavírus dentro e fora da China continua a subir, depois de a Alemanha a dar conta de três novos doentes, todos relacionados com o primeiro identificado na Baviera, e as autoridades chinesas terem confirmado mais 26 mortes na província de Hubei. O balanço mais recente dá conta de 132 mortos e quase seis mil doentes infetados. O número de casos supera, assim, os registados durante a epidemia da SARS, que afetou 5.237 pessoas e fez 774 mortos entre 2002 e 2003. Há ainda mais de nove mil casos suspeitos.
Já esta manhã, a British Airways anunciou a suspensão de todos os voos de e para a China continental, como medida de prevenção. Em Portugal, onde um caso suspeito acabou por ser despistado, a ministra da Saúde garantiu que os hospitais estão preparados para lidar com uma eventual epidemia.
A proposta “racista” de André Ventura e o “sexismo” de Chicão sobre Joacine Katar Moreira
Depois de o Livre ter proposto a restituição às ex-colónias do património guardado em museus portugueses — medida que já constava do programa do partido —, o deputado único do Chega comentou a ideia no Facebook com uma contraproposta: “Eu proponho que a própria deputada Joacine seja devolvida ao seu país de origem”, escreveu André Ventura, o deputado que na sua tese de doutoramento, em 2013, criticava “a discriminação das pessoas com base na sua origem e nas suas características étnicas e religiosas”.
O comentário provocou reações imediatas:
- o Bloco de Esquerda fez saber que vai propor um voto de condenação na Assembleia da República. No Twitter, o deputado Pedro Filipe Soares considerou que o comentário de André Ventura é uma expressão de “racismo e falta de noção democrática”;
- também no Twitter, André Silva, do PAN — que também tem a restituição de património às ex-colónias no seu programa eleitoral —, criticou as declarações “abjetas” de Ventura, depois de o partido ter também repudiado o “discurso de ódio” e os “comentários racistas”;
- a líder das Mulheres Socialistas juntou-se às críticas, mas parece ter-se arrependido. No Facebook, na terça-feira, Elza Pais escreveu que as declarações do líder do Chega são também sexistas e “um atentado à dignidade de todas e todos nós, à dignidade da pessoa humana”, “absolutamente intolerável”. A publicação da deputada socialista foi entretanto apagada.
E isto já depois de o próprio Livre ter lamentado os “contínuos ataques de caráter e referências de índole racista” que “têm como alvo” a deputada única representante do partido. Em comunicado, além das “palavras deploráveis e racistas” de André Ventura, o partido critica também “as declarações sexistas e deselegantes” de Francisco Rodrigues dos Santos, o líder do CDS-PP eleito este fim de semana, que, depois de um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, disse que “no CDS não há Joacines”.
Em contraciclo, o Iniciativa Liberal preferiu pôr-se à margem da polémica. No Twitter, André Cotrim Figueiredo disse que está “saturado”, quer de quem tenta reescrever a história “ao gosto de visões identitárias”, quer do aproveitamento político do “racismo”, falando em “criancices políticas” e num “triste espetáculo” em que recusa participar.
No meio dos ataques, perdeu-se a discussão sobre a proposta propriamente dita, de devolver às ex-colónias o património que esteja em museus ou arquivos nacionais. Que património seria esse, onde está guardado e em que condições veio para Portugal? Segundo a proposta do Livre, isso ainda está por apurar e será o trabalho de uma “comissão multidisciplinar” composta não apenas por “museólogos, curadores, investigadores científicos”, mas também por “ativistas antirracistas”.
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