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VALDEMAR CRUZ
JORNALISTA
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Nem sempre as palavras valem apenas pelo que significam. Condiciona-as o contexto. Afeta-as as circunstâncias. Influencia-as o sujeito emissor. Uma mesma palavra pode ser inócua e marcada por escasso significado simbólico, ou transformar-se em agente transformador, estimular movimentos e causas, impor-se como hino, de uma geração, de uma causa, de um povo.
Nas últimas horas tem-se falado muito de RESPEITO. A morte de Aretha Franklinmotivou a recuperação de algumas das suas histórias de vida e inúmeras canções. Muito em particular “Respect”. Como quase sempre, nos detalhes pode estar o segredo de toda uma vida. Constatar, como tem sido feito, que a canção foi escrita por um homem para ser cantada por um homem, é um pormenor curioso. Porém, esgota-se em si mesmo se não for contada a história toda e, muito em particular, o modo como o génio de Aretha transformou uma canção na origem marcada por um profundo machismo, num glorioso hino, não apenas da causa feminista, mas da luta dos negros, de todos os combates pela emancipação, de todas as causas inspiradas na dignidade dos povos. E tudo isto não apenas pela poderosa carga reivindicativa de um conjunto de versos, mas sobretudo pela força e o magnetismo de uma voz e da sua capacidade interpretativa.
Na origem está um desconsolado Otis Redding. Escreveu “Respect” em 1965 como uma espécie de lamento do homem que chega a casa depois do trabalho e considera que a mulher não o recebe com a devida vénia e submissão. Segundo alguns biógrafos, a ideia para a canção terá surgido a Redding quando, no regresso a casa após mais uma longa digressão, terá sentido que a mulher não o teria recebido e tratado como esperaria. Ao que parece, terá desabafado com o seu baterista, Al Jacson Jr., que, ao dar-lhe razão, terá dito: “Andas sempre na estrada. Tudo o que podes esperar é um pouco mais de respeito quando chegas a casa”.
Estava dado o mote. Otis compôs a canção e ofereceu-a a Speedo Sims, seu “manager” e membro da banda The Singing Demons. O azar de uns é a sorte de outros. Neste caso, do mundo todo. Sims, percebeu-se rapidamente, não tinha voz para aquela canção e acabou por não a gravar. Gravou-a Otis Redding e publicou-a, com escasso sucesso, no álbum “Otis Blue”, de 1965.
Dois anos depois, “Respect” chegava a Aretha. Canção e cantora precisavam-se. Buscavam-se há muito sem o saberem. O momento do encontro é um instante fundamental da história da música popular norte-americana. Sendo a mesma, a canção passou a ser outra. Aretha transformou-a. Aumentou-lhe o ritmo e fez algumas mudanças fundamentais. Uma delas passou por assumir o papel da mulher que espera em casa, cansada, às vezes desprezada, tantas vezes humilhada, menosprezada, tratada sem dignidade. De repente, o que não passava de uma lamechice sobre o varão que pretende ter em casa uma criada para todo o serviço, passa a ser um grito pela dignidade. Transforma-se no clamor de uma mulher que exige respeito.
“Respect” impõe-se num momento de grandes convulsões políticas e sociais. Os EUA vivem a guerra do Vietname, a luta pelos direitos civis dos negros, o combate pela emancipação das mulheres, e o que começa por ser um grito com repercussões locais, projeta-se para uma escala global. Afinal, nos EUA como em qualquer recanto do mundo, como se verá ao longo deste Exresso Curto, haverá sempre alguém, uma mulher, um homem, um trabalhador, uma criança, todo um povo para quem uma só palavra poderá significar uma profunda mudança de vida: RESPEITO.
Morreu Aretha Franklin. Tinha 76 anos. Chamavam-lhe a rainha da “soul” e o obituário está mais do que feito. Agora, a melhor recordação é ouvi-la. Aqui ficam cinco possíveis viagens – entre muitas outras possíveis - ao mundo musical de Aretha. Para ver e ouvir:
- Respect
- Think
- (You can make me feel like) A Natural Woman
- A Chain of Fools
- Son of Preecher Man
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OUTRAS NOTÍCIAS
O Vaticano chama “criminosos” aos padres acusados da prática de abusos sexuais. “Vergonha e dor” é o sentimento expresso depois de a Corte Suprema da Pensilvânia, nos EUA, ter publicado um relatório que documenta 300 casos de pederastia praticados por sacerdotes católicos.
No Brasil começou a que já é tida como a mais inusitada campanha eleitoral da história do país. Lula da Silva é o candidato oficial do PT e está agora em curso mais uma batalha judicial que levará, ou ao retirada, ou à confirmação da candidatura do homem que está há dois anos consecutivos a congregar uma grande superioridade nas intenções de voto. Há treze candidatos inscritos e, caso se confirme o afastamento de Lula, o Brasil corre o sério risco de poder vir a ter um ex-militar nacionalista de extrema direita a posicionar-se como sério candidato á presidência. Jair Bolsonaro defende a ditadura brasileira, a tortura e a liberdade para o uso e porte de armas. Para já recebe 17% das intenções de voto.
O ex-diretor da CIA, John Brennan, a quem Donald Trump retirou o acesso a temas de segurança, escreveu no New York Times que o presidente dos EUA “está desesperado para se proteger a si próprio e os seus próximos”. O embate entre Brennan e Trump tem como pano de fundo as investigações sobre a suposta influência da Rússia nas eleições presidenciais de 2016.
Continuam os efeitos da queda de parte da ponte Morandi, em Génova. 660 pessoas tiveram de abandonar as suas casas. Há o risco de outro pilar ruir. Depois de Matteo Salvini, Primeiro Ministro italiano, ter acusado a União Europeia de, com os seus cortes orçamentais levar ao desinvestimento em infraestruturas, veio a resposta da UE, com os números sobre os apoios que têm sido dados a Itália.
A Hungria quer acabar com os mestrados em estudos de género nas universidades magiares a partir de 2019. Dois caminhos poderão levar à extinção dos programas nas universidades: através do fim do financiamento da parte do ministério de Educação ou com a revogação da licença do título universitário em causa. A decisão será tomada no final do mês.
Um adolescente Afeganistão que receava ser perseguido no seu país por ser homossexual viu o seu pedido de asilo rejeitado pela Áustria depois de um oficial ter afirmado que o rapaz não “anda, age ou veste” como um homossexual. Assim, não haveria fundamento para temer uma perseguição baseada na sua orientação sexual.
As forças israelitas de ocupaçãopermitiram finalmente a entrega de 10 toneladas de correio acumulado ao longo de oito anos e que estava bloqueado na Jordânia desde 2010. Os serviços postais de Jericó, na Cisjordânia, terão agora de se organizar para iniciar uma imensidão de correio acumulado que inclui cartas pessoais, encomendas, medicamentos e até uma cadeira de rodas.
Duas grandes empresas alemãs, A Deutsche Bahn e a Deutsche Telekom,preparam-se para abandonar o Irão com receiodo que possam ser as retaliações impostas pelos EUA. A Deutsche Telekom estava no Irão através da Detecon, uma empresa de serviços de consultadoria a outras companhias do setor. A Deutsche Bahn, detida pelo Estado germânico, tem dois projetos ferroviários em território iraniano.
Os principais responsáveis pelas 350 mais importantes empresas dos EUA ganharam, em 2017, 312 vezes mais do que a média dos seus trabalhadores, segundo um relatório publicado pelo Economic Policy Institute. Em 1965, a diferença de remunerações era de 20 para 1. O pico de distância foi atingido no ano 2000, quando um CEO ganhava 344 vezes mais do que a média dos seus trabalhadores.
A Índia pretende enviar um astronauta para o espaço em 2022, afirmou o Primeiro Ministro Narenda Modi durante o discurso anual da independência. Naquele ano,a Índia celebrará 75 anos como país independente. Vários astronautas indianos participaram já em missões da NASA.
POR CÁ
Termina hoje a greve geral de cinco dias dos enfermeiros, convocada pelo Sindicato Independente Profissionais de Enfermagem (SIPE) e pelo Sindicato dos Enfermeiros (SE). Os enfermeiros contestam a não conclusão de um acordo coletivo de trabalho que contemple principalmente a categoria de enfermeiro especialista, e exigem, ainda, o descongelamento da carreira.
Vinte e nove concelhos dos distritos de Bragança, Vila Real, Guarda, Viseu, Castelo Branco e Faro estão hoje em risco máximo de incêndio. O aviso amarelo devido ao calor foi alargado a 15 distritos e estendido até ao final de domingo, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Faro juntou-se à lista dos distritos que o IPMA tinha colocado em aviso amarelo e agora só Bragança, Vila Real e Viseu não estão incluídos. O aviso tem início às 10:00 de sábado e prolonga-se até às 22:00 de domingo.
Começam hoje as festas da Agonia, em Viana do Castelo. Mais de 630 mordomas, de cinco países, vão desfilar hoje, às 16:00, pelas principais ruas da cidade, com todos os trajes de festa, no primeiro de quatro dias da Romaria d'Agonia.
Quando tinha o pássaro na mão, o Sp. De Braga deixou-o fugir. Empatou em casa 2-2 com os ucranianos do Zorya e, face ao resultado de 0-0 na primeira mão, foi afastado da possibilidade de competir na Liga Europa.
No dia 17 de agosto de 1943 era assinado o acordo secreto luso-britânico para a utilização dos Açores no contexto das operações da II Guerra Mundial.
PRIMEIRAS PÁGINAS
Bastonária (da Ordem dos enfermeiros) aumenta salário e com dois anos de retroativos – JN
Bancos emprestam 47 milhões por família – Público
Aretha Franklin. Morreu a voz de respeito – Jornal I
Benfica esconde saúde de Vieira – Correio da Manhã
Metro financia expansão com venda de património – Negócios fim-de-semana
FRASES
“Ainda há quem olhe para nós com o estereótipo dos coitadinhos”. Ana Sofia Antunes, secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, no jornal I
“A criação de um memorial às pessoas escravizadas, na Ribeira das Naus, é de uma importância primordial”. João Figueiredo, antropólogo, no Público
“Para termos uma sociedade mais justa são precisos indivíduos melhores. Mas isso não passa pela transformação da esquerda numa seita de inadaptados exemplares”. Daniel Oliveira, colunista, no Expresso Diário.
O QUE ANDO A VER (E A LER…)
Mais do que ler, tenho andado a ver cinema. Poderá parecer paradoxal, mas leio menos em férias. Terminaram ontem e ficaram marcadas por um regresso à leitura de excertos (sempre corrosivos e bem humorados) de D. Quixote de La Mancha, (aqui uma muito boa incursão no universo de Cervantes) cruzados com incursões nos “60 contos” de Dino Buzattie “Todos os Contos”, de Clarice Lispector. Tudo obras maiores, das quais me abstenho de dar mais pormenores porque, na verdade, o que quero é falar de cinema.
Começarei por dizer que ando cansado da monótona rotina das séries de televisão. O que vou escrever a seguir não será simpático, nem para um habitual seguidor de séries, como eu, mas começa a consolidar-se em mim a ideia de que, no geral, são muito reacionárias. Calma. Também poderia ir por aí, mas nem me estou a referir a questões políticas ou ideológicas. Fico-me, por agora, apenas pela constatação de que na reprodução dos seus modelos narrativos, revelam um conservadorismo confrangedor. De alguma forma, repetem à exaustão estruturas narrativas, muito ao estilo das novelas do século XIX, sem qualquer arrojo estético. Sem capacidade, vontade, ou interesse em suscitar questionamentos passíveis de afastarem espetadores. Tudo muito regular, muito dentro da norma, Nada de colocar em causa o “status quo”. Algumas exceções, como “Black Mirror”, na Netflix, confirmam a regra.
Por isso quero falar de cinema e das possibilidades imensas proporcionadas por novas plataformas, como a Filmin. Descobri-a há dias e estou ainda na fase experimental. O momento em que durante um mês se pode experimentar de graça. Mas já foi possível ver uma meia dúzia de filmes notáveis, quase impossíveis de encontrar nas nossas salas de cinema, talvez com exceção de Lisboa e Porto. Vocacionada para a apresentação de cinema independente, clássico e de autor, arrancou com um catálogo de mais de meio milhar de filmes. Criada em Espanha em 2008 a partir da associação de um grupo de produtores independentes, estendeu-se depois para o México e está há uns meses em Portugal. Com uma mensalidade de €6.95 oferece um conjunto riquíssimo de filmes de inúmeras nacionalidades, com novas perspetivas, novas abordagens, novas formas de ler o mundo. Foi isso que me permitiu ver o belíssimo “A Criada” (2016), do sul-coreano Chan-wook Park, situado na Coreia, nos anos de 1930, durante a ocupação japonesa. Ou o cruelmente emocionante “Zifret”, (2014), do etíope Zeresenay Mehari. Ou ainda o perturbante “Deephan” (2015), do francês Jacques Audiard, que toma como ponto de partida a fase final da guerra no Sri Lanka e o modo como três pessoas, um homem, uma mulher e uma pré-adolescente, sem se conhecerem, fazem de conta que são uma família para conseguirem asilo em França.
O catálogo de Filmin é tão vasto quanto desafiador, pelo modo como incentiva à descoberta. Inclui uma grande quantidade de filmes portugueses, como “Cartas da Guerra”, de Ivo M. Ferreira, “Sangue do meu Sangue”, de João Canijo, “As Mil e uma Noites” e “Tabu”, de Miguel Gomes, ou “A Fábrica de Nada”, de Pedro Pinho, este a partir de 1 de outubro. Mas é também muito forte nos documentários, ou nas curtas-metragens, sempre em associação com alguns dos principais festivais de cinema nacionais e internacionais. Para quem não tem uma televisão onde possa ser instalada a aplicação, o acesso faz-se através de computador.
Por hoje é tudo. Tenha um resto de dia e um fim de semana recheado de leturas, por exemplo aqui no Expresso e resguarde-se do calor.
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