Salvar pessoas e defender casas. Esgotados, os bombeiros continuam a combater no incêndio que lavra em Monchique. O terreno e o vento são dois inimigos poderosos que ajudam o fogo a alastrar com rapidez. “Só pára quando chegar ao mar”. A reportagem do Expresso junto de homens que aprenderam a lidar com a impotência
Sentado num enorme calhau, estava derrotado com os olhos cravados no chão e as mãos coladas. A farda vermelha castigada ainda sobressaía daquele cenário cinzento. “Tivemos de fugir lá de baixo, as duas frentes juntaram-se. Não vale a pena, não há condições. Esta merda vai queimar tudo. Só pára quando chegar ao mar...”
Mais abaixo está outra corporação. Uns estão sentados no rail, outros deitados no asfalto. Estão esgotados, mas em alerta. E não dispensam o bom humor. Dois deles são mais faladores. A missão é salvar pessoas e defender casas. Já viram alguns barracões antigos a arder, assim como algumas carcaças de animais. “Esta tarde, uns deram de caras com um javali, tiveram de fugir. Só se ouvia no rádio ‘cuidado com o javali, cuidado, ele tem mais de 100 quilos’”, unem-se nos risos.
Estes homens aprendem a arte da paciência. Sabem lidar com a impotência. “Já se vê ali. Não tarda está aqui. Com estas pedras todas, é complicado subir até ali. Só para o homem-aranha e mesmo assim… Às vezes é melhor assim: deixar arder, esperá-lo e controlá-lo. É triste, mas é assim”, admite.
Naqueles quase 60 minutos que por ali estivemos, o fogo aproximou-se a uma velocidade assinalável. “Já se veem ali as árvores a abanar, é o calor, as pressões, está perto.” Do outro lado da estrada, lá ao fundo, havia apenas um pequeno foco. Alguns quartos de hora depois, já se vislumbravam outros focos, mais musculados e raivosos.
“O problema disto é o vento. De repente, vês umas árvores a dobrar para a esquerda, outras para a direita, outras dos dois lados. Vai para um lado, depois muda. Os acessos também são um problema.”
Algo que dizem ter mudado desde a tragédia de Pedrógão Grande é a qualidade da comunicação. O rádio não falha, o reforço de sinal foi eficaz.
Os turnos são de oito, nove horas. Mas a labuta não fica por aí, já que ficam de alerta nos quartéis. Aqui e ali, dá para dormitar.
A conversa volta sempre ao fogo. Apontam, gesticulam, analisam, desmontam a besta. As projeções são dramáticas. Pior: quando as chamas caminham de cúpula em cúpula é quando o perigo está mais disfarçado. É que os bombeiros não veem o fogo por cima, ocupados com o que se passa no solo. Se o vento pára, cai-lhes em cima o que arde. É um dos cenários que mais temem. “Esta tarde, aqui perto, fartei-me de ver tornados de fumo. Fazia remoinho.”
Alguns destes homens, bombeiros há 25, 16, 13 e 12 anos, estiveram no fogo de 2003, em Monchique. Lembram o drama que foi em Perna da Negra, o lugar onde começou este incêndio. Há 15 anos, o fogo, com mão criminosa, devastou 78% do concelho de Monchique.
Enquanto eles lidam com a angústia de esperar para ver, o vento dota o fogo de imprevisibilidade. É um bailado que acaba sempre favorável aos homens, já que o fogo acaba por desaparecer. “Até quando? Bom, se calhar até sábado vai arder…”
O fogo está cada vez mais perto, a conversa não desarma. “Quando está o fumo muito preto a sair, é porque está a queimar bem. Está quase aí. As pessoas gostam de chuvas de estrelas, deviam vir aqui à noite..." O encanto torcido das projeções.
Adivinhavam ficar por ali mais umas horas valentes. Aquelas árvores já não vão estar ali na manhã seguinte, garantem. A espera pelo engolir do que é, e cheira, a verde seria interrompida: uma mulher surgiu num carro naquela estrada interditada. Estava nervosa, com as mãos desassossegadas. Vinham aí más notícias. "Não sei do meu marido. Deve estar lá em baixo, na casa." Em cinco minutos estava montada uma caravana. E lá seguiram estrada abaixo, rumo ao lugar que ilumina a noite.
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