Agora que é campeão e que pode discutir a continuidade nos seus próprios termos, é tempo de recuperar e refletir sobre o que se disse e se escreveu a propósito deste treinador
Fomos todos particularmente preconceituosos nos adjetivos que pusemos a Sérgio Conceição quando se tornou evidente de que seria ele, e não Marco Silva, o sucessor de Nuno Espírito Santo no Porto.
Não foi por mal.
Na realidade, foi sempre assim.
Na bola costumamos irremediavelmente praticar aquilo que na lógica se chama generalização precipitada, ou seja, concluir rapidamente que fulano é assim e assado, porque fez precisamente isto e aquilo e mais um par de botas.
No caso de Sérgio, ainda assim, havia algumas atenuantes para as análises estouvadas que se escreveram, incluindo as minhas - o homem tem, de facto, o sangue quente e há vários episódios efervescentes que o provam. Como qualquer corporativista devidamente doutrinado, irei generalizar uma vez mais sobre o que se disse a partir daquela quinta-feira, 8 de junho de 2017, dia da oficialização.
A saber:
Sérgio era difícil de aturar e chateara-se com os presidentes da Olhanense, da Académica, do Guimarães e do Brago, e isso era muito.
Sérgio tinha jogado pelas melhores equipas e nos melhores estádios e havia inclusivamente um estádio com o nome dele em Coimbra, o que não era para todos - ah, e marcara três golos à Alemanha no Euro2000, o que é para ainda menos.
Depois, Sérgio era portista; bom, Sérgio fez-se portista, porque nasceu numa família pobre e numa vizinhança e numa aldeia profundamente sportinguistas, mas isso passou-lhe quando assinou pelo FC Porto pela primeira vez, em 1996. No dia seguinte a tornar-se oficiosamente portista, o pai morreu num acidente de moto, na moto em que costumava levá-lo aos treinos quando era puto - pouco depois, faleceu a mãe e a orfandade enrobusteceu-lhe o caráter e a rebeldia. Nesse momento, falou-se então, Sérgio ganhou o direito a dizer que tudo o que conquistou, foi à conta dele. O que era verdade.
Mas também era verdade que Sérgio, por ter mau feitio, mau perder, garra, por se chatear por dá cá aquela palha e por ser rebelde, não aguentava muito tempo no mesmo sítio.
Ora, o Porto, sem dinheiro e sem títulos há não sei quantos anos, estava mesmo a pedi-las quando foi contratar um tipo destes, só carisma e pouco mais, ainda por cima sabendo ele que não era a primeira opção do seu presidente favorito.
Só que no meio deste chorrilho de certezas irresistíveis, esquecemo-nos de alguns pormenores, a começar por este: Sérgio Paulo Marceneiro Conceição. Três nomes bíblicos e uma profissão amigada à do pai de Cristo não são um acaso, mas um sinal.
Pois então, Sérgio, como um carpinteiro de habilidades sobrenaturais, pegou em meros toros de madeira que já ninguém queria, ou que queriam à força, e transformou-os em obras de arte tosca, sim, mas irresistivelmente eficaz. E, então, apareceram Marega a marcar golos em série como se fosse um ponta de lança prodigioso - que não é -, Danilo a subir no terreno feito médio de condução - que também não é - e Brahimi a defender as costas de Telles em jeito de sacrifício - que não fazia, antes de Sérgio aparecer na vida dele.
Chegámos todos à conclusão de que Sérgio Conceição era um mestre motivacional, ainda que por estas bandas já cá houvesse um de semelhantes características. E quando ele errou, também todos lhe anunciámos prematuramente o fim. Aconteceu quando o Porto perdeu contra o Besiktas ou contra o Paços de Ferreira ou contra o Liverpool, e, sobretudo, quando o caso-Casillas se tornou tema de conversa, servindo de paradigma para o treinador dito conflituoso e über rigoroso.
Na altura, Conceição não quis abrir exceções e arriscou o pescoço, pois o espanhol era (e é) factualmente o jogador com maior currículo que alguma vez pisara um pedacinho de relva em Portugal; mais importante do que isso, Casillas era bem melhor do que José Sá.
Mas Sérgio lá provou que estávamos todos errados, demonstrando-nos que era muito mais do que um xamã da estirpe macho lusitano. Vimos isso na forma como mexeu na equipa nos jogos contra os grandes para a Liga e na forma como mexeu com todas as conferências de imprensa em que participou.
Agora que se sagrou campeão, discute-se a sua continuidade no Porto. Não porque alguém o ponha em causa, mas porque ele é um rebelde de causas. Tendo ganho esta, poderá escolher outra, nos seus próprios termos. Também conquistou esse direito.
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