sexta-feira, 2 de março de 2018

PELA POSITIVA

PELA POSITIVA


Posted: 01 Mar 2018 04:33 PM PST
Anselmo Borges
Anselmo Borges 

A história da humanidade é feita de êxitos e fracassos, avanços e recuos, conquistas e derrotas, guerras e algum tempo de paz, esperanças e ameaças.
A novidade das ameaças, hoje, é que são globais. Numa obra lúcida, acessível, L"Humanité. Apothéose ou apocalypse?, com contributos de pensadores de vários horizontes e dando uma panorâmica do que está em jogo no século XXI, J.-L. Servan-Schreiber, optimista quanto ao futuro, apresenta também algumas dessas ameaças, obrigando a reflectir. Sintetizo.

1. Aquecimento global. Uma ameaça que todos têm presente: o aquecimento climático. Apesar da oposição de Trump e de as medidas concretas não serem suficientes, cresce a consciência do problema, que é realmente dramático.

2. Excesso de população. E a questão é que o crescimento da população se dará sobretudo nas regiões mais pobres, desencadeando ondas de emigrantes a fugir da miséria. Por outro lado, o envelhecimento das populações trará problemas explosivos para a saúde.

3. A falta de água potável. Consequência inevitável da explosão demográfica em certas zonas do mundo, desencadeando guerras para o seu controlo.

4. Esgotamento haliêutico. Pensa-se que a pesca excessiva, consequência da predação marítima industrializada, já acabou com cerca de 90% dos peixes comestíveis nos oceanos.

5. Fome. À escala planetária seria possível em princípio alimentar a maior parte das pessoas, mas "alguns países demasiado pobres, com governos corruptos, sobretudo na África subsaariana, estão à mercê de uma conjuntura climática desastrosa ou conflitos que desorganizarão a sua cadeia alimentar".

6. Desertificação. A superfície dos desertos, que "já ultrapassa 25% das terras emersas", aumentará rapidamente por causa da combinação do aquecimento climático e da destruição dos solos férteis pela acção humana.

7. Miséria. 1,5 mil milhões de pessoas vivem hoje em condições inumanas. O crescimento ainda rápido da população fará aumentar o seu número nos países mais pobres. Nos mais desenvolvidos, "as crises económicas multiplicam os sem-domicílio-fixo".

8. "Favelização". Dentro de trinta anos, a urbanização atingirá 85% da população mundial, com a consequência de megalópoles não geríveis e massas de pessoas a viver em tugúrios insalubres.

9. Migrações incontroláveis. Já se pode antever na presente situação da Europa o que poderá vir a acontecer a nível mundial: com o excesso de população, o aquecimento global e a desertificação, vamos assistir a multidões de migrantes desenraizados e mal acolhidos por todo o lado.

10. "Democraturas" e populismos. Metade das nações não vive em democracia política, mas em regimes de "democratura" (junção de democracia e ditadura). Nos nossos países, "as derivas populistas, xenófobas ou policiais alimentam-se das crises migratórias e dos temores de pauperização entre as classes médias".

11. Terrorismos. Prosseguirão de modo metódico matanças indiscriminadas por terroristas desesperados. "O sentimento de insegurança dá a volta ao mundo e intensifica regressões políticas."

12. Disseminação das armas de massa. "Armas hiperdestruidoras, nucleares e biológicas, tornam-se cada vez mais fáceis de fabricar." Podemos, pois, antever chantagens de mafiosos e fanáticos, ao lado do terrorismo actual.

13. Holocausto nuclear. A possibilidade de aniquilação da humanidade está cada vez mais presente. Suponhamos armas nucleares nas mãos de grupos terroristas e proliferação nuclear em países instáveis.

14. "Singularidade" tecnológica. É toda a problemática do transumanismo e do pós-humanismo, com as NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, inteligência artificial, ciências cognitivas, ciências do cérebro) e a IA (inteligência artificial) forte - voltarei proximamente à questão. "Cientistas sérios anunciam que, antes de meados do século, o poder das máquinas interconectadas escapará aos humanos. As consequências, até agora imprevisíveis, poderiam constituir a mais global das ameaças, mas também a entrada numa era de potencialidades ilimitadas para o bem-estar da espécie. Uma e outra são possíveis, pois cair-se-ia de repente no totalmente inexplorado."
Nestes domínios, "a distância entre o poder fulgurante das tecnologias e a irracionalidade dos que dele dispõem constituirá o perigo dos perigos".

15. O ogro chinês. O centro de gravidade da humanidade vira-se para o Oriente, com a China a tornar-se em breve a primeira potência mundial. Consequências?

16. O fim do trabalho. Entre outras consequências das novas tecnologias - pense-se na robotização crescente -, quem tem pensado verdadeiramente no que vai significar uma sociedade sem trabalho? O que antes poderia ser um sonho - viver sem ter de trabalhar - pode tornar-se um pesadelo. "Realizar uma vida sem emprego remunerado e sem deprimir exigirá tesouros de inventividade social. E um pôr em causa fundamentos da nossa ética. Este poderia ser o maior desafio das democracias no século XXI."

17. Défice de sentido. O humanismo vive hoje confrontado com um duplo desafio: o animalismo e o pós-humanismo. Desgraçadamente, "a ciência agora progride à velocidade da luz enquanto a sabedoria e o bom senso quase nada avançaram desde há cinco séculos."

Frente ao monopólio da razão instrumental, com o materialismo e o consumismo, e o vazio existencial criado pela falta de sentido, questão decisiva para o futuro é a do debate à volta da finalidade humana e da transcendência.
Posted: 01 Mar 2018 04:30 PM PST
Georgino Rocha

Georgino Rocha


Jesus não pára de surpreender. Tal é a vontade de dar a conhecer a novidade de que é portador e, neste domingo, se condensa na singular relação com Deus que se realizará no seu corpo. Como bom judeu, vive a religião do seu povo, observa preceitos e tradições, vai ao culto na sinagoga, faz visitas ao templo de Jerusalém. Por meio destas atitudes, expressa a sua especial comunhão com Deus e solidariza-se com os fiéis devotos, examina o valor dos ritos e dá conta da incoerência de certos comportamentos humanos. Ouve os mestres a darem explicações da Palavra, a Torá e os Profetas, ousa fazer perguntas e vai construindo uma visão complementar, alternativa (Lc 2, 46-50).

“Aproximava-se a festa da Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém”, informa João o autor do relato que estamos a meditar; relato que surge após o episódio das bodas de Caná e antes da conversa com Nicodemos; relato que desvenda, ainda que suavemente, a novidade pascal que revestirá o seu corpo glorificado, o novo e definitivo templo de Deus. Os outros evangelistas colocam a cena da expulsão dos comerciantes e cambistas e da purificação do templo mais à-frente e realçam a sua relação com a prisão e o processo que se segue.

Os discípulos acompanham Jesus. São testemunhas da sua acção violenta, da sua interpelação veemente e acusatória. São testemunhas da verdade dos factos e fazem-se sua “memória”, após a ressurreição. “Quando Ele ressuscitou dos mortos, os discípulos lembraram-se do que tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus”, esclarece o nosso texto. A memória dos discípulos é como que “activada” pelo Espírito Santo, o encarregado de fazer saber a verdade e avivar a relação experienciada e, mais tarde, potenciada pela nova situação. O evangelista escreve provavelmente nos finais do século primeiro, o que o leva a fazer a composição do texto não apenas com o que sucedeu, mas com factos históricos entretanto ocorridos e outros elementos provenientes das comunidades cristãs e das suas necessidades face às novas correntes culturais e religiosas.

A reacção de Jesus provoca uma onda de choques impressionante: Ao chegar, vê o “espectáculo” e liberta a emoção acumulada; faz um chicote e expulsa homens e animais; derruba mesas e espalha por terra o dinheiro dos cambistas; e, finalmente, dá uma explicação: “Não façais da casa de meu Pai casa de comércio”. E adianta depois: “Destruí este templo e em três dias o reedificarei”. Estava dado o maior choque e desafio. Estava dada a resposta provocadora aos chefes dos judeus que o haviam interpelado e pedido um sinal da autoridade para assumir tal atitude.

O templo de pedra, glória de Israel, casa de encontro do povo de Deus e centro da vida religiosa na cidade de Jerusalém e na diáspora, não apenas é limpo e purificado, mas substituído pelo corpo humano de Jesus, após a ressurreição. O corpo glorioso de Cristo faz-se presente no coração/consciência de cada ser humano, na comunidade cristã reunida em seu nome, na acção litúrgica, designadamente na celebração da eucaristia, na instituição da Igreja que serve a missão, no bem comum construído com o esforços de cada um/a, no cuidado das criaturas e da criação. Está presente com intensidades diferentes, mas reais. Vejamos duas que mais nos podem interpelar.

A consciência precisa de estar em sintonía com a verdade que liberta de complexos e culpas doentias, de acomodações fáceis e de “vozes de sereia”, de preconceitos e egoísmos, de outros vícios como nos lembra a 1ª leitura de hoje. A necessidade da limpeza é fruto de quem vive na poluição do tempo que marca o ritmo da história. Como as janelas da casa de família: A sujidade acumulada impede a visão clara do que está em frente e gera confusões tremendas e acusações injustas. Assim fazia a dona da casa que via a janela da vizinha a partir da sua cheia de poeiras e ciscos. Será muito aconselhado fazer uma visita à consciência e procurar a transparência desejada. E a verdade de Cristo iluminará a nossa vida.

A celebração da eucaristía em que a assembleia é reunida no amor de Cristo. Cada participante entra na nova dimensão que a tomada de consciência suscita e fomenta. Entra e é convidado a viver. A viver no silêncio que respeita os outros em oração e prepara o coração para a escuta da Palavra; silêncio que revela a atenção dispensada ao espaço sagrado em que se encontra e irradia a convicção profunda que brota do seu interior. Cada participante é convidado a fazer a experiência da felicidade de tomar parte na ceia do Senhor, de comungar. Muitos aceitam o convite. Outros vão adiando a resposta. Oxalá que por razões sérias. S. Paulo exorta os cristãos de Corinto, dizendo: Examine-se cada um antes de comungar; se o fizer indignamente, corre o risco da condenação (I Cor 11, 28-29). Que tal não nos aconteça, Senhor!

O Papa Francisco vem dedicando a catequese das quartas-feiras à liturgia da missa. Preocupa-o, e a nós também, a verificação da falta de familiaridade de muitos cristãos com a celebração: no seu conjunto e em cada parte, nos gestos e palavras, nos sinais e nos ritos. O programa pastoral da nossa Diocese pede-nos um esforço redobrado nesse sentido. Demos-lhe uma resposta positiva e manifestemo-la pelas nossas atitudes na celebração.

“Ide em paz e o Senhor vos acompanhe” é lema mensagem que acompanha o envio dos membros da assembleia dominical. A missão prolonga a alegria celebrada, a novidade vivida, a comunhão partilhada, o amor/caridade afirmado, a convivência reforçada. Vamos semear a paz resultante da experiência de fraternidade revigorada. E a novidade de Cristo brilhará no nosso estilo de vida e no cuidado da “casa comum” como nos lembra a mensagem da Cáritas, hoje, domingo que culmina a semana que mobiliza milhares de voluntários na recolha de bens para auxílio dos mais pobres, o rosto de Cristo necessitado.

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