sábado, 28 de janeiro de 2017

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Uma semana. Apenas uma semana de Trump na Casa Branca e começamos a ter a certeza de que aquilo que prometeu é para levar a sério. Uma semana também suficiente para detectar sinais de populismo em ascensão e de resistência em organização. Finalmente, uma semana tão cheia de decisões e “ordens executivas” que seria impossível reuni-las aqui todas, e debatê-las. Por isso, neste último Macroscópio antes de mais um fim-de-semana (e que chegará aos meus leitores um pouco mais tarde do que o habitual) optei por reunir textos que, mesmo não sendo directamente relacionados uns com os outros, ajudam a pensar estes novos tempos.

Começo por duas daquelas reportagens que os jornais e as televisões deviam ter mais. Reportagens com gente dentro, gente que pensa de forma diferente dos jornalistas e das elites dirigentes, que vive longe dos centros e que quer fazer-se ouvir. Muito diferentes, ambas bem interessantes:
  • Will France Sound the Death Knell for Social Democracy? é um longo trabalho de James Angelos para o New York Times, uma incursão do reporter nas terras do norte de França onde a desindustrialização também está a mudra o cenário político: “As a presidential election approaches this spring, even workers in the country’s rust belt are embracing right-wing populism.” Neste textos ouvem-se sindicalistas, velhos militantes comunistas e, também, aqueles que trocaram as velhas referências por uma nova paixão política, a da Frente Nacional de Marine Le Pen. Pequeníssima passagem: “The C.G.T. delegate turned National Front politician, I soon found out, was not an isolated case. A number of National Front politicians in the area claim to come from unions and other traditionally leftist organizations. The party, it appears, often seeks out members with such credentials as part of its strategy to supplant the left.”
  • ‘I feel like this is the last shot’: A Kentucky family greets the Trump era, o relato por Monica Hesse, no Washington Post, do dia de uma família do Kentucky – um casal e os seus três filhos – que viajou até Washington para assistir à posse de Trump. Vale a pena perceber o que os levou a votar nele, assim como tentar compreender a sua reacção ao discursos de posse: The speech sounded unifying, to them. It sounded how Suzie had always hoped Trump would sound when he gave speeches. “Of course, he was preaching to the choir,” she acknowledged, because they were already conservatives — but although she tried to picture other people’s perspectives, she believed that anyone who truly listened to the speech would feel the same way.”

Continuando nos Estados Unidos, eis mais alguns textos contrastantes, agora reflexões sobre os dias que vivemos. Começo por Historian Anne Applebaum on Trump: 'Protest Is Insufficient', uma entrevista da Spiegel com a autora de “Gulag” onde esta – uma americana que vive na Europa e é casada com um político polaco de primeira linha – dá conta não apenas das suas preocupações, como propõe algumas leituras originais para as dores que vivemos. Referindo-se à Europa e ao risco dos populismos, defende: “We have the wrong parties. The old battle between Christian Democrats and Social Democrats is now meaningless, not least because the social structures that underlay those parties, the church and the unions, have faded away. Nationalists and populists understood this change earlier; now the rest of the political world needs to understand that the political lines have been redrawn and it's time to change.”

 Prossigo recomendando a leitura de Revenge of the Nation-State, de Rich Lowry, o director da mais influente revista conservadora dos Estados Unidos, a National Review. Muito crítico de Trump, não desiste de propor explicações para as evoluções políticas a que estamos a assistir, sendo que neste artigo se socorre de um celebrado cientista político – Samuel P. Huntington, o homem que escreveu sobre a “terceira vaga” democrática e viu o seu início em Portugal, tal como propôs a muito debatida tese sobre o “choque de civilizações”. No último livro que escreveu antes de morrer, Who Are We? de 2004 ele criticava aquilo a que chamava “a decades-long project of the country’s “de-nationalized” political and intellectual elites”, considerando que desde as décadas de 1960 e 1970 “they began to promote measures consciously designed to weaken America’s cultural and creedal identity and to strengthen racial, ethnic, cultural, and other subnational identities. These efforts by a nation’s leaders to deconstruct the nation they governed were, quite possibly, without precedent in human history.” Para Rich Lowry, se “Trump is a welcome rebuke to this attitude”, a verdade é que a sua versão de nacionalismo também é perigosa: “A proper American nationalism should express not just an affinity for this country’s people, as Trump did in his inaugural address, but for its creed, its institutions, and its history. These are absent from Trump’s rhetoric and presumably his worldview, impoverishing both.”

Rich Lowry é, de resto, um dos colunistas mais interessantes de ler por estes dias, razão pela qual o Guardian, jornal com uma linha editorial marcadamente de esquerda, o refere nas escolhas de uma nova e original secção – Burst your bubble: five conservative articles to read during Trump's first week – sendo que o texto de Lowry citado, Donald Trump’s New Culture War, é sobre as diferenças entre o novo Presidente e as tradicionais prioridades conservadoras nas “guerras culturais” que têm cruzado os Estados Unidos.



Cruzo o Atlântico para vos referir que a vitória de Trump foi aproveitada na Europa pelas direitas radicais para se juntarem na Alemanha, um encontro descrito pela The Economist em At a summit in Germany, nationalism goes international. Para a revista “The “counter-summit” was fuelled by discontent with the mainstream rather than anything resembling a programme. But this will not trouble the leaders. They are unlikely to win power this year (although Ms Le Pen cannot be ruled out), but their influence is already being felt. On January 23rd Mark Rutte, prime minister of the Netherlands, wrote an “open letter” to several newspapers suggesting that anyone who dislikes Dutch values should leave. François Fillon, the favourite in the French presidential elections this spring, said his country was closed to refugees. Mr Wilders and Ms Le Pen could not have put it better themselves.”

Comentando a mesma cimeira, Cas Mudd, autor de um pequeno mas muito citado livro – The Populist Radical Right: A Reader – escreve no New York Times, em The Radical Right’s United Front, que não devemos assumir que está a formar-se uma “internacional nacionalista”, apesar de os ventos terem favorecido o avanço desses movimentos nos últimos anos: “The European radical right is in a better situation than it once was in terms of its international standing. In 2000, when Austria’s Freedom Party became part of the governing coalition, the 14 other European Union member states boycotted its ministers. Moscow and Washington also strongly denounced them. In 2017, Europe’s radical right leaders find that they are increasingly welcomed in capitals around the world, from Budapest to Tel Aviv, Moscow to Washington.”

O que nos leva à questão de quem lhe pode fazer frente e faz regressar ao primeiro texto desta selecção, onde no terreno se procura perceber como o eleitorado está muitas vezes a saltar directamente dos comunistas para a direita radical. O caso de França é paradigmático, e talvez em nenhum outro país um partido socialista moderado no poder esteja a passar por uma crise maior. Estamos a meio das primárias que escolherão o candidato do PS francês às presidenciais e o partido está mais dividido do que nunca entre uma liderança centrista, representada por Manuel Valls, e uma insurgência claramente esquerdista, na pessoa de Benoît Hamon. De tal forma que a Economist escreve que o centrista Emmanuel Macron finds new space in the centre of French politics, uma vez que quanto aos socialistas… “The party’s true believers were fired up by Mr Hamon’s ideas. He says France can cope with digital disruption by adopting a universal basic income, eventually to be worth €750 ($805) a month per adult. He would cut the 35-hour working week even shorter and levy taxes on the use of robots. (After all, robots can’t vote.) Why, though, didn’t the party’s centrists turn out for Mr Valls? Unfortunately for him, it looks as if they have abandoned the party altogether.

Valls deverá ter por isso dificuldade em conseguir, este domingo, ser o escolhido dos socialistas, mesmo sendo certo que procura novos caminhos para o centro-esquerda, caminhos mais adaptados a estes novos tempos. Um dos seus conselheiros, Zaki Laïdi, escrevia hoje no Financial Times precisamente sobre como The European left can learn lessons from France, mas é pouco provável que seja ouvido mesmo sendo muitos os que reconhecem que “The old remedies for inequality are increasingly inadequate”. Em concreto: “While the platforms of the digital economy are “progressive” in the sense that they upend the status quo, they often have regressive social effects, especially on job security, as disputes over the ride-sharing app Uber have shown. If that is right, how can the left reinvent itself without embracing either statist nostalgia or the worst excesses of the market economy? There are two dimensions to any plausible renewal of the left: the nation state and what is sometimes called “pre-distribution”.

A acabar dou um salto até outras águas políticas, mas sem sair do mesmo Financial Times, agora para recomendar a leitura da conversa, à mesa de um restaurante Bruxelas, entre um jornalista desse diário e Daniel Hannan, alguém que é apresentado como sendo o sumo-sacerdote do eurocepticismo. Nessa conversa, sobretudo sobre o Brexit – Conservative MEP Daniel Hannan on what Britain should do next – não deixa de se transmitir algum optimism sobre o que irá acabar por suceder ao populismo, isto é, o seu fracasso. Perdoem-me por isso a citação um pouco mais longa: “I was reading a report by some German economists about how financial crises are different from a normal economic downturn… They studied every financial crisis from 1870 in 20 different countries — France, US, Switzerland, you know — they said they always saw a massive bump in populist politics, on the left and on the right. There’s always a move towards a fairly authoritarian mood, which doesn’t happen in a normal recession. “The relatively good news is that it has an end. I would say we’re seeing that end already, the glimmerings of it, in Greece. Greece began the cycle before anybody else, and Tsipras is now breaking records for unpopularity.” “The populists always fail in their own terms,” Hannan begins. Aha, so Brexit — “Let me be more specific, the protectionists always fail. They always end up delivering the sharpest fall in living standards to the people who are their biggest supporters.”

Esperando que estas sugestões sejam de vossa utilidade, despeço-me desejando-vos um bom fim-de-semana, retemperador e cheio de leituras interessantes.

 
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