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POR PEDRO SANTOS GUERREIRO
Diretor
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27 de Janeiro de 2017 |
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"Manter a boca calada"?
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O homem não pára e antes parasse. Ontem, Donald Trump deu a sua primeira entrevista televisiva como Presidente dos Estados Unidos, à ABC News, para defender que a tortura funciona “absolutamente” e que os Estados Unidos devem “lutar contra o fogo com fogo”.
Sim, leu bem: a tortura funciona, diz o homem mais poderoso do mundo.
Donald Trump vai delegar no ministro da Defesa, James Mattis, e no diretor da CIA, Mike Pompeo, a definição do que a lei deve prever para combater o terrorismo. Segundo o The Guardian, Trump quer voltar a permitir a detenção de suspeitos de terrorismo em “locais negros”, o que significa repor técnicas de interrogatório “musculadas”, para usar um eufemismo. Ou seja, para torturar. Segundo o Politico, Mattis e Pompeo têm uma sua posse um relatório da CIA que explicita as vantagens do uso destes “locais negros”.
Uma semana de Trump na presidência foi já uma revoada de atos legislativos e anúncios de novas medidas. Trump já não vai reunir-se com o presidente do México, Enrique Peña Nieto, que cancelou o encontro depois de o Presidente dos EUA ter reafirmado que o México irá pagar o muro a erguer na fronteira entre os dois países. Se não o fizer diretamente, pagará indiretamente, disse a administração americana, através de uma taxa de 20% sobre importações de produtos mexicanos. E assim se semeou uma confusão, detalha o New York Times.
Trump não se reúne com Peña Nieto mas reúne-se com Theresa May, hoje: a primeira-ministra britânica deixou ontem uma mensagem de aproximação, afirmando que “às vezes, os opostos atraem-se”.
Atraem-se?
Opostos parecem ser Trump e a comunicação social. Na toada da “pós-verdade”, que agora assenta o seu discurso nessa assustadora expressão “factos alternativos” e fez Trump dizer que os jornalistas estão entre as pessoas mais desonestas da Terra, o seu estratega para a comunicação, um homem de passado e ideias sinistras, Stephen K. Bannon, afirmou que é melhor a imprensa “manter a boca calada”.
Hum… Se não podes calar os jornalistas, desacredita-os. Não vai ser bonito.
Vários diplomatas do Departamento de Estado estão a deixar os seus cargos, o que não incomoda Trump um só segundo. Não um mas trinta segundos adiantou-se o chamado "relógio do dia do juízo final", depois de cientistas do painel de ciência e segurança do Boletim dos Cientistas Atómicos terem adaptado o “tempo” à negação das causas das alterações climáticas e à ameaça de ressurgimento de programas nucleares.
A Alemanha vai abolir uma lei que proíbe insultos a líderes estrangeiros. Estarão a pensar em quem? Se os insultos servissem de alguma coisa, estávamos safos. Bom, pensando bem, ninguém é melhor a insultar do que precisamente o homem que gostaríamos de insultar.
Foi há uma semana que Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos. |
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OUTRAS NOTÍCIAS Se olharmos para o dia a dia, é o sobe e desce habitual, mas se olharmos para a linha das últimas semanas, a tendência de subida das taxas de juro portuguesas é evidente: as Obrigações do Tesouro a dez anos estão a ser comercializadas em mercado secundário acima dos 4%. Por muito que o governo não queira que isto seja notícia, isto são más notícias.
Portugal vive em condições de possível próximo resgate desde que saiu do último, nessa mistificação que foi a “saída limpa” de 2014. Escrevi-o então e tenho-o escrito desde então. A questão não é ter razão na possível consequência, que ninguém bom da cabeça pode desejar, mas estar esclarecido quanto à causa: uma dívida pública insustentável perante um crescimento económico endemicamente tão baixo. Estamos no fio de uma navalha que não está nas nossas mãos.
O assunto tem sido valorizado no discurso financeiro como se fosse uma ciência e desvalorizado pelo discurso político como se fosse uma ficção. O confronto entre os dois discursos destrambelha pela radicalização. Já vimos disto.
Não estamos como em 2011, o ano da intervenção externa. Estamos como em 2010, o ano em que financeiros e políticos combatiam, não debatiam. E quem já viu disto foi a Helena Garrido, que no Observador fala desse alerta vermelho da subida dos juros: “É preciso ter consciência que Portugal está na linha da frente como alvo da mais pequena que seja tempestade financeira.” Não é um presságio para confundir, é um aviso para esclarecer. Leia e concorde ou discorde. Mas leia.
Até porque há quem não esteja “do nosso lado” nos poderes europeus que nos vão dando a asa do Banco Central Europeu. Depois de o governo alemão ter dito esta semana ao Expresso Diário que Portugal deve tomar “medidas adicionais” (ou seja, mais austeridade), o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, pediu mais reformas. Dijsselbloem nunca foi à bola com Portugal, nem Portugal com ele, mas aqui o que interesse é perceber que há forças políticas que não estão “do nosso lado” e limitarmo-nos (lá está) a insultá-los não é de grande utilidade. É preferível contrariá-los. É também por isso que é bom ter um acordo de concertação social, pela estabilidade social que projeta. É também por isso que é mau falar em nacionalização do Novo Banco, que é ouvido como mais prejuízos futuros do Estado no sistema financeiro.
Daí também a importância da boa notícia que foi Portugal confirmar um défice orçamental abaixo dos 2,3% em 2016, como celebrou ontem o PS: o Ministério das Finanças informou que o défice das Administrações Públicas diminuiu 497 milhões de euros no ano passado face a 2015. “Houve a confirmação de que muitas vozes do Eurogrupo estavam enganadas”, protestou Mário Centeno, que disse não estar a referir-se “a ninguém” mas estava a referir-se a Dijsselbloem e seus acólitos.
Um aliado no discurso contra a fatalidade é Marcelo Rebelo de Sousa, que há dias comemorou um ano desde a vitória nas eleições. “Marcelo já empurrou Cavaco, de quem ninguém tem saudades, para um triste rodapé da nossa História”, escreve Rui Calafate, no Eco. Francisco Seixas da Costa parece concordar: “Marcelo é um presidente de tipo novo. Segue o sentido institucional de Estado de Sampaio, tem uma genuinidade, na proximidade às pessoas, que pede meças a Soares, descuidando a distância presidencial que este não dispensava. De Cavaco, a meu ver felizmente, herda pouco”, afirma no Jornal de Notícias. Já Rui Ramos, no Observador, relaciona o Presidente com o futuro: “As intermitências da maioria ou a subida dos juros podem, a qualquer momento, deixar-lhe o regime nas mãos”.
O Presidente Marcelo rejubilou com o acordo de concertação social, sublinhando que ele “não estava morto, estava vivo”. Vivo depois da aprovação do corte em cem euros do Pagamento Especial por Conta, medida que substituiu a redução da TSU, que foi chumbada no Parlamento. A medida de substituição até custa menos aos cofres do Estado e “é mais transparente”, defendeu Manuela Ferreira Leite na TVI.
O PSD, que lamenta que o PS não reconheça que se tratou de um Plano B, promete mais votações ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP, diz o Jornal de Notícias. Veremos o que acontece com a proposta de reposição de 25 dias de férias, com a qual o PS diz estar “globalmente de acordo”. O que fará o PSD? E o que dirão os parceiros da concertação social?
Na banca, há lucros e despedimentos nas mesmas notícias. O Bankinter (que ficou com o negócio do Barclays em Portugal) anunciou resultados positivos de 96,3 milhões de euros no ano passado. Tem mil trabalhadores. Já o BPI lucrou 313,3 milhões de euros, um crescimento de quase 33%, num ano em que reduziu o número de pessoal em 400 trabalhadores. O “BPI pode ser player mais ativo nas aquisições”, afirmou Fernando Ulrich, citado pelo Eco.
Já Paulo Macedo quis presidir à Caixa Geral de Depósitos mantendo o vínculo com o BCP, noticia o Negócios. O BCE não deixou. Era o que mais faltava, dizemos nós.
Carlos Tavares foi nomeado pelo Governo para liderar um grupo de trabalho para reformar o sistema de supervisão financeira em Portugal. A escolha não é qualquer: não só o ex-presidente da CMVM tem experiência concreta sobre regulação de mercados e produtos financeiros como tem uma posição forte e não coincidente com o modelo atual depositado no Banco de Portugal.
A CDU recandidata João Ferreira à Câmara de Lisboa. Pode ler o perfil do candidato aqui.
Os taxistas querem que os motoristas da Uber e da Cabify paguem multas na hora, diz o Diário de Notícias.
Inspetor da PJ é acusado de desviar fortuna em buscas a José Veiga, avança o Jornal de Notícias. Trata-se de um inspetor da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, agora acusado pelo Ministério Público de ter ficado com um maço de notas durante uma ação de buscas a Veiga.
Foi um dos casos da semana, o das declarações de um dos donos da cadeia de lojas “Padaria Portuguesa”, que defendeu medidas de liberalização do mercado de trabalho. Em declarações ao Expresso Diário, explicou-se: “a prisão na relação laboral não faz sentido nos dias de hoje”. Tem levado tareia de criar bicho nas redes sociais.
“O liceu resistente com mais de 100 anos que luta para não ver o fim”. Eis a história da Escola Secundária Alexandre Herculano, no Porto, que foi fechada ontem por chover lá dentro.
O Benfica levou um baile do Moreirense, que faz história e vai pela primeira vez à final de uma competição. É a primeira vez que a final da Taça da Liga não terá pelo menos um dos “três grandes”. Vão sim duas equipas do distrito de Braga. O jogo ficou 3-1, depois de uma segunda parte “de loucos” em que “o mundo ficou de pernas para o ar.” Leia na Tribuna Expresso.
FRASES “A solução de governo é muito frágil”, diz Daniel Oliveira em entrevista ao jornal i.
“A rapidez da resposta do primeiro-ministro [ao chumbo da descida da TSU] mostra que ele continuará até à saciedade a contrapor ao outrora "não há alternativa" o atual "há sempre uma outra solução".” David Pontes, no Jornal de Notícias.
“Hoje, ‘saída limpa’ significa outra coisa: o PS ter eleições antecipadas sem ser responsável por elas.” João Pereira Coutinho, no Correio da Manhã.
“É conveniente não deitar fora, pelo menos para já, a nacionalização do Novo Banco”. Eurico Brilhante Dias, no Eco.
“Saí da política pelo meu próprio pé”. José Luis Arnaut, no Jornal Económico.
O QUE EU ANO A LER (E A VER) Não está a ser propriamente um sucesso alargado de bilheteira, e ficou muito aquém das expectativas recebendo apenas uma nomeação para os Óscares, mas em Portugal o filme “Silêncio”, de Martin Scorsese, está a ter boa afluência.
O facto de ser uma história de padres jesuítas portugueses no Japão ajuda a despertar nosso interesse. Só que é uma história, não é a História. Ou, se quisermos, mistura factos históricos com pura ficção.
Assim no-lo explica José Miguel Pinto dos Santos, num belo texto no Observador, que aliás critica essa opção e clarifica o que aconteceu e o que é fantasia. E, a propósito, deixa de reflexão a forma como a narrativa se tornou prevalecente sobre os factos. O que nos remete de novo para os dias dos “factos alternativos”, expressão de tempo trumpianos para esse conceito agora entronizado como “pós-verdade”:
“A nossa grande falha civilizacional hoje é epistemológica. Já não se acredita que a realidade seja percetível objetivamente. Vivemos numa época em que todos somos Pilatos, prontos a ripostar “o que é a verdade?” e, ato continuo, virar-Lhe as costas com mais desplante e cinismo que o do verdadeiro Pôncio. (…) Assim é natural que a ficção tenda a se sobrepor à realidade. Vivemos na realidade virtual na política, na economia e na gestão empresarial. Quando se desvanece a convicção que o conhecimento humano é capaz de aceder à realidade e apreendê-la restam as opiniões e sobra a crença de que de todas as opiniões têm igual valor. Nesta situação as “narrativas” tornam-se mais relevante que os fatos.”
Se isto não o preocupa, preocupe-se.
(O filme é inspirado no livro de Shusako Endo e foi analisado num extenso trabalho na revista E do Expresso de sábado, que pode ler ou reler aqui. E foi o tema do PBX desta semana, o programa Radar/Expresso, que pode ouvir em podcast aqui.)
Tenha um dia bom. É sexta feira e na redação estamos a fechar a edição do semanário Expresso, que pode ler amanhã. A chuva até vai parar este sábado, mesmo que por pouco tempo. E a gripe pode estar a despedir-se deste inverno, sugere o boletim de vigilância do Instituto Ricardo Jorge publicado ontem. "A atividade gripal é de baixa intensidade e com tendência decrescente".
Tréguas. Oxalá. |
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