sábado, 29 de outubro de 2016

JN

A abrir

Sorte de doutor

Dificilmente um governo atravessaria tantas tempestades seguidas sem danos de maior. Este passa por entre os pingos da chuva em tempestades perfeitas, de que é caso paradigmático a falta de pudor de um adjunto do primeiro-ministro que de doutor só tem na realidade licenciatura incompleta, num eufemismo de quatro disciplinas efetivamente feitas (Relvas foi caso nacional por coisa muito parecida e enxovalhado porque não soube sair a tempo).
Nada disto fica por aqui. Ao acima nomeado adjunto, de seu nome Rui Roque, junta-se Nuno Félix, chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e Desporto, que tinha no currículo duas licenciaturas, sem ter completado nenhuma delas. Pior, o ministro da Educação, de quem ele dependia, terá sido avisado por João Wengorovius, secretário de Estado que se demitiu, sem que até hoje se conhecessem as razões. Tiago Brandão Rodrigues não só não relevou, como terá preferido deixar cair o seu governante em prol do duplo falso doutor.
Sim. Tiago Brandão Rodrigues é ministro da Educação.
Mas se brincar aos canudos já é um desporto nacional aparentemente inócuo, a não ser para a desgastada moral social, o que se passa na Caixa deveria ser levado um bocadinho mais a sério. Por uma única razão: o banco público é de todos nós e é o garante da estabilidade do sistema financeiro.
Aquilo a que não podemos assistir impávidos e serenos é ao discorrer de trapalhadas cujo efeito presente e futuro nos escapa, mas que será sempre grave. Desde o processo de substituição da administração, passando pelo rocambolesco totoloto dos milhões necessários à recapitalização e acabando (ainda não acabou) na polémica dos salários da administração e na exceção criada, numa lei à medida, para evitar a entrega da declaração de rendimentos de António Domingues, o presidente, ao Tribunal Constitucional. Tudo demasiado mau para ser verdade.
Acontece que à sucessão de erros políticos cometidos por António Costa, a oposição social-democrata (Assunção Cristas não conta, mas serve bem para fazer de conta que conta) anda entretida em reuniões de conspiração para desfazer o líder.
Pedro Passos Coelho é hoje um homem sozinho e em autojustificação permanente. As distritais, a cujos líderes reiterou que não mudaria de discurso em função do sabor do tempo, fazem fila a Norte para preparar a sucessão a Sul. A Sul preparam-se movimentos de reflexão para opções semelhantes às que as distritais preconizam, mas todos fazendo de conta que não estão a falar do mesmo. E os putativos futuros líderes atrapalham-se assumindo tabus ou silêncios cúmplices.
É por isso, também, que o país navega amorfo entre as tempestades. E porque não há coisa de sorte alguma de que possam acusar o Governo, como o que se passa com a Caixa, que já não lhes tenha passado pelas mãos, em sortes diferentes. São os doutores a tratar da coisa pública. Não há nada melhor para abrir portas ao populismo.
DIRETOR-EXECUTIVO

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