sábado, 27 de agosto de 2016

OBSERVADOR - 27 DE AGOSTO DE 2016


Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Eu sei: o final de Agosto aproxima-se e, com a chegada de Setembro, acaba o tempo mais tradicional para as férias. Mas o Macroscópio atrasou-se, pelo que esta é a última destas newsletters antes de uma interrupção para merecido descanso. Também por isso não será monotemática, antes combinará uma discussão destes dias – a sobre o burkini – com algumas reflexões sobre a sociedade dos nossos dias e o lugar que nela ocupam as mulheres, e o sexo. Reflexões interessantes, controversas e perturbadoras, como verão.

O Conselho de Estado francês suspendeu esta sexta-feira a decisão de uma comuna do sul de França de proibir o uso de burkini nas suas praias, uma decisão que desagradou à direita francesa e sublinhou as divisões na esquerda, nomeadamente no seio de governo de Manuel Valls. O Observador procurou hoje enquadrar esta discussão no debate mais geral sobre a integração dos muçulmanos na Europa, em Tapar ou destapar? Guerra ao burkini em 3 questões, a saber: Onde é que isto começou? Proibir o burkini é eficaz? E o hábito de uma freira, não é igual? Interessante, antes de passar à troca de argumentos, é conhecer o que diz a criadora desta peça de vestuário, a australiana Aheda Zanetti que, em entrevista ao Expresso Diário (paywall), considerou que “Nós, mulheres muçulmanas, somos sempre o alvo”.

Passemos agora a algumas opiniões publicadas nos últimos dias na imprensa portuguesa, nem sempre coincidentes (assim como não é coincidente a forma como escrevem o nome desta indumentária…):
  • O burkini e os nossos valores, de Pedro Vaz Patto, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, no Observador: “Não pode exigir-se dos muçulmanos que deixem de o ser para se integrarem nas sociedades europeias. O preço dessa integração não pode ser a renúncia à sua identidade. (…) Se prevalecer a ideia de que a integração dos muçulmanos nas sociedades europeias implica alguma forma de renúncia à sua identidade, maior será, neles, a tendência para recusar essa integração, para o ódio ao Ocidente, para o isolamento e para a radicalização.”
  • Deixem o burkini em paz, de João Miguel Tavares no Público: “Qualquer bom liberal tem de ter um cuidado extremo com a supressão de direitos individuais, entre os quais obviamente se inclui a roupa que cada um de nós leva à rua. O excesso multiculturalista é um mal e acho importante que o ocidente estabeleça linhas vermelhas na sua relação com as comunidades islâmicas, até para impedir o descontrolo da xenofobia. Mas traçar essa linha na areia da praia é um péssimo sítio por onde começar.
  • Feminismos à medida, de Luis-Aguiar Conraria no Observador: “O burquíni é um símbolo da opressão das mulheres e é socialmente identificado com o extremismo islâmico com quem estamos em guerra. Claro que o burquíni não faz das famílias que os usam cúmplices dos atentados terroristas, mas torna-as cúmplices dos avanços do fundamentalismo islâmico e de um retrocesso de décadas na luta pelos direitos das mulheres. Isso não tem qualquer comparação com as roupas das freiras ou das judias ortodoxas ou com os fatos de surf. Dizer que para se proibir uma coisa se tem de proibir as outras é o mesmo que dizer que para se proibir a cruz suástica se tem de proibir todas as cruzes.”
  • Laicismo, burquíni e estupidez, de Henrique Monteiro no Expresso Diário (paywall): “Podemos deplorar que uma mulher se sujeite a usar um(a) burquíni na praia, ou que um padre use sotaina e cabeção, ou que um budista use sandálias e um balandrau laranja. Mas, na verdade, nada temos com isso e muito menos tem o Estado. A verdadeira pedagogia do laicismo é vive e deixa viver (de acordo com a lei). E não, como pensam aqueles que são donos da razão, uma espécie de ideologia onde só cabem os que não são diferentes de nós.”

Ainda sobre esta matéria, e como complemento a um outro Macroscópio que já dediquei a este tema, deixem-me indicar mais dois textos da imprensa internacional com argumentos que me pareceram interessantes:
  • Fear Unveiled: Why Banning the Burqa Makes No Sense é um editorial de Christiane Hoffmann na Spiegel que reflecte um pouca da discussão alemã, que não é bem a discussão francesa. Aqui o que está em causa não é o burkini, mas a burqa propriamente dita: “A few fully covered women do not threaten our freedoms. Nor will they set back women's emancipation in Europe. Of course we expect Muslims in Germany to adhere to our constitution. But that same constitution also sets high hurdles when it comes to curbing religious freedoms or other civil liberties. And clothing rules are a massive incursion on personal rights.”
  • Brigitte Bardot vs. the Burkini é um texto de Sophie Fuggle na Foreign Policy que segue por caminhos diferentes, e bem originais: “Why are the French so worked up about a bathing suit? Because for France, the beach is more than just a coastline – it’s a symbol of national identity”. E explica-se porquê: “In the postwar 1950s and 1960s the French idea of the beach began to transform. The combined power of French cinema and brands like Club Med promoted the beach as a mythical site of hedonistic freedom and sexual transgression. At the same time, the beach was held up as a place of social equality. (...) Henri Raymond’s 1960 sociological study of a Club Med village de vacances, or vacation village, made note of a common assertion repeated by holidaymakers: “There are no social differences when everyone is in a swimming costume.”


As raparigas, a tristeza do sexo e a escolha da solidão

Ao mesmo tempo que nos envolvemos em acaloradas discussões sobre indumentárias de praia damos porventura demasiado pouca atenção ao que se passa nas nossas casas – isto é, nas nossas sociedades, mesmo aquelas onde não há problemas de integração dos muçulmanos. Os três textos com que me despeço antes de ir de férias são bastante perturbadores porque olham para sinais de mau estar que nos passam despercebidos. Um fala-nos de raparigas, outro de mulheres, o último de jovens dos dois sexos:
  • ‘Hot’ Sex & Young Girls é um texto de Zoë Heller na New York Review of Books onde a autora escreve sobre dois livros recentes, American Girls: Social Media and the Secret Lives of Teenagers, de Nancy Jo Sales, e Girls and Sex: Navigating the Complicated New Landscape, de Peggy Orenstein. O que esses livros revelam é que neste tempo de “emancipação sexual” a vida sexual das raparigas não parece ser nem mais feliz, nem mais conseguida, nem mais autêntica do que noutras eras. Senão reparemos nesta passagem deste pequeno ensaio: “Some of the misery of teenage girls’ sexual experiences is attributable, Orenstein contends, to the “hookup culture” in which sex, “rather than being a product of intimacy…has become its precursor, or sometimes its replacement.” (Rates of female orgasm are much lower for casual encounters, she notes, than for sex that takes place within committed relationships.) Another contributing factor, she suggests, is the part that pornography now plays in determining normative standards of teenage sexual behavior. As one example of this, she points to the fact that most of her interview subjects had been dutifully shaving or waxing their “bikini areas” since the age of fourteen.”
  • The rise of marriage for one, de Ariane Sherine na Spectator, introduziu-me a uma realidade que eu desconhecia em absoluto, os casamentos consigo mesmo, algo a que a autora dá toda a atenção pois considera que “The women taking the ‘we’ out of wedding are representative of a much bigger social trend”. Em concreto: “Marriage has been on the wane for some time. But what’s new is the decline in the number of women who are looking for a partner, let alone a husband. This is not a Bridget Jones-like tragic story. If we can’t find a knight in shining armour, we make alternative arrangements: the act of self-marrying is merely an extreme way of declaring that there is no hole in our lives.”
  • The Rise of Victimhood Culture é um trabalho de Conor Friedersdorf para a The Atlantic onde se refere que “A recent scholarly paper on “microaggressions” uses them to chart the ascendance of a new moral code in American life”. Ora esse código moral, a que poderíamos chamar uma mistura de “queixinhas” com “bulliyng” adolescente, parece estar a substituir os códigos de defesa da honra que eram comuns quer nas nossas culturas. Como aqui se explica, “The culture on display on many college and university campuses, by way of contrast, is “characterized by concern with status and sensitivity to slight combined with a heavy reliance on third parties. People are intolerant of insults, even if unintentional, and react by bringing them to the attention of authorities or to the public at large. Domination is the main form of deviance, and victimization a way of attracting sympathy, so rather than emphasize either their strength or inner worth, the aggrieved emphasize their oppression and social marginalization.” It is, they say, “a victimhood culture.”

E por aqui me fico, despedindo-me por mais alguns dias do que é habitual pois, como avisei logo na entrada, o Macroscópio também vai de férias. De onde promete vir revigorado e de baterias recarregadas. Como espero que muitos leitores já se sintam por esta altura em que o tempo de descanso alargado já estará a acabar para a maioria.

Até já.

 
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