segunda-feira, 13 de junho de 2016

EXPRESSO - 13 DE JUNHO DE 2016

Os EUA têm um tabu e o tabu mata

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Expresso
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Valdemar Cruz
Por Valdemar Cruz
Jornalista
 
13 de Junho de 2016
 
Os EUA têm um tabu e o tabu mata
 
Christina Grimmie tinha 22 anos. Era cantora. Sexta-feira passada, após um concerto em Orlando, nos EUA, foi assassinada a tiro quando participava numa sessão de autógrafos. O assasino tinha 21 anos e suicidou-se no local. Domingo, novo tiroteio. Depois de Columbine (1999), de Blacksburg (2007), San Bernardino (2015) e tantos outros massacres, um homem com uma arma matou mais de meia centena de pessoas numa discoteca na Florida e feriu outras tantas. É a maior matança nos EUA depois do 11 de setembro de 2001. Não lhes conhecemos os nomes. Ainda. Não são anónimos. Não são inexistências. Mesmo já sem um sopro de vida, são homens. São mulheres. Há quem lhes chore a partida brutal. Há quem lhes grite os nomes. E os nomes são a expressão dos sorrisos que já não esboçam, dos abraços para sempre perdidos. São muitos. Representam memórias. Representam a força das emoções. Perdidas. Aniquiladas. Em cada ano morrem milhares de pessoas vítimas de armas de fogo nos EUA. Não importa a origem. Não importa o nome. Não importam as motivações dos atiradores. São, em qualquer circunstância, atos de terror. O maior inimigo da América é a América. O verbo ser deve aqui ser entendido na sua dupla condição de "ser" e "estar". A proliferação de armas, a facilidade com que se compra qualquer tipo de arma em grandes supermercados, é um dos sinais de um dos males da América. Há dias um tribunal federal decretou em São Francisco que a 2ª emenda da Constituição não confere a ninguém o direito de estar munido de armas em locais públicos. Chega? Mudará alguma coisa? Na política norte-americana há um tabu. Chama-se indústria do armamento. Chama-se especial condescendência para com o poderoso "lobby" a favor da venda livre de armas. Apesar de tímidas, Barak Obama tem tentado tomar medidas, mas depara com a oposição feroz da maioria republicana do Congresso a qualquer controlo do uso e porte de armas. Uma sondagem recente do Pew Research Center indica que metade dos norte-americanos acredita que proteger o direito a possuir armas é mais importante do que controlar a sua posse. Um outro estudo, publicado pelo Instituto Gallup revelava que 63% da população se declara mais segura se tiver um revólver em casa. Omar Mateen, cidadão norte-americano de origem afegã, tinha muitas armas em casa. Trabalhava para uma empresa de segurança, já era vigiado pelo FBI e possuía várias licenças de porte de armas. Terá prestado juramento ao Estado Islâmico, mas em declarações à NBC News, o pai do atirador afirmava que "isto nada tem a ver com religião". O bar alvo do ataque era frequentado pela comunidade homossexual. O massacre terá ou não a ver com religião. Foi ou não uma ação do Estado Islâmico. (E Donald Trump, é claro, já veio fazer o inevitável e xenófobo aproveitamento). Terá ou não a ver com homofobia. Tem, de certeza, tudo a ver com ódio, seja qual for a justificação para esse ódio. Tem a ver com a repulsa por quanto é diferente, seja qual for a motivação para essa aversão. E tem a ver, não podemos ignorá-lo, com uma doença dos EUA. As armas de fogo matam mais de 90 pessoas por dia naquele país. Em 2010, foram registadas 31.672 mortes por armas de fogo, o equivalente a 10,1 mortes por cada 100 mil pessoas. Nos EUA matam-se de forma demagógica os debates sérios sobre o fácil acesso às armas. É uma guerra dura e mortal. É um tabu pesado. É um tabu doloroso. É um tabu mortal.
 

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OUTRAS NOTÍCIAS
Cá dentro
Num país com propensão para o milagre, onde até à náusea assim tem sido classificado o nascimento de um bebé filho de uma mãe em morte cerebral, numa completa e implícita desvalorização do aturado, paciente, planeado, rigoroso trabalho científico desenvolvido ao longo de meses por uma equipa de médicos e enfermeiros, eis que de novo tudo parece estar suspenso de mais um milagre: o da recuperação de Quaresma a tempo do primeiro jogo de Portugal, amanhã, frente à Islândia. É a bola que já rola no Europeu de futebol. Sobre golos, motins, ameaças de exclusão de seleções caso se mantenham as batalhas campais antes, durante ou depois dos jogos, o melhor mesmo é consultar o muito completo espaço on line construído pelo Expresso a propósito do Euro, onde, além do mais, tem a vantagem de poder apreciar o trabalho da nossa enviada a França, Mariana Cabral.

doutorados a dar aulas no ensino superior por €650 líquidos por mês. Quem o diz é o JN na primeira página. Nas páginas interiores acrescenta que os professores denunciam cortes salariais superiores a 40% no Porto, Coimbra, ISCTE e Évora.

No rescaldo do périplo parisiense para as comemorações do 10 de junho, com o Presidente da República e o Primeiro Ministro a desdobrarem-se em múltiplas iniciativas, entre as “selfies” de Marcelo e a necessidade do Primeiro Ministro de pegar num guarda-chuva para abrigar o PR, António Costa ainda teve tempo de anunciar que a capital francesa vai acolher o primeiro Espaço do Cidadão fora do país.

As confederações patronais estão contra a decisão do Governo de introduzir quotas de género nos conselhos de administração das empresas públicas e nas cotadas em Bolsa. Em Portugal, as mulheres ocupam 28,5% dos cargos de chegia ou de gestão das empresas.

Fernando Pessoa ameaça tornar-se uma eterna caixa de surpresas. Afinal ainda há um poema inédito do criador de Álvaro de Campos. “Cada palavra dita é a voz de um morto” é, diz o Público, o primeiro verso deste poema agora revelado pela Folha de S. Paulo, numa versão integral e limpa, num caderno de viagem do escritor e crítico José Osório de Castro Oliveira.

Lá fora

Vamos ter, nos próximos tempos, três eleições da máxima importância, com reflexos diretos e indiretos em Portugal, na Europa e no mundo. Em Espanha, o cenário eleitoral complica-se cada vez mais e ninguém sabe que espécie de solução governativa poderá sair de um voto repartido por quatro forças políticas no próximo dia 26. As sondagens continuam a dar a vitória ao PP, mas, segundo o El País, 74% dos espanhóis inquiridos defendem que os militantes daquele partido deviam aceitar a saída de Mariano Rajoy se com isso ficar facilitada a formação de um governo. Os últimos inquéritos conhecidos dão como estimativa de votos válidos, 28,9% para o PP, 25,4% para a coligação Unidos Podemos, que sobe ao segundo lugar na preferência dos eleitores, 20,8% para o PSOE e 15,9% para o Ciudadanos.

O suicidário referendo desencadeado em Inglaterra por David Cameron sobre a continuidade ou não de Inglaterra da União Europeia está a deixar meio mundo preocupado. Seja qual for o resultado, as consequências poderão vir a ser devastadoras para uma eurozona vulnerável, com uma área monetária incompleta e uma forma de governo imperfeita, para dizer o mínimo. Não por acaso, treze prémios Nobel, entre eles o físico Peter Higgs, subscreveram uma carta aberta na qual alertam para os riscos potenciais para a ciência britância decorrentes de uma saída da União. Entre os subscritores estão ainda Andre Geim e Paul Nurse. Prestes a entrar em pânico com o monstro que libertou, em particular no que respeita às políticas de emigração, Cameron veio ontem dizer que a vitória do "sim" provocaria uma década de incerteza no Reino Unido e que as pensões dos britâncios poderão estar em risco com o "Brexit".

Com o apoio do núcleo duro do Partido Democrata, embora sem que Bernie Sanders, a grande revelação da campanha democrata, tenha ainda admitido oficialmente a derrota, Hillary Clinton poderá vir a ser primeira mulher a ocupar a presidência dos EUA, um país colocado no 98º lugar da lista das nações com representação feminina em lugares dirigentes, atrás do Quénia, da Indonesia, ou dos Emiratos Árabes. As mulheres ocupam nos EUA menos de 25% dos lugares legislativos e apenas uma dezena das 100 maiores cidades do país têm mulheres a dirigi-las.

Graças a tecnologia laser, arqueologistas descobriram no Cambodja, escondidas sob a selva, várias e nunca antes referencias cidades medievais que poderão ter feito parte do maior império do século XII. Os resultados da investigação dirigida pelo arqueólogo australiano Damian Evans serão pubicados hoje no Journal of Archeological Science. SItuadas nas proximidades da cidade de templos de Angkor Wat, estas cidades permaneceram soterradas entre 900 e 1 400 anos e rivalizam em tamanho com Phnom Penh, a capital do país.

Poderemos continuar indiferentes às mudanças climáticas e às suas consequências? Em resultado da poluição luminosa, um terço da humanidade não consegue ver à noite a Via Láctea. É a primeira vez na história da nossa espécie que gerações inteiras de pessoas nunca viram a sua galáxia. Aproveite, já agora, para ver imagens de satélite de vários pontos da terra, tal como foram fotografados em maio deste ano. Se quer uma visão, porventura apocalíptica, das consequências futuras das mudanças climáticas, tem aqui um curioso ensaio de Linda Marsa, editora da revista Discover, que faz uma antevisão da região de Los Angeles em 2 200 com 500 milhões de pessoas a terem de viver em barcos salva-vidas. Como sobrevivem?

FRASES
"Este massacre é um lembrete de como é fácil alguém deitar a mão a uma arma e abater pessoas numa escola, num local de oração, num cinema ou num clube noturno. Temos de decidir se é este o país que queremos ser. Não fazer nada também é uma decisão". Barak Obama, presidente dos EUA

"O melhor que temos é o povo. Não é que os políticos também não sejam bons, mas o povo é melhor que os políticos". Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República Portuguesa nas comemorações em Paris do Dia de Portugal

"Há na Europa, não apenas um sentimento de injustiça, mas uma realidade de injustiça. Se os governos pedem sacrifícios aos pais (…) Quando se lhes pede que aceitem estes sacrifícios para salvar os bancos e os seus filhos estão no desemprego, revoltam-se". Martin Schulz, presidente do parlamento Europeu em entrevista ao Público

"A pobreza nunca recebeu a atenção devida. (…). A maioria dos economistas não se interessam por este assunto. Um dos erros mais graves é a visão segundo a qual os pobres não sabem o que é melhor para eles, e culpá-los pela sua situação". Martin Ravallion, economista e investigador australiano, ex-diretor do Departamento de Investigação do Banco Mundial, em entrevista ao suplemento Ideas do El País.

O QUE ANDO A LER E A VER
"Se algum dos teus jovens amigos aspira a ser escritor, o segundo grande favor que lhe podes prestar é oferecer-lhe um exemplar de "The Elements of Style". O primeiro grande favor é, evidentemente, matá-lo agora, enquanto está feliz". O cinismo da frase só podia ter uma origem: Dorothy Parker, a grande escritora norte-americana falecida em junho de 1967, com 73 anos, vítima de ataque cardíaco. Vem mesmo a propósito de um tão divertido quanto útil livro já lido, assinado por Mário de Carvalho. Tem por título "Quem disser o contrário é porque tem razão" e de alguma forma funciona como uma resposta inteligente à proliferação dos chamados cursos de escrita criativa tão seguidos e tão requisitados por tanta gente. Não obstante estar o livro carregado de sugestões, hipóteses de caminhos, orientações para uma melhor solidez da história a contar, referências a poderosos exemplos de grande literatura, Carvalho não deixa de sublinhar que "a leitura atenta e anotada de alguns grandes escritores substitui não poucos manuais de escrita criativa, com a vantagem de ficar mais em conta. Tome-se meia dúzia de contos de Tchékhov. Valem muitos 'workshops' de escrita". Eu, que por acaso até tenho estado a comprar e a ler os contos completos de Tchékhov editados pela Relógio d'Água, não posso deixar de referir uma outra leitura – sem a mais remota intenção de comparação ou associação tchekoviana – com a qual me tenho deliciado por estes dias. Trata-se da reunião em livro das histórias curtas, mas cheias de vida e de vidas, publicadas entre 1974 e 1986 por Ann Beattie na revista New Yorker. Um prazer absoluto.

Quer ficar assustado? Mesmo muito assustado? Então não deixe de ver este documentário da HBO numa parceria com a revista VICE e perceberá como a história do "big brother is watching you" não passa de bricadeira de crianças se comparada com o que está a suceder no nosso quotidiano. Quando Edward Snowden denunciou em 2013 os programas de vigilância massiva desenvolvidos pela agência norte-americana NSA à escala global, desencadeou um debate crucial sobre privacidade e segurança associadas ao mundo digital. Não faltou quem o apelidasse de traidor, e o debate ganhou novos contornos quando a Apple alegadamente recusou um pedido do FBI para aceder ao Iphone de Syed Farook, tido como responsável por atentados terroristas. O problema, diz Snowden, é que dizer que a Apple é a única a ter os meios técnicos para acesso total aos dados do telemóvel, é uma treta. A parte assustadora começa quando se percebe que nada há, rigorosamente nada, dos nossos passos, das nossas conversas, dos nossos encontros, dos nossos telefonemas, das nossas viagens, que não possa estar a ser registado. As câmaras e os microfones que transportamos nos nossos telemóveis são os nossos maiores espiões. Por outro lado, a vigilância em massa iniciada a partir de 2001, concluíram duas comissões independentes norte-americanas, não impediu a continuidade dos ataques terroristas. O debate continua, com mentiras, falsidades... e vídeos à mistura.

Também tenho andado a ver um fantástico portfolio sobre Muhammad Ali publicado pelo New York Times, que lhe chama "Titã do boxe e do século XX".

Está servido o seu Expresso Curto. Mantenha-se atualizado ao longo do dia no sítio do Expresso e, se a bola faz parte das suas paixões, tem hoje três grandes jogos: Espanha vs República Checa (14h); República da Irlanda vs Suíça (17h) e Bélgica vs Itália (20h). Tenha um bom dia, com muitos golos.


 
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