sexta-feira, 20 de maio de 2016

EXPRESSO - 20 DE MAIO DE 2016

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Expresso
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Ricardo Marques
Por Ricardo Marques
Jornalista
 
20 de Maio de 2016
 
Para onde vão as guacamayas?
 
A beleza pode ser inoportuna. Às vezes surge no olhar de uma criança sentada na rua de uma aldeia fustigada pelas bombas; outras insinua-se nas verdes enseadas de águas calmas onde chegam barcos carregados de refugiados. Pode também acontecer que venha do ar.

Na manhã de 4 de abril, um homem roubou um saco cheio de notas (todas juntas valiam menos do que cinco eros) e foi espancado e queimado vivo por uma multidão furiosa. Minutos antes, um bando de araras coloridas tinha sobrevoado o centro de Caracas.

A capital da Venezuela não é bonita, não é limpa. É um enorme monstro feito de betão e barracas que dorme no fundo de um vale. Mas, como todos os monstros, é irresistível, viciante de tão alucinante e obriga-nos sempre a olhar para cima. Quanto mais olhamos, mais queremos ver – mesmo sabendo que nunca a compreenderemos absolutamente.

Pouco antes de acabar de escrever estas linhas, recebi emails de um amigo português que vive há mais de 50 anos na Venezuela e de um venezuelano, fotógrafo, nascido e criado em Caracas. "A situação é insuportável, vai ter de rebentar por algum lado. A inflação vai nos 300%, é difícil conseguir alimentos, medicamentos...Como é possível que estejam a fazer isto a esta terra?", lamentava Manuel, o português. Convém lembrar que há mais de 400 mil portugueses na Venezuela, número que chega perto dos dois milhões se incluir os luso-descendentes. O país é também o segundo maior parceiro comercial de Portugal na região, a seguir ao Brasil.

"A situação está muito pior desde a última vez que nos vimos. Além da repressão policial, sentimos cada vez mais a repressão política. E falta tudo em Caracas. A oposição aposta tudo no referendo, o Governo não o quer", garantiu-me Carlos, o venezuelano.

Há dois anos, quando andámos atrás de garças brancas nas margens do Guayre, as araras, "las guacamayas", tinham desaparecido do Boulevard Cafetal, uma das zonas mais nobres da cidade – e palco principal dos violentos confrontos entre a polícia e manifestantes que, invariavelmente, acabavam com incêndios e gás lacrimogéneo por todo o lado. Sem a cor das guacamayas, que os caraquenos gostavam de alimentar à janela, as mesmas janelas de onde filmavam a violência na rua, o negro dos zamuros, espécie de abutre que alimenta de carne putrefata, tornou-se ainda mais escuro, tão sombrio como o futuro que já se adivinhava.

As araras, pelos vistos, voltaram, mas tudo está diferente. Pior do que seria possível imaginar. Ontem, o presidente Nicolas Maduro endureceu o discurso e anunciou mais poderes para o Exército, de modo a lutar contra as forças que querem destruir a pátria. A oposição não desarma, apela à desobediência civil e exige um referendo que culmine com a saída do sucessor de Hugo Chávez.

Entre os dois campos, cada vez mais extremados, há um país inteiro a sofrer. Falta eletricidade, falta comida, falta água, faltam medicamentos... O The New York Times entrou num hospital e as imagens impressionam.

É uma terra de tudo ou nada. O pássaro nacional da Venezuela é conhecido pela violência com que ocupa os ninhos de outras aves, destruindo os ovos e matando as crias que encontra. O turpial tem o peito amarelo, como o de algumas guacamayas, mas as suas asas são negras, da cor dos zamuros.

"O poder toma como ingratidão as revoltas das suas vítimas"
 
OUTRAS NOTÍCIAS
O tempo passa, mas as certezas tardam. Sabemos que não há sobreviventes, sabemos que havia um português a bordo, mas ainda ninguém consegue explicar o que aconteceu ao Airbus A320 da Egypt Air que fazia a ligação entre Paris e o Cairo, com 53 passageiros e dez tripulantes.

No The New York Times e no Le Monde é possível perceber como a informação foi mudando ao longo das últimas horas. Às 23h22 de ontem, um comunicado da presidência egípcia dava a aeronave como "desaparecida" - e não como tendo caído no mar; também não fazia qualquer referência aos alegados destroços encontrados.

Horas antes, o ministro da aviação egípcio admitira ser mais provável um atentado terrorista do que uma falha técnica. Donald Trump disse o mesmo, mas a Casa Branca mostrou-se mais cautelosa. As imagens de satélite não mostram qualquer explosão, de acordo com a Reuters e, por isso, todos os cenários são possíveis. Num mar de perguntas, pode encontrar aqui algumas respostas.

Na Educação, está tudo na mesma – o que significa que está tudo em permanente mudança. Com a discussão sobre os contratos de associação das escolas privadas ainda a ferver (e já começaram as providências cautelares), Tiago Brandão Rodrigues anunciou um novo "re", que desta vez soa a "ra", de rasgar. Os curso vocacionais criados por Nuno Crato vão ser rasgados e, em seu lugar, como explica a Isabel Leiria, vão surgir os tutores para acompanhar os alunos que acumulem dois ou mais chumbos.

Ainda é cedo para discutir se a ideia é boa ou má. Ainda é cedo para perceber se a ideia anterior era boa ou má. Acima de tudo, é mais do mesmo. O problema de Brandão Rodrigues, de Nuno Crato e de todos os outros ministros da Educação é não terem percebido ainda, ao fim de quarenta anos de democracia, que a seguir a cada um deles virá sempre mais alguém. É inevitável, é a vida. E, tal como os antecessores, o maior desejo do novo ministro será ficar na história como o autor da reforma que revolucionou o ensino em Portugal. Outra vez. Com mais ou menos gritaria. Se o Governo mudar a cada quatro anos, uma criança mais azarada arrisca-se a apanhar três ministros da Educação nos doze anos de escolaridade obrigatória e, no fim, poderá queixar-se de um pouco de tudo. Mas nunca de monotonia.

Todos sabemos que os tempos não estão para consensos, mas neste caso, em nome do futuro, valia mesmo a pena insistir.

"Aqueles que levam as lanternas atrás de si, lançam para a frente as suas sombras"

A verdade é que qualquer impossível é apenas um possível que está por fazer. António Costa provou-o ontem quando ofereceu uma vaca voadora à ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Manuel Leitão Marques. O Paulo Paixão assistiu à apresentação do Simplex + e conta-lhe tudo o que vai mudar na forma como nos relacionamos com alguns serviços da administração pública, desde que nascemos até ao dia da nossa morte - e provavelmente depois. "O processo de modernização e simplificação da administração pública é uma never ending story, não tem fim", garantiu um divertido primeiro-ministro.

As notícias desta semana, com a Comissão Europeia a exigir 730 milhões em medidas adicionais, não incomodaram por ai além o Governo. O primeiro-ministro, já a preparar o congresso socialista de junho, voltou a afirmar que não é preciso qualquer alteração ao rumo traçado. A dança entre Bruxelas e Lisboa não se faz apenas a dois, e o Ricardo Costa explica-lhe em poucas linhas como funciona este delicado equilíbrio entre o ser e o parecer numa Europa que cada vez mais parece ser aquilo que tanto se esforça para não parecer.

A todos os problemas, junta-se ainda mais um. Em França, a polémica Lei do Trabalho – que os sindicatos descrevem com uma fórmula que anda perto de 'trabalhar mais, ganhar menos e ser mais fácil acabar despedido' - está a testar os nervos do país. Há greves todos os dias, manifestações várias vezes ao dia e uma guerra declarada entre manifestantes e polícias. Os ataques contra a polícia são ataques à República, escreve o Le Nouvelle Observateur.

No Brasil, garante a imprensa que está para breve uma entrevista do "peemedebista" Michel Temer, o presidente interino que lidera um Governo absolutamente branco e masculino e que prometeu a um conjunto de deputadas nomear uma ministra lá mais para a frente, sem se comprometer com datas, e que já viu quatro mulheres recusarem o convite para a liderança da secretaria da cultura (a última foi a atriz Bruna Lombardi), mas que entretanto já nomeou um suspeito de tentativa de homicídio para líder da bancada que apoia o executivo em funções desde que foi suspensa de funções a "petista" Dilma Roussef (um museu no Paraná retirou a figura de cera da presidente suspensa), que numa entrevista a um jornalista americano disse que o governo de Temer será conservador em todos os seus aspetos... Peemedebista, petista... Não há quem resista.

Nos EUA, o passado e o futuro convivem até novembro. Antes de se por a caminho da sua nova vida fora dos muros da Casa Branca, onde se sentirá livre como um passarinho, Obama fez com que mais uns milhões de trabalhadores passem a receber mais horas extraordinárias. A caminho da gaiola, a corrida está reduzida a três. Trump – que vai dando sinais de moderação no discurso, arriscando, porém que seja too litle too late, como eles costumam dizer -, Sanders e Clinton, os dois democratas desavindos. Está tudo no especial eleições do The New York Times.

Aproveite o sol e o céu limpo, as nuvens voltam amanhã e ficam mais uns dias. A primavera tarda, mas o verão há de chegar e, com ele, o mosquito que há uns meses assustou o mundo por causa do Zika estará na Europa. Mais precisamente na Madeira, preveem os especialistas.

"Lemos mal o mundo, e dizemos depois que ele nos engana"

Às vezes, não o lemos de todo. Esta semana, o Jornal de Notícias trouxe duas notícias capazes de provar que nada é inevitável, nem a vida nem a morte. Em Miranda do Douro, 44 ovelhas que pastavam perto da localidade de Fonte da Aldeia morreram fulminadas por um raio. Em Vilarandelo, Valpaços, o porco que ia ser rifado no Natal, e transformado em enchidos, ganhou nome e é hoje o animal de estimação da aldeia. Toninho é um sinal de que ainda há esperança no mundo, pelo menos para alguns.

Desengane-se quem tinha esperança de que havia uns dias de descanso entre o fim do campeonato nacional e o arranque do campeonato da Europa. A bola está sempre a rolar. Hoje há a final da Taça da Liga, entre Benfica e Marítimo, amanhã será a vez de um Portugal – Espanha na final do Europeu de Sub-17 e no domingo a final da Taça de Portugal, entre FC Porto e Braga.

Daqui a meia hora estão na estrada os carros do Rali de Portugal. O dia arranca em Ponte de Lima e está aqui um mapa com todas as etapas da prova.

Manchetes
Diário de Notícias: "Alunos que chumbem vão passar a ter tutor"
Jornal de Notícias: "Reabilitação urbana da Baixa do Porto encrava em Lisboa"
Correio da Manhã: "Gang planeia matar inspetor da PJ"
Público: "Franceses já compram mais casas em Portugal do que ingleses e chineses"
i: "Como não há os livros que gostaria de ler, escrevo-os eu", entrevista a José Rodrigues dos Santos

FRASE
"Eu veria do outro lado da História, um pouco com o espírito habitual do senhor primeiro-ministro, aquele seu otimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante", Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

O QUE ANDO A LER

Como é fim de semana, deixo-lhe algumas sugestões um pouco mais longas.

É possível escrever sobre quase tudo, disse-me esta semana alguém que sabe o que lê. Neste artigo do The New York Times, o crítico de vinhos do jornal, reflete sobre como as principais séries de televisão estão a ser invadidas pelo vinho. Para quem se lembra, se hoje fosse sexta-feira em Dallas, JR Ewing estaria a chegar a casa e encher um copo- não de uísque, mas de tinto...

Também à distância de um clique, está o excelente artigo que Jonathan Franzen escreveu para a The New Yorker a propósito de uma viagem à Antártica. Não é apenas a história de uma ave, o Pinguim-Imperador, apesar de Franzen ser um apaixonado pelos pássaros – como seria de esperar é muito mais do que isso. É uma história sobre pessoas escrita e que fala de um pinguim que parece dar uma conferência de imprensa num icebergue.

Agora a Granta, edição portuguesa, número 7, acabada de sair, e a visão de Julian Barnes, ele próprio jogador, sobre o encontro de xadrez entre Gary Kasparov e Nigel Short no Savoy, em Londres, em 1993. O artigo foi escrito em 1994, mas é absolutamente imperdível. "Os céticos defendem que assistir a xadrez ao vivo é tão arrebatador como ver tinta a secar. Os ultracéticos respondem: isso é injusto para a tinta. Enquanto experiência teatral, é austera e minimalista: dois homens, duas cadeiras, uma mesa e nenhum diálogo. Contudo, durante três meses os lugares mais baratos do Savoy foram, de longe, os lugares mais caros de qualquer teatro londrino".

Aqui pode ler o fascínio de um matemático por outro, e como dois percursos tão distantes no tempo podem ser tão semelhantes. Ken Ono e Srinivasa Ramanujan.

E, sem sair da Índia do século XIX, chegamos a Rabindranath Tagore. Do premio nobel da literatura em 1913 foi agora publicado "A asa e a luz", (Assírio e Alvim) edição conjunta de dois livros nunca antes traduzidos para português. São 153 páginas repletas de aforismos e poemas breves que Tagore escreveu durante duas viagens, ao Japão e à China.

Um fala de aves:
"O pardal compadece-se do pavão por este carregar uma cauda tão pesada"

Há três que já conhece:
"O poder toma como ingratidão as revoltas das suas vítimas"

"Aqueles que levam as lanternas atrás de si, lançam para a frente as suas sombras"

"Lemos mal o mundo, e dizemos depois que ele nos engana"


E fica mais um, para dois dias que se querem de repouso:
"O ruído do momento desdenha da música do eterno"

Como sempre, há Expresso Diário às seis da tarde, Expresso da Meia Noite às 23h00, na SIC-Notícias, e o Expresso de sempre amanhã nas bancas.

Bom dia, e bom fim de semana
 
 
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