sexta-feira, 8 de abril de 2016

EXPRESSO


Panamá? Pá, na boa

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com


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Expresso
Bom dia, já leu o Expresso CurtoBom dia, este é o seu Expresso Curto 
Ricardo Marques
POR RICARDO MARQUES
Jornalista
 
8 de Abril de 2016
 
Panamá? Pá, na boa
 
PanaPá, na boa

Um breve guia para a indiferença dos dias que correm e onde se prova, com recurso a quatro ideias-chave, como nada disto é novo, como nada disto é importante e como o que realmente interessa é aproveitar o sol (que está apenas de passagem, leia-se) e ver a bola amanhã.

Sabe quem é Edward Teach? Este inglês terá sido talvez o mais famoso de todos os que gostam de guardar dinheiro obtido de forma ilícita em territórios pequenos, com palmeiras, praias de areia branca e águas tépidas e tranquilas, aquilo a que chamamos um offshore. Teach, e nisso não era diferente de todos os que tinham o seu trabalho, usava o dinheiro para uma de duas coisas, como escreveu Gilles Lapouge. "O desígnio secreto é o mesmo: abolir esse ouro, suprimi-lo ou excluí-lo, consumindo-o num excesso de loucura, ou expulsando-o do mundo, escondendo-o em terras inacessíveis", explicou o escritor francês num livro de 1969 chamado "Os Piratas". Tem lá um capítulo dedicado a Teach, o Barba Negra, o pirata morto em batalha no dia 22 de novembro de 1718.

Sabe quem é Saúl Fernandes de Aguilar? O primeiro grande ilusionista português, executante exímio de uma arte com milhares de anos – a de fazer desaparecer coisas. O número do Conde D'Aguilar, nome com que Saúl subia aos mais famosos palcos de Lisboa e Madrid, tinha cartas, lenços, pombas e coelhos que saíam da cartola. Provavelmente, também dava sumiço a umas moedas colhidas entre a assistência, que olhava maravilhada enquanto o possível, com capa de impossível, acontecia diante dos seus olhos. Entregavam o dinheiro a um homem de fraque, faixa vermelha e verde ao peito e medalhas na lapela, ficavam sem ele e no fim ainda aplaudiam. Uma maravilha.

Conhece a expressão "este assunto é muito complexo"? Todos os dias nos prometem um mundo mais simples, e todos os dias nos mentem. Nada é simples, tudo é complicado. Se fosse simples, tão simples como fechar uma torneira, ninguém nos diria que é complexo. Nada disso. É preciso calma, muita calma. Temos de inspecionar os canos todos, milhares de quilómetros de tubos e tubinhos, verificar a solidez da barragem e testar os computadores e fazer análises à água. Estes dados terão de ser comparados com os de todas as barragens do mundo, pelo que será necessário esperar que todos estejam calculados. Pelo caminho, é importantedesenvolver um modelo meteorológico que nos permita saber quando irá chover e quanto irá chover. Crie-se uma comissão para isso. Será preciso cuidar dos peixes e das plantas na barragem e talvez até perceber porque chove menos, ou mais, hoje do que, digamos, no tempo do Barba Negra. Haja esperança. Se não morrermos afogados entretanto, a solução chegará. Ou talvez nos vendam umas aulas de natação.

E lembre-se sempre que eles no fundo são, como gostamos tanto de dizer, "pessoas humanas". O The New York Times, que chegou tarde à história, traça o perfil do senhor Fonseca e do seu sócio, o senhor Mossack, empresários empreendedores que criaram do zero uma companhia que dá emprego a centenas de pessoas e opera no mercado global ajudando a fazer do nosso planeta um mundo melhor. Eles sim, são as vítimas disto tudo e dos jornalistas ao serviço de alguém.

Agora, esqueça tudo o resto. Esqueça os que morreram por causa das bombas na Síria, os milhares de empresas que desviaram milhares de milhões de euros de impostos (que alguém tem de pagar, claro), esqueça o crime organizadoo tráfico de droga, de armas e de seres humanos, esqueça os regimes corruptos e os corruptos nos regimes. Aquele presidente, o outro primeiro-ministro e um qualquer diretor do banco. Esqueça também, como se explica no Expresso em 3 minutos menos 1 segundo, que anda meio mundo a roubar e outro tanto a ser roubado. Melhor. Pense que tudo isto só acontece aos outros. Concentre-se em frases como "nem todos os offshore são ilícitos" e se lhe perguntarem pelo Panamá, não hesite. Ajeite os óculos escuros e pense que, como as nuvens no céu, tudo passará. Se insistirem, responda apenas: "Pá, na boa..."

(Amanhã, quando o Expresso chegar à banca e 
começarem a ser conhecidas as ligações portuguesas aos Panama Papers, é capaz de começar a mudar de opinião. Por outro lado, também dão chuva para o fim da tarde)
 

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OUTRAS NOTÍCIAS
Contas difíceis para o Braga, que perdeu 1-2 na primeira mão dos quartos de final da Liga Europa.

Exército também perdeu. O Chefe do Estado-Maior, general Carlos Jerónimo, apresentou a demissão. Marcelo Rebelo de Sousa, que ontem foi o anfitrião de um Conselho de Estado especial, aceitou e já está em curso o processo de substiituição. Em causa parece estar uma reportagem do Observador no Colégio Militar e, em particular, uma declaração do diretor da escola sobre alunos homossexuais - que caiu mal junto do Ministro da Defesa.

Vai ser conhecida hoje a segunda exortação apostólica do pontificado de Francisco. ‘Amoris laetitia’, “A Alegria do Amor”, é o resultado de dois anos de trabalho dos bispos numa matéria que toca a vida diária de todos os católicos no mundo inteiro:a família. O The New York Times explica o que está em causa e antecipa um pouco do que está para vir. O Guardian tambémantevê algumas mudanças, mas as suficientes para deixar absolutamente felizes os setores mais reformistas.

Longos são os dias, tão longos como as noites da comissão parlamentar de inquérito ao Banif. A Anabela Campos e a Isabel Vicente acompanharam a audição de Maria Luís Albuquerque, a ex-ministra das Finanças, agora vice-presidente do PSD eadministradora não executiva da Arrow Global Group PLC "sem incompatibilidade ou impedimento", como escreve o Filipe Santos Costa. A seguir foi a vez de Mário Centeno, atual ministro das Finanças, e como conta o João Silvestre correu assim.

Agora, as bofetadas. Para que fique claro, não estou a pedi-las. Mesmo. Só queria falar-lhe delas e de como tudo isto é tão igual ao que sempre foi. Em 1914 era assim: "O vice-presidente do Senado, Goulart de Madeiros, cujo comportamento na véspera tinha sido classificado de “incorreto e inaceitável” pelo Partido Republicano, desafiou o primeiro subscritor do documento, Correia Barreto, para um duelo." Espadas, pistolas, bofetadas. Ninguém morre, mesmo que alguém se aleije. E depois, como se sabe, o mais importane é tercalma.

Transformados em números à mesa das negociações entre a União Europeia e a Turquia, os refugiados que vivem em cidades de tendas mostram que não há nada mais humano do que um grito de revolta.

Ainda a propósito de números, e de dinheiro que desaparece, vale a pena lembrar, com a ajuda da Isabe Leiria, a história dos 57 milhões de euros com que as universidades só vão poder contar com autorização superior antes de ler o que o Henrique Monteiro tem adizer - e, sim, tem umas bofetadas lá pelo meio. Fica a sugestão para um reitor que se sinta com sorte: hoje há jackpot no Euromilhões e o primeiro prémio é de... 57 milhões de euros.

David Cameron (esqueça que ele admitiu ontem que lucroucom as offshore do pai e que está debaixo de fogo) já percebeu que a maioria dos jovens britânicos quer ficar na União Europeia, mas receia que, como dizem as sondagens, muitos não cheguem sequer a ir votar no referendo – ao contrário do que sucede com os mais velhos, e mais favoráveis a uma saída. O Financial Timesdescreve o que vai na alma do inquilino do número 10 da Rua Down, em Londres.

Pinto da Costa está em campanha eleitoral para as eleições de 17 de abril. O FC Porto já não consegue ganhar o campeonato, dificimente ficará em segundo e tem na final da Taça de Portugal a bóia para salvar a época. "Batemos no fundo", disse ele. Não é a campanha eleitoral ideal, mas Pinto da Costa também não é um presidente normal. Saiba tudo o que disse, numa entrevista ao Porto Canal, o homem que está há 34 anos à frente do FC Porto.

A Venezuela é uma caixinha de surpresas. Há uns anos, numa sexta-feira à tarde em Caracas, explicaram-me que o dia era conhecida como "sábado pequeno" - e, como tal, era normal que as poucas lojas abertas fechassem para o fim de semana à hora de almoço. Agora, como se conta aquiNicolas Maduro, o presidente que soube por um passarinho que ia ganhar eleições, decidiu transformar em feriado todas as sextas-feiras dos próximos dois meses. O objetivo, explicou, é poupar energia. "Teremos fins de semana prolongados", garantiu. Mas se a sexta é o novo sábado, a quinta passa a ser a nova sexta...

FRASES

“A Europa não tem sido capaz de lidar com o problema, porque perdeu identidade. Os refugiados que procuram a Europa vêm também à procura de um modelo político diferente do modelo ditatorial”, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa

"É difícil aceitar este resultado em função do jogo que fizemos, demonstrámos que coletivamente não somos nada inferiores ao Shakhtar, este golo no final dá-nos esperança", Paulo Fonseca,treinador do Braga após a derrota por 1-2 diante do Shakhtar Donetsk na primeira mão dos quartos de final da Liga Europa

MANCHETES
Público: "João Soares ameaça colunistas e PS não sai em defesa do ministro"

Diário de Notícias: "Chefe do Estado-Maior do Exército sai em choque com o ministro"

Correio da Manhã: "Faturas provam luvas no dragão"

Jornal de Notícias: "Batemos no fundo mas vamos dar a volta ao que está mal"

i: "O primeiro dia da reforma foi terrível" (entrevista à presidente da APRe!)

O QUE ANDO A LER
terminação, enquanto não chega a sorte grande.

Gay Talese - o jornalista americano que entre milhares de outras frases espalhadas por livros e artigos escreveu um dia "Sinatra with a cold is Picasso without paint, Ferrari without fuel -- only worse." - vai ter um novo livro, lá mais para o fim do ano. Uma enorme reportagem baseada no igualmente volumoso diário de um homem normal com um hábito invulgar. Esta semana, a revista The New Yorker publicou os bastidores do trabalho. Esta introdução de Gay Talese ao novo livro de Gay Talese é para ser lida de rajada.

Talese esperou mais de trinta anos para acabar de escrever um artigo que nem queria começar. Não vou revelar muito, apenas o suficiente para que volte umas linhas atrás e clique na ligação. The Voyeurs Hotel é a história de um homem que compra um motel no final dos anos 60, e que se muda para lá com a mulher, o filho (a filha estava numa clínica por causa de problemas respiratórios) e a sogra. Antes de abrir ao público, o homem decidiu fazer uma série de obras - as mais complexas foram no sótão. Com a ajuda da mulher, que se deitou em todas as camas a olhar para o teto, arranjou forma de conseguir ver tudo o que se passava nos quartos. E tomou notas. Muitas. Durante quatro décadas escreveu uma espécie de diário com as suas reflexões sobre os hábitos sexuais dos hóspedes.

Em 1980, escreveu a Talese e convidou-o a passar uns dias no motel. Hesitante, o jornalista aceitou. O homem foi buscá-lo ao aeroporto, pediu-lhe que assinasse um termo de confidencialidade e, logo na primeira noite, levou-o ao sótão. Talese foi e por pouco não foram apanhados por um casal - a gravata do jornalista atravessou a grade de ventilação e esteve alguns segundos pendurada no teto do quarto. Nos anos seguintes, o jornalista e o dono do motel foram mantendo o contacto. Há três anos, na primavera de 2013, o homem normal escreveu a Talese para lhe dizer que tinha rasgado o termo de confidencialidade e que estava pronto para que a sua história fosse contada. Tinham passado 33 anos.

Milhares de pessoas passaram por aqueles quartos ao longo de quatro décadas e durante todo esse tempo ninguém percebeu que estava um homem no teto a espreitar cá para baixo.

Às vezes, o mais díficil de ver é aquilo que está mesmo por cima dos nosso olhos.

Não se esqueça disto: há Expresso Diário às seis, Expresso da Meia Noite às 23h00, na SIC Notícias, e Expresso na banca amanhã.

O Panamá começa agora.

Tenha um bom fim de semana
 
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