Macroscópio – Xiitas, sunitas e uma ida à bomba de gasolina
É verdade: todos os dias ouvimos notícias de que o preço do petróleo continua a cair nos mercados mundiais e, quando vamos até à bomba de gasolina vemos os preços descer mais devagar do que esperaríamos. Já sabemos que isso se deve, em boa parte, ao peso da carga fiscal, nunca temos a certeza de a concorrência entre gasolineiras ser a suficiente para, ao menos, fazer-nos hesitar sobre a bomba onde abastecer – algo que é especialmente evidente naqueles painéis nas autoestradas onde os preços nos surgem sempre os mesmos, de posto de abastecimento em posto de abastecimento. Não é esse porém o tema deste Macroscópio. Vamos antes deixar algumas pistas sobre o significado da descida do preço do crude, as consequências dessa baixa para a economia mundial e a forma como isso se reflecte, ou não, nas tensões vividas no Médio Oriente.
Comecemos por dois textos, mais explicativos, ambos do Observador. O primeiro é uma análise de Mário Amorim Lopes,$30/barril. E agora?. Nesse texto o economista procura explicações e dá algumas respostas possíveis a questões como “O preço do petróleo vai manter-se tão baixo? E porquê? Como funciona o mercado e qual o peso da OPEP? Portugal ganha ou perde com preços baixos?”
Se este texto serve para introduzir o problema, o Especial de Edgar Caetano sobre as tensões entre os grandes produtores mundiais –Petróleo. Quem irá pestanejar primeiro: Putin ou Arábia Saudita?– é uma fundamentada análise sobre o que leva países como a Rússia e o reino do deserto a prolongarem um braço de ferro que parece estar a arruinar as finanças de um e de outro. É que a factura é muito pesada: “Estima-se que por cada dólar que o preço do petróleo cai o Estado russo perde o equivalente a 2 mil milhões de dólares de receita anual. Isto porque mais de metade das receitas públicas vêm do petróleo, que corresponde, também, a mais de 70% das exportações do país.”
(A este propósito vale a pena recordar um outro Especial mais antigo, também no Observador, Petróleo barato. O tiro da OPEP está a sair pela culatra, onde se explica o porquê de uma guerra de preços que se iniciou para tentar levar à falência muitos projectos novos, nomeadamente os ligados ao fracking do petróleo e gás de xisto nos Estados Unidos.)
Ou seja, há muitas frentes de combate, pelo que são muitas as facetas dos jogos geopolíticos que dependem da evolução do preço de uma das mais cobiçadas matérias-primas. Uma visão mais geral, mas mesmo assim inconclusiva, é a do Guardian que, em editorial – The Guardian view on the geopolitics of falling oil prices– reconhecia: “In the geopolitics of oil production, predictions are always risky. However important it may be, the price of crude is never the single factor driving events. That a global shakeup will occur if the spectacular tumble in prices persists is, however, a fairly safe bet.”
Porventura mais atrevido, um vizinho de Londres, o Financial Times, arriscava uma avaliação positiva, considerando em A welcome drop in the global price of crude oil, que “Cheaper fuel is a clear net benefit for the world economy”. Isto porque “Broadly speaking, a fall in the oil price transfers income from economies more likely to save it to those more likely to spend it, and from capital-intensive industries to ones that are labour intensive.”
Uma outra forma de olhar para o impacto desta descida de preços é procurar perceber que impacto pode ela ter nas estimativas de crescimento das economias à escala global. É isso mesmo que faz o conhecido economista Kenneth Rogoff num artigo do Project Syndicate, Oil Prices and Global Growth. Escrito no final do ano passado, concluia que “In short, oil prices were not quite as consequential for global growth in 2015 as seemed likely at the beginning of the year. And strong reserve positions and relatively conservative macroeconomic policies have enabled most major producers to weather enormous fiscal stress so far, without falling into crisis. But next year could be different, and not in a good way – especially for producers.”
Uma outra questão que se pode e deve colocar é qual a relação entre a evolução do preço do petróleo e a situação na Arábia Saudita, muito especialmente no que se refere à escala da tensão entre esse país e o Irão. Deixo por isso três referências que ajudam a compreender melhor o que está em causa:
- The Saudi blueprint, o editorial que fazia a capa da The Economist da semana passada, onde se reflectia sobre como “The desert kingdom is striving to dominate its region and modernise its economy at the same time”. Na mesma edição da revista, um texto mais longo - Young prince in a hurry – explicava em detalhe a situação interna no reino, e um outro mais sintético - Saudi Aramco: Sale of the century? – relatava como o capital da gigantesca companhia petrolífera saudita pode vir a ser disperso em bolsa;
- Sauditas, iranianos e a hegemonia no Médio Oriente, mais um Conversas à Quinta que animo aqui no Observador com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto e onde desta vez se debateu este interessante tema, assim apresentado: “Uma cultura milenar, a da Pérsia. Um país quase sem história, mas com muito petróleo e a tutela dos lugares santos. E ainda o velho cisma entre xiitas e sunitas. O xadrez do Médio Oriente complica-se” (pode também optar por ouvir opodcast).
- Xiitas e sunitas. Catorze séculos da grande divisão do Islão, um novo Especial do Observador, este de Nuno Martins, onde se procura dar o enquadramento histórico para as divisões religiosas que “estão a renascer fruto de interesses estratégicos das duas maiores potências do Médio Oriente [Arábia Saudita e Irão], que têm levado a cabo uma guerras por procuração, em especial na Síria”.
Mas como estamos a entrar no fim-de-semana, não queria deixar os leitores do Macroscópio circunscritos a temas que, sendo importantes, podem ser considerados um pouco indigestos. Por isso atrevo-me a recuperar algumas peças jornalísticas que podem ter passado despercebidas (aos leitores regulares do Observador) ou serem desconhecidas (por quem não vasculha sem descanso “a rede” aquém a além fronteiras. Ei-las:
- Europe’s New Medieval Map, um interessante ensaio de Robert D. Kaplan no Wall Street Journal sobre a evolução das tensões no nosso continente onde se nota, por exemplo, que “The decades when we thought of Europe as stable, predictable and dull are over. The continent’s map is becoming medieval again, if not yet in its boundaries then at least in its political attitudes and allegiances. The question today is whether the EU can still hope to permanently replace the multicultural Habsburg Empire, which for centuries sprawled across Central and Eastern Europe and sheltered its various minorities and interests. The answer will depend not only on what Europe itself does but also on what the U.S. chooses to do. Geography is a challenge, not a fate.”
- Últimas noticias desde el frente científico contra la muerte, um belo trabalho do El Pais sobre como “En el último siglo y medio se ha multiplicado la esperanza de vida pero gran parte de los procesos de envejecimiento siguen siendo un misterio para la ciencia”.
- How North Korea Became the World’s Worst Economy, um artigo bem oportuno, de novo do Wall Street Journal, sobre as contradições (e a miséria) de um país que ainda agora foi notícia pelas piores razões, isto é, pelo seu programa nuclear numa altura em que se morre à fome mesmo quando se quer ajudar, mas se ajuda mal: “Catastrophic policies made worse by billions in foreign aid that masked its leaders’ misrule.”
- Portugal: 140 anos à espera de August Strindberg, o primeiro de três especiais do Observador que recupero nesta newsletter, este sobre ter sido preciso esperar até 2015 para ler em português "Inferno" e "O Salão Vermelho”, duas obras fundamentais de um escritor genial, misógino e louco cuja vida Joana Emídio Marques recorda.
- Agatha Christie: a escritora que sabia matar, onde Miguel Freitas da Costa recorda, a propósito dos 40 anos da sua morte, a autora que criou Poirot e Miss Marple, vendeu milhões e é a terceira escritora mais traduzida de sempre, só atrás de Shakespeare e da Bíblia. Os muitos fãs não devem perder, os que ainda não são fãs talvez comecem a ser…
- Afinal, quem tramou a Zona Euro?, um trabalho de Pedro Romano que sintetiza a posição de 16 economistas, vários dos quais figuras de topo, que se juntaram para explicar a crise do euro com base numa narrativa diverge da história oficial. É um texto que, de alguma forma, nos obriga a recordar um dos ensaios mais importantes (e influentes) publicados o ano passado pelo Observador, o texto de Vítor Bento Eurocrise: Uma outra perspectiva.
Despeço-me com uma chamada de atenção. Nas últimas duas semanas o Observador publicou entrevistas, algumas delas mais interessantes do que se poderia esperar, com os candidatos presidenciais (pode procurá-las aqui ou aqui), mas a minha chamada de atenção vai já para um texto que ainda não saiu: o retrato de Marcelo Rebelo de Sousa por Maria João Avilez. Regresso ao Observador no próximo domingo à noite que não se arrependerá – e poderá ficar a saber bem mais sobre quem é realmente o homem por trás do candidato.
Bom descanso, boas leituras e um melhor fim-de-semana. Revemo-nos segunda-feira.
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